1.22.2010

Mutarelli volta a desenhar no Estadão

Imagem retirada de "Transubstanciação"

Amanhã, sexta-feira dia 22 de janeiro de 2010, é data onde as preces de muitos fãs de Lourenço Mutarelli serão atendidas: estreiará amanhã, no Caderno 2 do Estado de São Paulo, a série Ensaio Sobre a Bobeira, "uma experiência gráfica cheia de nonsense e estranhamento, um tipo de comentário visual sobre a natureza humana".

Desde 2005 Mutarelli não lançava nenhum trabalho gráfico e a expectativa em torno da volta aos traços é grande. Eu também compartilho da expectativa, mas com uma leve prudência. Apesar dos últimos romances mutarellescos (e em especial "A arte de produzir efeito sem causa") não deverem nada aos quadrinhos no que concerne ao conteúdo, sem concessões e facilidades para o leitor, um retorno aos desenhos comporta riscos. Na entrevista concedida ao Estadão, Mutarelli enfatiza que os desenhos serão mais experimentais e com "muito acrílico": saber disso é importante, principalmente para as velhas viúvas dos anos 90, que conheceram o velho Muta nas páginas do Transubstanciação.

Abaixo segue a entrevista que está hoje no Estadão. Se você quiser ler o original, é só clicar.

Há quanto tempo você não fazia quadrinhos?
Faz tempo, não me lembro ao certo. Vamos ver... Tá aqui... 2005. Foi o último que desenhei, Caixa de Areia, saiu pela Devir Editora. Eu tentei parar de desenhar para reformatar o cérebro, para ver se mudava alguma coisa.

Mas nessa época você já escrevia prosa, não?
Tava escrevendo, já tinha publicado algumas coisas. Aí eu quis tentar parar de desenhar. Parei um ano e alguma coisa, nenhum rabisco, nada. Aí comecei a fazer os gráficos para o livro A Arte de Produzir Um Efeito Sem Causa. Acho que não estava mais aguentando ficar sem desenhar e comecei a criar uns gráficos. Em 2007, fiz uma viagem e comecei a usar uns cadernos de esboços Moleskine.

Quantos cadernos você já desenhou?
Tenho uns 22 cadernos. São estudos, começou com uma mistura de texto e imagem e agora passou à coisa somente visual. Tem uns estudos da nova história que estou começando, e umas coisas que estou fazendo para o Estado. Batizei de Ensaio Sobre a Bobeira, e a série chama Moças com Bifes Sobre o Rosto. São coisas assim, pin-ups, coisas nonsense. Tenho usado muito acrílico agora. E é meio nessa linha o que estou fazendo para o Estado, coisas mais experimentais.

Você consegue definir precisamente, nesses cadernos, onde há um trabalho que não tem intenção de ser prosa e outro que é só gráfico?
Aqui eu consigo uma coisa que é um meio-termo. Às vezes faço um desenho e, a partir do desenho, crio algum diálogo, algum texto, que é um processo inverso de você fazer um roteiro de quadrinhos. Você cria uma imagem e vê o que essa imagem quer dizer, complementa ela com alguma frase. A minha ideia com esses cadernos é uma experimentação total, tentar chegar a alguma coisa antes de filtrar, tanto técnica - usando material que limite um pouco o meu domínio técnico - quanto na parte criativa. E faço e viro a página e vou indo, e depois de um tempo vou olhar o que eu gerei.

O esboço tem alguma vantagem sobre a produção em série, para um álbum em quadrinhos, por exemplo?
Eu acho que é um exercício. O problema é que acabo gostando. No estágio em que estou, que é o estágio natural de qualquer pessoa que trabalha muito com desenho durante muito tempo, é você querer voltar ao espontâneo, à liberdade. E quando é um estudo, consigo chegar a isso bem, mas se eu diagramar uma página para tentar fazer essa coisa espontânea, ela não vem. Só de diagramar, só de saber que tem um propósito, isso já começa a endurecer o traço e bloquear essa liberdade criativa. Por isso que fazendo assim. A ideia do Ensaio Sobre a Bobeira justifica o que vier, sem muita elaboração, e tendo esse prazer de... nem sei o que quer dizer, não é pensado, não tem uma mensagem.

Você faz alguma leitura psicanalítica daquilo?
Com o tempo eu acho que algumas coisas se encaixam. Quando faço, acho que é tudo fábula, tudo ficcional, mas às vezes passam meses, um ano, e cai a ficha de alguma coisa interna.

Você foi dos quadrinhos para o cinema e para o teatro. Quando você viu O Natimorto materializado no teatro, ficou satisfeito?
O Natimorto foi um dos meus trabalhos muito febris, tinha uma ideia conceitual e fui em frente. Eu tinha um estudo sobre o tarô, que era para casar com as imagens, mas a estrutura da história foi se formando. A coisa de ver isso adaptado para o teatro, o grande prazer disso é que você tem um retorno imediato do que você fez. Mario Bortolotto (diretor da montagem) foi muito fiel ao original, não deixava os atores colocarem nem um caco, mudarem nem uma vírgula. O que estava escrito era o que era dito. Eu vi muitas vezes a peça e estar ali, misturado com a plateia, tinha uma resposta imediata a alguns diálogos, algumas brincadeiras. Esse retorno é muito interessante de se sentir.

A sua experiência como ator no cinema, em O Natimorto, parece que você não gostou muito...
Eu gostei muito de participar do projeto, de acompanhar o processo de filmagem, ver o filme pronto. Mas minha mulher tinha falado: na hora que o filme sair, você não vai estar pronto para isso. E a hora que o filme passa, de fato, você fica muito exposto, você ouve muita coisa. Não foi agradável estar ali perto quando o filme foi passado... Adoro o trabalho do Paulo Machline, que adaptou para o cinema, e que é completamente diferente do trabalho do Mario Bortolotto, são visões muito distintas de um mesmo texto, mas é muito difícil você se ver sem o olhar crítico.

O quadrinho é uma atividade muito solitária. E você fez isso durante décadas...
Durante décadas. Algumas pessoas dizem isso, e parece brincadeira, mas ou você faz quadrinhos ou você vive. Quando eu fiz O Cheiro do Ralo, e ele acabou sendo adaptado, passei a viver e a escrever de forma compulsiva. Eu tinha poucas horas e passei a viver muito. Só fazer besteira, mas esse é o lado bom. E agora voltando aos quadrinhos, voltando a desenhar. Tem de ter uma disciplina, tem de baixar a cabeça e desenhar, não tem jeito.

É muita pesquisa, não? Mas a literatura também envolve bastante pesquisa, não?
É diferente. Se bem que a literatura, seus jogos de palavras, suas associações de ideias vão se limitando, você precisa se reciclar, pesquisar alguma coisa que é diferente para me contaminar daquele universo.

Por que você resolveu desenhar justamente para o meio jornal?
Vou te responder sinceramente: quando comecei a desenhar, eu tentei publicar em jornal e não consegui. Não conseguia desenvolver, meu trabalho tem uma estranheza que não cabia muito. Desisti e nunca mais quis, nunca mais tive vontade. Mas o convite do Estado pesou muito, é um jornal que eu respeito e admiro. Hoje em dia eu tenho uma liberdade, construí um nome que me permite isso. E o fato de ter essa liberdade num lugar que eu respeito, e a possibilidade de trazer gente nova. O que me incomoda às vezes nas tiras, e hoje até que está mudando isso, é que havia um monopólio de alguns, e não se abre espaço para o pessoal novo. E acho que tem de haver um lugar onde os novos possam mostrar seu trabalho. Tem de vir a molecada, esse pessoal tem de vir. Quando comecei, era difícil e havia um monte de revistas em bancas. Hoje em dia não tem revista em banca, e se não houver espaço não tem como desenvolver.

E como você definiria sua tira 'Ensaio Sobre a Bobeira'?
Tem um personagem, que é o Bob, uma brincadeira com o bobo. São figuras de máscaras, e ele geralmente responde a perguntas estranhas que me ocorrem. É uma piada que está sendo contada para mim naquele momento que estou fazendo. Quando ando pela rua e me ocorre alguma eu anoto. E tem esse ensaio, uma homenagem ao Zéfiro, essas mulheres com bifes sobre o rosto, que é só para eu ser perseguido pelas feministas (risos).

1.21.2010

A moda errada

Esse post foi feito com o intuito de ganhar uma camiseta do Einsturze Neubauten no site da Wrong T-shirts, nova empreitada do cúmplice de velha data em variados tipos de crimes e roubadas, mister Douglas Utescher.

Recomendo que você, amante de música extrema em suas mais diferentes vertentes, dê uma olhada nas camisetas que o rapaz distribui. Tem de Bauhaus a Beherith, passando por Crude SS e uma enigmática estampa chamada "Der Todesking".

1.13.2010

Paris sob água

2010 começou com chuvas torrenciais em São Paulo, deixando a cidade submersa em dezenas de lugares - tal como a Paris de 1910.

Isso mesmo, Paris. As enchentes que devastaram a Cidade Luz inspiraram uma exposição. As fotos deste post são de lá.

As enchentes paulistanas de hoje serão as obras de arte de amanhã? Duvido muito que o mundo dure mais cem anos, e eu pensei em aplicar o ditado "quem viver verá" mas acredito que neste caso não cabe. A vida em geral está muito a curto prazo, nestes tempos de Kali-yuga.



1.08.2010

Arquitetura, patrimônio histórico e preservação das cidades

Casa das Flores, na Paulista, sufocada por prédios

Este post é a tradução de uma matéria publicada em 04/01/2010 no jornal portenho Página 12 que aborda com excelente propriedade a questão da preservação da arquitetura das cidades.

Vai além de uma argumentação puramente histórica, bem alinhada com José Luiz Romero em La Ciudad Occidental, e mostra as vantagens econômicas advindas da preservação do patrimônio arquitetônico. E não esquece de elencar as vantagens espirituais desta preservação, que oferece aos indivíduos uma sensação estética que nós, pobres paulistanos, sentimos apenas como um reflexo apagado, um reflexo desgraçadamente apagado por décadas de maus tratos, descaso e ausência de planejamento dedicados aos espaço urbano. O centro velho de São Paulo, que poderia ser um lugar cheio de beleza e história, que o diga.

É possível que o espaço urbano paulistano seja alvo de uma revitalização? Ou os pouquíssimos exemplos de prédios e construções antigas serão todos arremessados ao solo, esmagados e triturados para a construção de novas e monótonas caixas de doze andares? A segunda opção, infelizmente, parece ser o destino desta cidade. O empobrecimento estético do espaço urbano, a mercantilização de cada centímetro de concreto sob uma perspectiva imediatista de lucro fácil e o descaso do poder público se juntam e o resultado é o que está aí para quem quiser ver.

Agora, a tradução. Agradecimentos mais do que sinceros para minha namorada que fez a revisão.


Patrimônio e geração de valor

O valor do patrimônio arquitetônico geralmente se associa com a sua dimensão simbólica. Nós o descrevemos como um pedaço da história congelada no tempo, que representa as tendências estéticas do tempo em que ele foi feito, as técnicas de construção, materiais, design e outros elementos que fazem a obra em si. Também como um reflexo da vida cotidiana, relações sociais e costumes e histórias dos nossos antepassados. Sua preservação é a salvaguarda de um recurso cultural e educativo essencial.

Mas o patrimônio construído também tem um valor econômico, muitas vezes ofuscado pela possibilidade do proprietário obter lucros com sua demolição imediata. Isso impede reconhecer a verdadeira fonte de recursos que a arquitetura pode oferecer aos seus proprietários e à comunidade como um todo. Um estudo realizado por Andrés Bello e a Corporação do Centro Histórico de Cartagena das Índias sobre o impacto econômico do patrimônio construído identificou as diferentes formas em que este recurso se torna um instrumento gerador de valor.

Em primeiro lugar , os autores reconhecem o valor de uso direto de consumo, que se refere à geração de uma construção histórica de seus proprietários ou usuários diretos. Por exemplo, no caso do turismo por seu uso residencial não permanente (aluguel temporário ou hotel "boutique") ou como escritórios, lojas ou mesmo casas, gerando uma receita superior a outras propriedades que não tem capital ou não estão localizados em zonas históricas.

Outra variante é o valor de uso direto de não consumo, relacionado com o valor gerado com a visita de um imóvel patrimonial. No caso do turismo, ele é dado pelo seu uso como uma atração para os turistas locais e estrangeiros, e os produtos e serviços prestados, tais como visitas guiadas, venda de guias, fotos e vídeos, etc. Isto também se aplica aos imóveis destinados ao comércio – restaurantes, lojas, livrarias –, cujo valor patrimonial é uma atração extra para os clientes.

Imóveis patrimoniais também geram valor de uso indireto, que devem ser tidos em conta quando se pensa na compensação aos proprietários de edifícios protegidos ou na implementação de mecanismos que criam sustentabilidade econômica: é o que ocorre quando a proximidade de um edifício histórico ou patrimonial gera um valor extra para os bens ou serviços que estão próximos. Isto se expressa por um custo mais alto da hotelaria, gastronomia, locação temporária de imóveis, escritórios ou outros bens ou serviços perto de zonas históricas ou imóveis patrimoniais de destaque.

Finalmente, o documento reconhece o valor de existência, e esta é a capacidade de capturar os benefícios gerados por uma construção ou área da propriedade pelo simples fato dela existir, para além do qual não necessariamente ser usada diretamente ou indiretamente. Por exemplo, quando empresas multinacionais analizam a qualidade de vida na cidade onde instalarão suas sedes, consideram a beleza e qualidade arquitetônica do destino. O mesmo se aplica aos novos edifícios que são construídos, muitas vezes fazendo referência aos imóveis patrimoniais ou às zonas históricas que se encontram em suas imediações. Esta variável também tem um grande impacto para o setor do turismo de feiras, simpósios e conferências, já que os organizadores procuram um apelo especial no momento de escolha do local de realização de um evento.
O patrimônio arquitetônico também gera valores não econômicos, mas que tem uma enome importância indireta, especialmente no caso do turismo. Nós nos referimos a valores estéticos (a satisfação com a presença de objetos bonitos, considerada essencial para a geração de turismo cultural e turismo de alto nível, como ocorre com o Teatro Colón), espirituais ( devido à sua ligação com a religião ou a memória de antepassados , sendo especialmente associados ao turismo religioso ou de busca de raízes da família, tais como igrejas ou arquitetura feita por imigrantes) e históricos e sociais (por sua relação com eventos passados de grande importância, como a Praça de Maio e o túmulo de Evita).

É claro, portanto, que a preservação do patrimônio arquitetônico tem um elevado impacto social para além do proprietário, e sua destruição é simplesmente uma descapitalização que ameaça não apenas a história, mas também a economia.

1.07.2010

Computador vitoriano

Juro que ainda terei o meu mesmo que eu tenha que matar, estuprar e incendiar casas.

Certamente uma digna produção archeo-futurista (recuso-me veementemente a utilizar o rótulo "steampunk", esta degeneração para nerds fãs de RPG).

O guia para a produção desta maravilha está aqui.