10.30.2013

Germinal


essa notícia e, na hora, lembrei-me desse trecho do Germinal:

"Era a visão vermelha que arrastaria a todos, fatalmente, numa dessas noites sangrentas desse fim de século. Sim, uma noite, o povo em torrentes, desenfreado, correria assim pelos caminhos, gotejando o sangue burguês, exibindo cabeças, semeando o ouro dos cofres arrombados. As mulheres gritariam, os homens abririam suas queixadas de lobos, prontos para morderem. Sim, seriam os mesmos farrapos, o mesmo matraquear de tamancos grosseiros, a mesma turba assustadora, suja, de hálito fétido, varrendo o mundo caduco com a sua irresistível avalancha de bárbaros. Arderiam incêndios, nas cidades não ficaria pedra sobre pedra, regredir-se-ia à vida selvagem das florestas após o grande cio, o grande rega-bofe, e, que os pobres, numa só noite, extenuariam as mulheres e esvaziariam as adegas dos ricos. Não sobraria nada, as fortunas e os títulos das situações adquiridas desapareceriam, até o dia em que talvez desabrochasse uma nova sociedade. Sim, eram essas coisas que estavam passando pela estrada, como uma força da natureza, e vinha delas o vento terrível que lhes açoitava os rostos."

Zola, esperançoso, é também cauteloso: diz que "talvez" desabrocharia uma nova sociedade. No incêndio que assola a Zona Norte de São Paulo, parece-me que dos destroços pouca coisa sobrará, que a ânsia de destruição minará todas as possibilidades de renascimento. 

O niilismo em sua mais crua cristalização.  O vento terrível da revolta popular. Os sintomas claros - e cada vez mais evidentes - do fim de um ciclo. Sigo como um observador curioso, procurando ler nas entrelinhas dos noticiários as mensagens ocultas e tentando compor um cenário mais abrangente de tudo.  

10.11.2013

Algumas razões de não escrever mais aqui


Foi com algum tipo de surpresa que ontem, ao visitar o blog, constatei que em 2013 realizei simplórias seis postagens. Algumas poucas pessoas que acompanham as postagens aqui devem ter considerado a ausência como a morte do blog. Entretanto, eu nunca o considerei morto, talvez por uma espécie de mórbida afeição por coisas moribundas. Mas para prestar uma espécie de satisfação a todas as almas que aqui vinham, deixo algumas palavras de esclarecimento.

Se, nos anos anteriores, eu já tinha meu cotidiano marcado por um ritmo de trabalho frenético, 2013 tratou de acelerar ainda mais esse aspecto de minha vida. Nunca trabalhei tanto como nesse ano. Somado a isso, iniciei uma pós-graduação que consumia o já escasso tempo livre, como forma de aprimorar minhas qualificações profissionais. Em resumo: não contente com a quantidade de trabalho que eu tinha, tratei de aumentar o ritmo e criar condições para que novas responsabilidades sejam adquiridas no futuro. 

A esses dois fatores juntamos a preguiça. Na verdade, não é preguiça, mas um esgotamento físico e mental que me assola quando cruzo a porta de casa. É o preço a ser pago para tornar-se "eficiente". Busco conforto, então, em um prato de comida, na música (ouço agora os acordes de Dylan Carlson, esse oásis de calmaria em dias tão sempre repletos de caos), na leitura ou simplesmente na técnica que mais gosto: deitar no sofá, acender um cigarro e como que submergir nele, deixando que as almofadas me abracem, até que uma sonolência me capture - e então levanto, vou para o quarto e durmo, para começar no dia seguinte tudo de novo.

A pedra rola até o topo, cai, e você vai lá empurrando de novo para cima.

Gosto de imaginar que a vida é assim como todo mundo: envelhecemos e nos tornamos todos iguais. É extremamente confortável imaginar que se trata de um fatalismo, que mais cedo ou mais tarde até o mais irascível fã do Crass vai cogitar em fazer um seguro de vida. Mas isso é só uma crença, e como todas as crenças é duvidosa, em geral existe apenas como um frágil argumento para tornar a vida mais tolerável. Toda crença tem um pouco desse poder de permitir ao crente uma estratégia de fuga quando a situação se torna crítica. A minha é ver a minha vida se tornar medíocre e considerar que a de todo mundo é igual. 

O caminho para a mediocridade tem muita relação com a passagem do tempo e o acúmulo de compromissos que isso traz. Com vinte anos, eu tinha um conjunto de preocupações mais ou menos reduzido, mas certamente sem comparação com os que tenho hoje. Compromissos que envolvem dinheiro principalmente: esses são os mais nocivos. É através dessas dívidas que se multiplicam no tempo que somos arrastados para a vala comum dos vencidos. O dândi se transforma no proletário quando os juros do cheque especial batem à porta. A mediocridade é a transformação das relações humanas em um tipo onde o peso da matéria se acentua e passa de coadjuvante a protagonista - quanto mais envolvida nos véus da influência materialista, mais medíocre uma vida se torna. E isso não significa que apenas existências plenas de recursos materiais sejam medíocres. Não estou fazendo uma elogio do voto de pobreza, tão ao gosto desses tempos contaminados por uma moral de escravo. A vida medíocre se instala assim que preocupações materiais se tornem as principais, ocupando a maior parte do tempo/energia que temos.

Então, sempre quando chego em casa, olho com desdém um bar que fica em uma esquina próxima. Sempre vejo lá, sentado na mesma mesa, um homem gordo, que fuma e bebe às vezes sozinho, às vezes acompanhado. Tento imaginar que tipo de vida ele tem e só consigo vê-lo suado, rindo aquela sua gargalhada imbecil, rodeado de outros igualmente imbecis. Gosto de me imaginar uma pessoa incrivelmente mais interessante do que aquele gordo - afinal eu chego em casa e leio, enquanto ele fica lá se matando e engordando como um porco; eu escuto música decente, enquanto aquele infeliz tem uma experiência musical baseada em ritmos de FM e sons de botequim; mas principalmente eu chego em casa tarde, pois estava trabalhando, enquanto que ele fica todo dia em um bar jogando conversa fora. Em uma palavra: sinto-me superior àquele homem gordo mas, no momento seguinte, penso que tudo isso é simplesmente inveja, recalque, que na verdade tenho muito em comum com aquele homem que não conheço e já odeio, e então calo meus pensamento, subo pelo elevador, entro em casa, deito no sofá e morro.

Para começar no dia seguinte tudo de novo.

Entre uns momentos de descanso e outro, tenho rabiscado textos sem fim em um caderno. Eles fazem parte de um fanzine, que compilará uma série de pequenas histórias, cujo tema é o encontro amoroso. Eu já publiquei aqui no blog algumas dessas histórias, mas acho que quando se trata de amor, a tela do notebook é demasiado pobre. Amor é algo que se faz na base do tato, do encontro entre duas (ou mais) epidermes, é algo que é inseparável do contato. Por isso a insistência de levar para o impresso essas pequenas histórias, que estão sendo rabuscadas, geralmente, aos finais de semana. Dar qualquer prazo de quando isso estará pronto seria uma mentira a mais entre tantas que já contei, então digo apenas que, algum dia, se os deuses assim quiserem, essa publicação ficará pronta.

Isso tudo para dizer que cada vez menos frequentarei o Dissolve Coagula. Pelo menos até o final do ano. Não sei se é pelo fato de eu ter feito da Internet o meu ganha-pão, mas no tempo livre que sobra por vezes tenho um ciclópico cansaço de fazer qualquer coisa relacionada com a rede. Nos meses mais recentes, eu até cheguei a gastar um tempo considerável com redes sociais, me metendo inclusive em uma série de discussões. Mas foi tamanha a energia empreendida nessas "interações" que até isso me cansou e, além disso, sou péssimo em argumentar e defender meu ponto de vista, ainda mais em um ambiente onde, claramente, ninguém quer discutir nada, mas tão somente fincar pé em uma posição de modo bastante irrefletido e dogmático, ou então fazer piada com tudo e todos - e esse clima "irreverente" me cansou a um ponto que bloqueei tantas pessoas que preferi abandonar o uso do meu perfil, por não fazer mais sentido. No final das contas, a lição aprendida é que discussão na Internet é igual a Para-Olimpíadas: mesmo que a vitória seja sua, no final você sempre será um retardado. 

Escrever esse post enquanto os acordes do senhor Carlson ecoam pela sala foi uma exceção prazerosa, mas para esse sabor permaneça é necessário saber dosá-lo adequadamente. Quem sabe no final do ano escrevo de novo aqui. Agora, volto para o cotidiano estupidificante que me faz pensar o que estou fazendo de errado e se algum dia vou acordar com a sensação de que é tarde demais para mudar.