12.25.2011

Ciclos


Termina 2011 como um ano onde, após muita expectativa, meu primeiro livro, o "Tudo o que é grande se constrói sobre mágoa", finalmente foi lançado. O lançamento oficial ocorreu em 10 de dezembro, como foi noticiado aqui na ocasião, e a venda pelo correio começará em 2 de janeiro, segundo a Ugra Press. Aos que estão em busca do livro, aguardem a atualização da loja da Ugra nessa data: http://ugrapress.wordpress.com/ugra_meg/

Além do livro, esse ano que está prestes a terminar também foi importante para a retomada dos projetos musicais, e tive a honra de participar da criação de duas aberrações:

THE CRACKWHORES: 100% sujeira noisecore, sem meios termos, sem tentativas de soar musical.
DISPERARII: minimalismo, lentidão, psicodelia de Mão Esquerda.
Para 2012 os planos são concretizar esses dois projetos musicais. Sem nenhuma pretensão de vê-los como portadores dos vícios de qualquer cena, mais do que certeza que ambos jamais se apresentarão ao vivo. Tocar ao vivo foi, por anos com o Life is a Lie, uma experiência das mais extremas. Hoje, porém, não vejo nenhum sentido em uma apresentação ao vivo, pelo menos nos projetos com os quais estou envolvido. Isso porque me lembro de como foi a experiência com as últimas apresentações do Life is a Lie, onde a vontade que eu tinha era de desaparecer tão logo as últimas notas ecoavam. Talvez porque os shows aconteciam praticamente todos os finais de semana e, então, perderam o sentido... Talvez. Seja como for, pelo menos por agora, nenhuma chance nem do DISPERARII nem do THE CRACKWHORES tocarem ao vivo.

Também estou escrevendo um novo livro. Será um romance dessa vez. O ambiente, os principais personagens e o enredo estão prontos, faltando agora o trabalho braçal de excomungar daqui de dentro a história que imaginei. Pretendo tê-lo pronto no final de 2012, se os deuses me forem favoráveis. Ainda não está decidido, mas talvez saia pela Ugra Press também.

Top acontecimentos/discos/leituras de 2011:

1) lançar em livro os contos do Dissolve Coagula
2) mudar de apartamento
3) ganhar um Mate-couro de 500ml
4) descobrir Devil Makes Three
5) o "Void", do Craft
6) o "Ultimacy", do Blood Axis
7) "A morte de Bunny Munro", de Nick Cave
8) "O livro dos mandarins", de Ricardo Lísias
9) "História do Olho", do G. Bataille

12.04.2011

Festa de lançamento do livro + novo zine do Grão + rock sujo


"Tudo que é grande se constrói sobre mágoa" é o nome do livro e será lançado pela UGRA PRESS no sábado, dia 10 de dezembro, a partir das 17:00 ali na Matias Aires.

O livro reúne 16 contos já publicados aqui no Dissolve Coagula, além de um inédito, especialmente escrito para essa edição (e que não será publicado aqui). O livro conta com as personalíssimas ilustrações do Flávio Grão, e sua produção misturou impressão em gráfica com serigrafia, além de uma encadernação costurada manualmente pela UGRA PRESS. Somente 100 cópias foram produzidas.

No mesmo dia, o Grão lançará uma tiragem limitada de 40 camisetas feita em parceria com a Hotel Tees, além de seu primeiro pôster feito em serigrafia e o seu novo fanzine Cortex, uma narrativa de imagens influenciada por ícones punk da linguagem e arte xerox.

Para completar, o trio Fusco, MJP e Seixlack farão um ensaio aberto, com experimentações e improviso.

A entrada será gratuita. Se estiver em São Paulo e imediações, deixo o convite para ir lá.

Hotel Tees - Rua Matias Aires 78 - Baixo Augusta - São Paulo/SP



12.02.2011

Black Mass Rising - o trailer


Black Mass Rising é um filme dirigido pela intrigante Shazzula, artista belga nascida em 1977 cuja carreira conta com participações em inúmeras (e diferentes) bandas, um personalíssimo trabalho como ilustradora, DJ em eventos dedicados ao psych rock e, também, como videomaker.

11.12.2011

Teologia 3 (de Eduardo Galeano)



Errata: onde o Antigo Testamento diz o que diz, deve dizer aquilo que provavelmente seu principal protagonista me confessou:

Pena que Adão fosse tão burro. Pena que Eva fosse tão surda. E pena que eu não soube me fazer entender. 

11.09.2011

O vozerio dos senhores de engenho pós-modernos


Após ver um monte de comentários sobre a ação da Polícia Militar na USP, a conclusão óbvia: as pessoas não pensam,  limitando-se a copiar como tontos papagaios o que vêem na televisão e o que lêem na Internet.

11.07.2011

O ridículo da antipolítica

O texto a seguir foi publicado pela Folha de São Paulo em 25 de agosto de 2011. Permaneceu favoritado no meu Delicious desde então e, hoje pela manhã, em uma faxina autoimposta nos links acumulados, o reencontrei.

11.05.2011

Gênesis 1, 28



"Deus os abençoou: Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra."

Sentença proferida em 1587 no processo contra o prior de Trancoso (autos arquivados na Torre do Tombo, armário 5, maço 7):

"Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve vinte e nove filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas. Total: duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e catorze do sexo feminino e oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e três mulheres". Não satisfeito tal apetite, o malfadado prior, dormia ainda com um escravo adolescente de nome Joaquim Bento, que o acusou de abusar em seu vaso nefando noites seguidas quando não lá estavam as mulheres. Acusam-lhe ainda dois ajudantes de missa, infantes menores que lhe foram obrigados a servir de pecados orais, completos e nefandos, pelos quais se culpam em defeso de seus vasos intocados, apesar da malícia exigente do malfadado prior.

[agora vem o melhor:]

"El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou pôr em liberdade aos dezessete dias do mês de Março de 1587, com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e, em proveito de sua real fazenda, o condena ao degredo em terras de Santa Cruz, para onde segue a viver na vila da Baía de Salvador como colaborador de povoamento português. El-rei ordena ainda guardar no Real Arquivo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo".

(retirado de um e-mail da lista Planeta Cioran)

11.03.2011

Trecho de "História do olho", de Georges Bataille


Para os outros, o universo parece honesto. Parece honesto para as pessoas de bem porque elas têm os olhos castrados. É por isso que temem a obscenidade. Não sentem nenhuma angústia ao ouvir o canto do galo ou ao descobrirem o céu estrelado. Em geral, apreciam os "prazeres da carne" na condição de que sejam insossos.

Mas, desde então, não havia mais dúvidas: eu não gostava daquilo a que se chama "os prazeres da carne" justamente por serem insossos. Gostava de tudo o que era tido por "sujo". Não ficava satisfeito, muito pelo contrário, com a devassidão habitual, porque ela só contamina a devassidão e, afinal de contas, deixa intacta uma essência elevada e perfeitamente pura. A devassidão que eu conheço não suja apenas o meu corpo e os meus pensamentos, mas tudo o que imagino em sua presença e, sobretudo, o universo inteiro.

(página 58, edição da Cosac Naify de 2003)

9.26.2011

Mensagens cifradas em lágrimas

Gosto de buscar conexões entre os dados da Realidade e neles encontrar mensagens cifradas. Esse exercício, repetido desde sempre, está algo próximo da Patafísica, mas também da idiotice. E como nem sempre a Realidade é algo razoável, encontrar explicações, mesmo que absurdas, para os acontecimentos do cotidiano acabou por se tornar um vício, uma obsessão, uma tara que faz rir na maioria das vezes e em outras me deixa extremamente preocupado (mesmo sabendo do sabor arbitrário de todas as explicações que encontro através desse método).

8.22.2011

E o mundo será ateu...


Um mundo ateu: obedecendo a uma teleologia que mescla desenvolvimento econômico e esclarecimento sobre questões existenciais, o futuro pertencerá aos homens livres de deus. Pelo menos, assim será segundo o estudo divulgado pela Folha na semana passada: http://f5.folha.uol.com.br/estranho/957024-estudo-diz-que-ateismo-vai-tomar-lugar-das-religioes.shtml

Os dados são esses: a Suécia, paraíso do bem-estar social, com seu seguro-desemprego vitalício e chances reais de todos terem uma “boa” vida, tem alto percentual de ateísmo (64% da população assim se declara no gélido país escandinavo). Já a África sub-saariana, uma das regiões mais miseráveis do mundo, o percentual de ateus nem chega a 1%. De acordo com essa pesquisa (a ser divulgada em finais de agosto, integralmente) o que explica as diferenças imensas de percentual são as comodidades que o dinheiro introduz na vida das pessoas. Quanto maior segurança para lidar com os problemas terrenos, menos interesse por qualquer tipo de transcendência.

As conclusões desse estudo me fizeram voltar no tempo, revendo os passos dados até aqui.

8.14.2011

Trecho de um conto do Lovecraft


"Freqüentemente imagino se a maioria da humanidade algum dia parou para refletir sobre o significado ocasionalmente titânico dos sonhos e do obscuro mundo a que pertencem. Embora a maioria de nossas visões noturnas talvez não passe de pálidos e fantásticos reflexos de nossas experiências em estado de vigília - ao contrário do que diz Freud com seu pueril simbolismo -, resta ainda um certo resíduo cujo caráter etéreo e invulgar não permite nenhuma interpretação comum, e cujo efeito vagamente excitante e inquietador sugere possíveis vislumbres momentâneos de uma esfera da existência mental não menos importante que a existência física, embora separada desta por uma barreira quase intransponível. Por experiência própria, não posso senão concordar que o homem, quando liberto da consciência terrestre, está na verdade vivendo uma outra existência, incorpórea, de natureza muito diferente da que conhecemos, e da qual permanecem apenas lembranças das mais fugazes e indistintas, depois de acordarmos. Dessas lembranças confusas e fragmentárias podemos inferir muito, mas provar pouco. Podemos supor que nos sonhos, vida, matéria e vitalidade, tais como a terra conhece essas coisas, não são necessariamente constantes; e que o tempo e o espaço não existem tais como nossos eus despertos os concebem. Acredito, às vezes, que essa vida menos material é nossa vida mais verdadeira, e que nossa vã presença sobre o globo terrestre é o fenômeno secundário ou meramente virtual."

Primeiro parágrafo do conto "Além da barreira do sono", de H. P. Lovecraft, e que se enquadra naquele seleto grupo de leituras memoráveis, onde vemos nossa confusa visão sobre um determinado assunto assumir uma forma cristalina.

8.11.2011

II Anuário de Fanzines - Convocatória!


Começaram os trabalhos na UGRA PRESS para o II ANVÁRIO DE FANZINES. O primeiro, lançado em fevereiro de 2011, contou com mais de 120 publicações brasileiras e uma repercussão que excedeu, em todos os sentidos, as nossas expectativas (mantidas, desde o início, em uma segura baixa intensidade).

Foi uma grande descoberta ver a enorme diversidade de publicações que são feitas hoje em dia. A despeito de todas as facilidades de publicação existentes (e esse blog é um exemplo disso) ainda há aqueles que enxergam no impresso possibilidades expressivas únicas. Mais do que isso: essa discussão absurda de impresso versus digital, que já saturou a paciência de muita gente (a minha já há tempos) mostra-se uma bobagem para preencher editoriais e matérias-jabá para aquecer o mercado de vendas de e-books. Ok, isso soou incrivelmente conspiratório e poderia figurar em uma postagem no blog desse fita aqui. Porém, o fato é que nada disso - esses argumentos por vezes catastróficos alardeando o "fim do impresso", que nas escolas não existirão mais cadernos, que os livros serão trocados por e-books, etc etc etc - nada disso afeta a paixão de se produzir fanzines, de recortar papel e montar edições artesanais sobre temas que te interessam  e, depois, distribuir por aí.

A segunda edição do Anuário terá uma diferença essencial em relação ao seu irmão mais velho: cobrir a cena zineira não só do Brasil, mas de todos os outros países da América do Sul. Há muitos zines sendo feitos na Bolívia, no Equador, na Argentina e em vários outros pontos do continente, e a ambição é conhecer essa produção, divulgá-la por aqui e estabelecer laços com os hermanos que compartilham desse mesmo fetiche pelo impresso.

Achou interessante? Então vai lá no blog da UGRA, conheça os detalhes de como participar e nos ajude a espalhar a notícia: http://ugrapress.wordpress.com/ii-anuario/

6.14.2011

A grande ampulheta dos desencontros do Universo

E não há quem culpar a não ser o Tempo, essa divindade que tira suas forças do desencontro e da ruína de tudo. Sim, é o Tempo um deus muito severo, a tudo submete a provas, a batalhas demasiado duras e ferozes: essa é sua característica mais forte. Além disso, ele também faz com que os corações vibrem em dissonância, e se diverte com os desencontros que provoca. Não destrói nada com essas suas brincadeiras de mau gosto, mas adia a felicidade de muitos, faz promessas que não sabemos se serão cumpridas, deixa a muitos homens buscando aquelas delicadezas femininas que apenas uma mulher encarna -justamente aquela que lhe escapa, justamente aquela que, antes, tinha lhe acenado com tantas esperanças...

É uma ironia terrível a dos desencontros, e o Tempo adora provocá-las. Justamente quando um está decidido, o outro decide ir para longe, seguindo o canto de algum outro amante, que entrou na história sem ser convidado e, assim, age em sintonia com as perversas decisões temporais de não fazer dois corações se encontrarem. A decepção de um, agora experimentada pelo outro: a Lei da Compensação agindo com sua certeira e implacável justiça.

Mas há muitos que não se rendem aos caprichos desse deus tirânico que derruba de árvores a civilizações, há aqueles que preferem a loucura de não se importar se os desencontros, experimentados com tristeza, irão se repetir ou se serão definitivos. Dotados de uma inconseqüência quase fisiológica, espreitam na tranqüilidade de uma paixão ainda não realizada, aguardando o momento certo para dar livre vazão a um universo de palavras não ditas, de gestos represados, de sentimentos que só podem ganhar vida através do contato entre duas epidermes -enfim, esperam apenas um momento, apenas um instante onde o Tempo, cansado de promover tantos desencontros, possa enfim ser um deus menos injusto.

E até que isso ocorra será de música que viveremos, justamente porque música foi aquilo que fez com que essa inconseqüência me dominasse por completo...



5.17.2011

Rua Augusta, quase três anos depois


 "Let me take your little hand, let me make you understand /That the world is not as beautiful and free, like you believe" (A song for the Emperor, Ordo Rosarius Equilibrio)

É curioso observar o quanto a paisagem muda no Centro, como os pedaços de memória  presentes na geografia urbana se esvaem de acordo com as ondas da especulação imobiliária.

4.11.2011

A morte de Bunny Munro: uma tentativa de resenha


Nick Cave talvez dispense apresentações. Mas a regra da clareza me impõe uma introdução, aquela lambidinha básica que todos gostamos antes de... bem, isso  com certeza você sabe.

Então é isso: músico australiano que começou sua carreira nos anos 80 com o The Birthday Party, banda relativamente desconhecida quando colocada ao lado do monstruoso The Bad Seeds, o musical dream team que acompanha Cave desde o fim de sua primeira banda. Canções como “Red right hand", “The weeping song” ou “Straight to you” são verdadeiros hinos catárticos que provam que o universo da música pop é (ou era) capaz de oferecer algo mais do que hits de verão descartáveis. Morou em São Paulo por muitos anos e reza a lenda que freqüentou os puteiros da Rua Augusta em uma época onde aquele ponto da capital paulistana não tinha o aspecto hype dos dias atuais. Além de tudo isso, Mr Cave já escreveu o argumento do filme The Proposition (2007), assinando também a trilha sonora. Também compôs a trilha de “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford” (2007) junto com Warren Ellis, seu comparsa no Bad Seeds e no Grinderman, banda na qual Cave se dedica a músicas com uma veia mais rock e visceral.

Mais sobre o livro


A revisão do livro, enfim, terminou. Realizada pelo talentoso Jacob Crisis, colaborador da UGRA e parte do grupo de acid neofolk Sleepwalkers Maladies, percebi de forma categórica como é importante que uma outra pessoa leia o original e aponte os erros e imprecisões. Mais do que isso: algumas camadas de significado são inatingíveis para o autor, porém perceptíveis para um leitor atento que, de fora, se debruça sobre o texto.

4.06.2011

Você já deve ter pensado em matar alguém

Se a imaginação é capaz de desenhar as coisas mais atrozes, medonhas e sanguinárias, este nojo repleto de casualidades estúpidas que chamamos Realidade consegue ir muito além, nos apresentando certas coisas que, de tão absurdas, chegamos a duvidar que existam.

Mas não: a Realidade é e sempre será muito pior do que qualquer invenção humana. Por exemplo, a matéria que colocaram ontem no Estadão, Fashion Kids reúne ''socialitezinhas", é de um aspecto tão medonho e tão incrivelmente fora da realidade que duvidamos de sua existência. Comprar um apartamento de 2 milhões de reais, andar de Vectra, saia de R$ 500, viagens à Disney que se tornam polêmica porque -absurdo!- nem todas as crianças da escola foram até lá. Nem que eu tivesse tomando uma dose dupla de LSD teria uma viagem tão delirante.

Contudo não é invenção de algum jornalista: é a Realidade. Isso mesmo, as coisas que acontecem. As coisas que são de verdade.

Gostaria muito de saber o que essas meninas, filhas dessas, hum, nobres senhoras ricas, se tornarão no futuro. O futuro de gente que nasce e é criada em um ambiente de valores puramente materialista, sem nenhuma noção de transcendência, sem nenhuma chance de ir além do que pode ser contabilizado em valores monetários. E não há idealismos em mim para agredir apenas essas burguesas: tenho certeza que a doméstica que lava as calcinhas importadas dessas vadias ricas gostaria de ter os mesmos luxos da patroa; não apenas gostaria como se regozija ao vê-la tão bonita, tão bem cuidada e cheirosa saindo para as compras; deve olhar para os móveis com suspiros, imaginando-se dona de uma casa grande, arejada e com pé direito alto. A guerra de classes cedeu lugar a algo tão baixo que nem é possível chamar o sentimento dessa doméstica de inveja.

Talvez eu esteja sobrevalorizando demais essa manifestação do nosso atual estado de decadência, fruto da da vitória total de Malkuth. A revolta que pode nascer frente a matérias como a do Estadão é, também, uma forma de manifestação daquilo que o pensamento tradicional chamou de "reino da quantidade". Afinal, do que adiantaria exterminar da face da Terra aquelas mulheres e suas filhas quando, na verdade, o que motivou suas existência continua de pé? Nesse sentido, o ato sanguinário configura-se como mero cosmético. Todavia, relembro abaixo algo que escrevi há muito tempo, e que serviu de letra para o Life is a Lie, banda a qual me dediquei alguns anos.


Pensamentos de um assassino serial, comendo
É algo que simplesmente acontece. Tentaram me explicar, contabilizar, enquadrar-me em alguma lei da perversidade humana ou em alguma teoria psicanalítica inútil. Só o que sei é que, de tempos em tempos, surgem pessoas assim como eu, assassinos querendo rasgar o véu da realidade. É só o que sei. Isto é tudo que eu sei. 


Não chore, entenda não é pessoal. Meu espírito é livre , além do Bem e do Mal.
Eu mato frescos de dentes brilhantes e putas burguesas em vestidos elegantes.
Eu mato crianças gorda e saudáveis, sementes de novas elites sanguinárias.
Colunas sociais são o meu cardápio onde busco sedento meus novos pratos.

Para provar e sentir o seu podre sabor

Comentários
Era incontrolável. Tudo tornava-se confuso. Apenas sentia um furor angustiante que precisava ser canalizado pois de outra maneira (tenho certeza) eu enlouqueceria. Veja : nunca quis isso para mim. Apenas fazia sem me importar minimamente com as conseqüências de minhas ações. Tudo era simples, certeiro, matematicamente rápido como um giro de chave na fechadura - tratava-se disso, de abrir portas. Eu nada mais fazia do que abrir portas , mostrando que existem muitas coisas que não querem nos deixar tocar, nem ver, nem sentir. Meu pensamento obstinado não cessava. Conclui então que as pessoas estão insensíveis para tudo que me faz desgraçado. Isto era tudo. Acostumaram seus corpos fracos e mentes infantis a estupidez. Ora, eu não nasci e sofri nesta terra imunda por 23 anos apenas para depois ajoelhar-me frente a qualquer imagem de felicidade e sorrir como um retardado. Não. Isto é desprezível. E então , movido por um vigoroso desejo de vingança, levantei-me deixando de ser fiel a tudo menos a mim mesmo. Não há como moderar meu comportamento : vou nos lugares onde sei que vou encontrar a escória e simplesmente mato quem estiver na minha frente. Não tenho o que esconder de você. Faltam-me motivos para continuar suportando-os. Por que eu não deveria cravar uma faca neles ? Para mim, é como se estivessem mortos. E não se tira vida de cadáveres. Eu estava apenas os enviando para as sepulturas.

3.31.2011

Livro do Dissolve Coagula em andamento

Após algumas alterações nos planos, finalmente o meu primeiro livro será lançado via UGRA PRESS, uma iniciativa experimental da qual participo em conjunto com mais algumas pessoas. Não é a primeira vez que falo sobre isso aqui, mas agora as coisas caminham de fato para a concretização.

Os detalhes do projeto editorial serão apresentados aos poucos. Por enquanto, estou revisando (se não me falha a memória) pela sétima vez os manuscritos. A obsessão pelos detalhes tem se tornado um problema, no sentido de que perco horas de sono rebuscando os originais; e para que não me demore mais nisso, prometi a mim mesmo não mais revisá-los, deixando agora a tarefa para outra pessoa. A foto abaixo mostra uma página com os rabiscos realizados, indicando correções, mudanças, novas idéias, etc.

 
Os textos que farão parte desse livro são todos do Dissolve Coagula, em versões modificadas especialmente para essa edição, além de um conto inédito. Convidei um ilustrador para colaborar com o projeto gráfico do livro também. E seguindo a proposta da UGRA PRESS, será uma edição artesanal e limitada -porém com um nível de capricho e cuidado que irão muito além do amadorismo.

Obviamente que reescrever e revisar os contos tem sido uma experiência apaixonante; porém participar também da concepção do livro como um todo -os detalhes tipográficos, a encadernação, o papel utilizado, etc- está me proporcionando algumas boas horas de diversão. É cedo ainda para falar mais sobre todas essas coisas, conforme elas forem acontecendo vou escrevendo por aqui. O livro se chamará Tudo o que é grande se constrói sobre mágoa e a previsão de lançamento é para junho.

3.13.2011

Rotina

O retorno aos dias cinzas, previsíveis, tolos e inconscientes. A rotina é uma bênção para quem não quer mais se preocupar, a rotina é uma forma de liberdade, uma maneira de viver, ser feliz, mesmo que brincando de faz de conta, mesmo que aceitando bobagens que não dizem nada. A rotina é uma disciplina que cultivo cada vez com mais fervor. Fora dos limites da previsibilidade e do repetitivo há um universo de eventos, pessoas, cores, sons e sensações que não animam sequer uma miserável célula de meu ser. O incessante devir e seu maremoto de acontecimentos, os estímulos, os fatos a analisar, as opiniões a emitir: apenas a lembrança destas coisas me deixa cansado. O exílio voluntário na repetição, na ordem pura e repetitiva, na lentidão que é como um bálsamo para este universo de pura velocidade cada vez mais acelerado: eis a fórmula a qual consagro meus dias, é para esse reduto onde nada de novo acontece que coloco em marcha minhas forças vitais. Evito, em uma palavra, cair no pecado do desperdício -e isso pode ser compreendido de diversas formas. Falo especialmente das diversões mundanas que, por mais que não as queira, acabo delas usufruindo, porém sempre com a sensação de estranhamento; de que nada ali me diz respeito; que as expressões felizes que me rodeiam nada mais são que construções pouco sólidas, e podem ser resumidas como um encontro vulgar entre o efeito do álcool e os apetites do baixo ventre; e que estando ali, mesmo com esses pensamentos, nada me diferencia de todos ao meu redor: sou como eles, exatamente como eles, e o álcool também me deixa eufórico e também danço e me divirto como qualquer outra pessoa. Medianamente como qualquer outra pessoa. Todas as problematizações são lixo, a escritura é lixo, a extravagância é lixo, o cheiro de cigarro impregnando minhas roupas, os aromas etílicos, a roupa amarrotada, os raios de sol já deixando tudo claro, a vida começando novamente e eu ainda sem a possibilidade de dormir pelas próximas horas.