12.28.2013

Comentários sobre o livro "Os filhos místicos do Sol"



O livro "Os filhos místicos do Sol" foi lançado em 1971 em Paris, pela Editións Robert Laffont, e a edição brasileira chegou às livrarias em 1976 através da Difel Difusão Editorial, como um dos livros da coleção "Enigmas de todos os tempos". Eu não sei exatamente quantos livros compõem essa coleção, mas entre eles conheço outros três: "O livro da Tradição", "Hitler e as religiões da suástica" e "Hitler e a tradição cátara". Todos esses livros foram escritos pela dupla Michel e Jean Angebert, pseudônimos dos franceses Michel Bertrand e Jean-Victor Angelini, respectivamente. É bem fácil encontrar "Os filhos místicos do Sol" e "O livro da Tradição" no Estante Virtual; já os outros dois são mais raros, sendo que o último é praticamente impossível de ser encontrado e, com uma boa dose de sorte, não sairá por menos de R$ 200,00.

Ante de irmos ao livro, um parênteses para que você, (talvez) um futuro leitor de "Os filhos místicos do Sol", não se decepcione: a tradução é um lixo. E não, eu não li o original francês e cotejei os textos, assinalando as imperfeições com uma paciência algo filológica - você as percebe claramente pela falta de fluência com que o texto se desenrola em determinadas partes. Há trechos onde as orações simplesmente não se encaixam, e é necessário ler e reler para que o sentido então floresça. Nas 341 páginas da obra, curiosamente, essa deficiência (que presumo ser da tradução, posto que já tive a oportunidade de debater erros tradutológicos em outra obra, de outra editora, e essa falta de "fluência" se repetia de maneira muito similar) apareceu mais monstruosamente presente no epílogo. Seria um indício de que a "tradutora", cansada, ficou ainda mais displicente, produzindo um texto com menos cuidados, uma tradução quase literal, palavra a palavra, prenunciando em quase três décadas os equívocos do Google Translator? [uma outra hipótese: a dupla francesa realmente escreve mal. Mas não acho que é o caso. Franceses podem ser uns porcalhões, mas escrevem bem, com elegância, vide o efeito que a vivência parisiense produziu no estilo de autores tão díspares como Cioran e Cortázar].

Deixando de lado essas questões sobre a qualidade duvidosa da tradução, a tese do livro pode assim ser resumida: a influência decisiva (e por vezes terrível) que o Sol tem sob a vida dos seres humanos. Partindo de uma premissa, por assim dizer, astrológica, ou se preferirem o dito hermético "tanto em cima como embaixo" - isto é, que a movimentação e a posição dos astros no cosmos influencia indubitavelmente o destino dos homens em particular e da humanidade como um todo - os autores assinalam que nessa rede infindável de forças cósmicas, o Sol tem a primazia, sendo o centro de orientação das estrelas e planetas que compõe o Zodíaco. Premissa inegável, de fato, desde que você obviamente não entenda por astrologia essas vulgaridades baratas de "adivinhações" presente nos horóscopos diários de jornais e sites "esotéricos", que nada mais do que uma versão bastante deformada e "profana" da autêntica Astrologia, ciência antiquíssima (talvez a mais antiga a permanecer entre nós, mesmo que como um eco), e que a ânsia "objetiva" dos cientistas modernos relegaram a um patamar inferior de "crença", colocando a Astronomia como verdadeiramente "científica".

Na sua misteriosa alquimia, o Sol no plano astral condensa as forças inorgânicas imensas, as energias contidas no cosmos, e essa vitalidade prodigiosa, que parece constantemente renovada, participa verdadeiramente do poder divino e, por trás do Sol visível, deslumbrante luminária, permanece como um braseiro imenso, infinitamente mais vasto e mais terrível, o Sol invisível, o Sol negro dos magos e dos alquimistas, assim chamado devido ao seu terrível brilho, ao nossos olhos emanação do Logos Divino... Outrossim, não é dado aos humanos, pelo menos nessa vida, contemplar esse fogo espiritual, de tal forma brilhante que faria arder a nossa alma pela eternidade. Em compensação os textos sagrados da humanidade, tal como o Livro dos Mortos egípcio ou o Bardo Thödol tibetano, presumem essa luz que poderemos contemplar do outro lado do espelho, isto é, depois de nossa morte terrestre. É o Sol de Osíris dos sacerdotes de Mênfis, a "luz azul" do plano budístico, o "Sol dos mortos", o que, sozinho, guia as almas para o Espírito e transcende o mistério do Conhecimento Supremo. O segredo do logos, o conhecimento do Sol negro, caminho da vida e da morte, tal era a chave dos grandes mistérios conhecidos em outros tempos dos colégios de iniciação, dos pontífices atlantes, dos sacerdotes egípcios e dos grandes druidas antes da extinção da luz da Tradição soprada por um "vento de loucura" nascido em alguma parte da Judéia. (página 4)

Mas o livro não é simplesmente uma interpretação astrológica de eventos e personalidades históricas. A referência teórica é mesmo anterior à Astrologia, considerada não em si, mas tão somente como uma herdeira de uma sabedoria muitíssimo mais antiga, que extrapola os limites da história oficial, do que hoje é tomado como "verdade histórica"; uma sabedoria que permanece codificada nos ritos de mistério da Antigüidade, nos tratados alquímicos da Idade Média, nas construções templárias repletas de simbolismos, e que possuem, segundo os autores, todos eles um mesmo tronco comum, perdido na névoa dos templos - a mítica Atlântida.

O que acabou de ser dito - Atlântida - surge quase como uma anátema sobre mim para alguns. Lida com espanto, a palavra remete aos nefastos programas da History Channel (que contribuem, através do recurso do ridículo, em colocar véus ainda mais pesados sobre determinadas questões, com o estratégico objetivo de obnubilar o entendimento geral, mas isso já é matéria para outro texto). Remete a fantasias sem nexo e a uma retórica "New Age" que é apontada com cinismo, cinismo "irreverente" repetido bilhões de vezes em memes que são o resumo e objeto cultural mais do que representativo da bobagem pós-moderna. Sobre isso, sobre esses possíveis olhares de reprovação ao se invocar Atlântida nesse texto, nada mais a dizer do que o que segue:

(...) enquanto do ponto de vista da "ciência" se dá valor ao mito pelo que ele poderá fornecer de história, dá-se pelo contrário valor à própria história pelo que ela nos pode fornecer de mito, ou pelos mitos que se insinuam em suas malhas, como integração do "sentido" da própria história (Revolta contra o mundo moderno, edições Dom Quixote, 1989, página 16)

Ou seja: a suposta "cientificidade" do History Channel e outros programas/publicações do tipo está bastante distante do ponto de vista sustentado pelos autores, que se aproxima muito do ponto de vista evoliano. Eles buscarão, ao analisar a trajetória de oito personalidades históricas - Akhenaton, Zoroastro, Alexandre o Grande, Juliano o Apóstata, Frederico de Hohenstaufen, Napoleão, Hitler e Mao Tsé-Tung - a influência que o mito do Sol desempenhou na biografia de cada um desses homens, homens que em diferentes épocas e de diversos modos promoveram gigantescas mudanças na história humana.

O capítulo dedicado a Akhenaton foi para mim o mais interessante. Esse faraó misterioso, que revolucionou o Egito em 1.300 a.C. implantando a primeira religião monoteísta da história - o culto ao Sol, a Aton - enfrentou o poderoso clero do deus Amon, tornou ilegal o culto aos antigos deuses e proclamou a si e a sua esposa Nefertiti como divinos e únicos representantes do Sol na terra. A nova religião tinha como principal sacerdote, justamente, o faraó: cristalização perfeita do papel imperial e religioso em concordância, próxima à configuração tradicional que estabelece que os poderes espiritual e temporal devem ser um único poder. E o mais interessante: Aton, o Sol, não deveria ser personificado em uma estátua, bem ao gosto dos egípcios. A única representação permitida de Aton era o disco solar, feito em ouro, que posicionado no centro-alto do templo, recebia os primeiros raios do Sol, resplandecendo em um milagre de luminosidade - a adoração feita desse modo assemelha-se aos primórdios da religião romana, onde os deuses eram tidos como forças, como numen, presentes no universo e envolvendo a tudo e a todos os momentos da vida.

Outro capítulo que merece destaque é o último (na verdade, um epílogo) dedicado ao "Sol Vermelho" de Mao Tsé-Tung. Tendo em mente o leitor que o livro foi escrito em 1971 e, portanto, as informações sobre a China eram infinitamente escassas, a pesquisa realizada pelos autores por si só já merece aplausos; mas mais do que isso, trouxe para mim aspectos sobre a Revolução Cultural que eu desconhecia completamente, como por exemplo a Sociedade Hung, uma milenar sociedade secreta, espécie de Maçonaria chinesa, para fazermos uma comparação extremamente grosseira. Segundo os autores, os quadros do alto comando do Partido Comunista são todos membros da sociedade Hung. De fato, parece crível: a China pode ter hoje uma abertura muito maior ao mundo ocidental, e recentemente, em seu plano quinqüenal, acenou para uma liberalização ainda mais acentuada. Mas a hierarquia do Partido e o controle absoluto da sociedade chinesa permaneceram intactos, o que demonstra a existência de um "núcleo duro" e uma centralização total do poder. Há sempre uma aura de mistério, de algo não dito, sobre a China e suas intenções no cenário geopolítico mundial. Citamos um trecho do livro, que na verdade é citação de um outro, "L´agonie de la Vielle", feita pelos Angebert:

A situação... permite prever um terremoto capaz de engolir nossa Atlântida... Três catolicismos desmoronam: o catolicismo de Roma, o de Washington e o de Moscou - e sobre suas ruínas medra silenciosamente o joio do nacionalismo (...) Suprema irrisão: se um sentimento internacional nascer, encontrará amanhã impulso e fundamento na ameaça que representarão um bilhão de chineses nacionalistas, xenófobos e armados até os dentes. Ele será pois branco e racista. Nesse dia, sobre o imenso campo das ruínas da moral cristã (a moral socialista foi apenas uma tradução moderna da anterior), uma ordem nazificante estenderá a vasta envergadura de suas asas. Do Valhalla, Hitler poderá fazer esta reflexão: "Enganei-me somente da data. Fui muito apressado." Sim, o presidente Mao, "Sol vermelho, irradiante, glória do Universo e flor maravilhosa da criação", pensa na reação que arrisca a desatar, ou bem, está de tal forma confiante na inelutável decadência da sociedade ocidental? Sabe-se que alemães e japoneses pagaram muito caro essa tendência de subestimar o adversário... Passar-se-á o mesmo amanhã?

A dimensão apocalíptica do aviso nos parece ridícula. Vemos a China apenas pelos olhos da mídia como um país "comunista" que se rendeu ao capitalismo. Mas será apenas isso mesmo? O enorme apetite por commodities faz a China comprar minérios, grãos e combustível de todas as partes do mundo. No recente leilão do pré-sal, um dos consórcios é chinês - trocaremos a tecnologia deles com o petróleo pátrio. E toda essa energia levada ao solo chinês, que fins terá além da óbvia manutenção da enorme população chinesa? A sociedade Hung possivelmente ainda permanece com influência nas decisões estratégicas do país, e talvez ainda alimente o sonho de dominação do "Sol vermelho" de Mao Tsé-Tung. É necessário, portanto, ver além dos véus e entender os sinais que indicam sentidos além dos óbvios.

Enfim, "Os filhos místicos do Sol" apresenta uma releitura de biografias históricas sob uma perspectiva nada oficial. Para os que apreciam temas esotéricos e interessam-se pela Tradição, é uma leitura complementar que possibilita ver o jogo de forças aeônicas atuando na História e exercício interessante para descobrir, nas entrelinhas, as formas tradicionais de vida em choque com suas antíteses.