9.04.2016

Introdução à Filosofia do Caminho da Mão Esquerda



Encontrei o texto desse post no Sabedoria Subersiva, excelente blog dedicado ao Caminho da Mão Esquerda em suas mais diferentes manifestações. A autora é a polonesa Asenath Manson, fundadora do Temple of Ascendig Flame, quem tem como objetivo ser "a gate to the Draconian Current, arising from inspiration received from Lucifer and Draconian Gods, and in response to inquiries and expectations of those who wished to walk the Path of the Dragon".  O texto, intitulado "Introdução à Filosofia do Caminho da Mão Esquerda", é um resumo conciso do significado da Via Sinistra, demonstrando o que a diferencia do Caminho da Mão Direita. Além desse aspecto educacional, é também um texto inspirador que pode inflamar os corações dos adeptos a trilharem essa Senda.


Introdução à Filosofia do Caminho da Mão Esquerda

O Caminho da Mão Esquerda é muitas vezes definido como “o caminho interno”, a jornada espiritual de introversão para encontrar o poder e o conhecimento no interior humano. É também uma viagem para a escuridão, o desejo de contato com as forças das trevas que, de acordo com as tradições do Caminho da Mão Esquerda, estão intimamente ligadas com os antigos cultos à natureza, e também conhecidas como correntes lunares.

Mas o que é a “auto-deificação”? É a maior conquista do Caminho da Mão Esquerda.

O desejo de contato com as forças criativas e primordiais do universo foi preservado durante séculos por algumas religiões e tradições mágickas. Nas tradições ocultistas ocidentais, o Caminho da Mão Esquerda é conhecido como satanismo, mas na verdade seu alcance é muito mais amplo. O Caminho da Mão Esquerda, ou a Via Sinistra, é um fluxo que estende as suas raízes em antigos cultos dos deuses das trevas e da natureza, como Dionísio. Acima de tudo, refere-se a cultos femininos, como Hécate, a divindade de noite, da lua e da magia.

O termo Caminho da Mão Esquerda não existe só no ocultismo ocidental, mas também no tantrismo hindu, onde o vama-chara ou Vama Marg (“Caminho da Mão Esquerda”), que é um caminho direto para a divindade muito mais poderoso do que dakashina-chara (“Caminho da mão Direita”). Julius Evola escreve sobre isso em seu livro “The Yoga of Power”:

“Há uma diferença significativa entre os dois caminhos tântricos dos graus superiores, entre o da Mão Direita e da Mão Esquerda (onde ambos estão sob a égide de Shiva - shaivachara), indicada pelo fato de que enquanto na suprema realização, siddhi, própria do primeiro caso, o adepto sempre experimenta “algo acima dele”, na siddhi do caminho da Mão Esquerda ele “torna-se o próprio soberano” (chakravarti, que significa “o que governa o mundo”)”.

A filosofia do Caminho da Mão Esquerda existe em outras tradições. Na Cabala, é o caminho das Qliphoth – que está ligada com os princípios da Árvore da Morte, a meia noite da Árvore da Vida. Na tradição nórdica é o Seid , a arte mágicka de transe para a libertação da alma. Também nos elementos da tradição do vodu o Caminho da Mão Esquerda tem sobrevivido, especialmente nos ritos Petro ou seitas também chamadas de vermelho (thomazos cabrit), baseado em um sistema semelhante ao qliphótico. É semelhante o caso do hinduísmo, onde tais grupos são conhecidos como Aghori. Todas estas tradições contém um processo de iniciação que leva à imortalidade e à divindade através da reafirmação das energias primordiais relacionados com a ideia de escuridão, as correntes lunares femininas e a recriação consciente em harmonia com o universo. Ao mesmo tempo, é o desenvolvimento de uma consciência única e poderosa que existe acima e além da consciência de todos os seres vivos.

O processo de iniciação no Caminho da Mão Esquerda e da Direita.
O caminho da iniciação assumido pelo Caminho da Mão Direita é chamado de Via Sacra. Seu objetivo é a aniquilação dos aspectos do homem (microcosmo) e do Universo (macrocosmo) que são considerados “sombrios”, ruins e indesejáveis, e que separam o homem de Deus. O Caminho da Mão Esquerda, Via sinistra, não evita esses problemas: ao contrário, incentiva a enfrentá-los e a usar o seu poder para a recriação do seu próprio universo. O Caminho da Mão Direita é o caminho da “fuga” para a luz, para longe da escuridão. É um caminho que se concentra apenas em um aspecto: a negação do fato de que a luz não pode existir sem a escuridão. O caos primordial, a partir do qual o universo surgiu, era um amálgama de todos os opostos,: de luz e escuridão, fogo e água, terra, ar e outros elementos que foram determinados e divididos pelo “ato da criação” para se tornar realidade que temos à nossa volta. Isto ocorre por meio da polarização dos opostos e está baseado na dualidade cósmica, que precisa reunir todos esses elementos para refazer a divindade. Para o Caminho da Mão Direita isso não é possível, uma vez que visa aniquilar o indesejado macro / microcosmo ao invés de buscar um equilíbrio entre estes aspectos. É diferente no caso do Caminho da Mão Esquerda, caminho iniciático com base na fórmula de alquimia “solve et coagula” (“dissolver e preservar”) e o confronto inclusive com aqueles aspectos que são reconhecidos como “negativos” pelo Caminho da Mão Direita. Em termos cabalísticos, os seguidores do Caminho da Mão Direita escolhem caminhar em uma “escala” para os mais altos níveis da Árvore da Vida (em cujo cimo está Kether). O mago do Caminho da Mão Esquerda escolhe o caminho das qliphoth da Árvore da Noite. Enquanto os adeptos do Caminho da Mão Direita trabalham só com um lado simbólico da Árvore da Vida, os praticantes do Caminho da Mão Esquerda trabalham com ambos.

Quando o mago do Caminho da Mão Esquerda atinge o nível de Kether, ele também alcança Thaumiel, a qliphoth gêmea representando os altos níveis de desenvolvimento alquímico (divindade), ao mesmo tempo. O Caminho da Mão Esquerda é o caminho do equilíbrio entre forças opostas de existência, do claro e escuro, extáticos e dinâmicos, forças destrutivas e criativas, entendidas como complementares e não podendo existir sem a outra. O equilíbrio entre elas é fonte de sabedoria e poder. A luz representa nascimento e criação, enquanto a escuridão representa morte, destruição e retorno à matriz da criação. Juntas, essas forças são a fonte de todas as formas de vida e de todo o tipo de energia que precisa de duas forças opostas para existir. A negação de uma é a negação da própria vida:

“O mago pretende tornar-se o centro da criação e destruição, uma manifestação viva das forças do caos no reino da dualidade, um microcosmo completo, um deus.”
É por isso que um dos principais símbolos do Caminho da Mão Esquerda é o Dragão ou Serpente, que representa a unidade de todos os opostos como Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda. E contem os elementos tanto do sexo feminino e masculino, ativos e passivos, criando e dando vida e devorando a si mesmo. Ouroboros representa o famoso princípio hermético “Assim como acima, assim está abaixo”. Esta regra refere-se à relação entre o homem e o mundo que nos rodeia. À medida que o mundo contém muitos princípios diferentes, o homem não é uma unidade. Peter J. Carroll escreveu que o ego do homem não é homogêneo, mas uma parte composta de inúmeras partes da consciência de outros seres. A psique não tem um centro; não algo único, mas sim uma mistura de variados elementos. Alguns deles tendem a ficar juntos, criando um senso de ego. Muitas outras tradições mágicas vêem o homem de uma forma similar. A síntese das partes, a criação de um ser humano, a principal conquista do processo alquímico conhecido como Opus Magnum.

Antinomianismo
Antinomianismo é uma atitude de oposição às normas e valores comumente aceitos e é um importante elemento do Caminho da Mão Esquerda.

Antinomianismo é a única maneira de rejeitar os valores da massa que cresceu no mundo em que vivemos. O Caminho da Mão Esquerda refere-se ao antinomianismo do caminho espiritual, é a oposição a/os deus/deuses dominantes dos sistemas religiosos e a busca da divindade individual. Para magos do Caminho da Mão Esquerda, os deuses são principalmente seres arquetípicos, relacionados com diferentes aspectos do universo e da consciência humana. Um praticante pode sair do paradigma aceito que reconhece essas forças como superiores. É essencial sair do quadro estreito estabelecido pelas religiões de massa que são o obstáculo para o progresso espiritual individual. A aceitação passiva da ordem imposta leva à estagnação. O Caminho da Mão Direita busca a integração com este fim, e é caracterizada pela extroversão (exposição ao mundo exterior). No entendimento religioso e místico, significa união com o Deus transcendente que está acima de todos os seguidores. Neste caso, a pessoa tem que ter como aspiração individual se tornar um escravo completo de forças superiores. É completamente diferente para o Caminho da Mão Esquerda, uma vez que é caracterizada por uma profunda introversão (uma viagem iniciática pela psique em busca da divindade).

A auto-deificação.
Uma das questões mais duvidosas ainda deve ser respondida: o que faz o homem se tornar um Deus? “Divindade” pode ser entendida de formas diferentes. Deve ser lembrado que a realidade que nos cerca é uma questão de como se percebe as forças existentes no universo. O mundo está fora de controle para o homem, seu inconsciente e seus poderes ocultos. O processo alquímico de iniciação que o adepto do Caminho da Mão Esquerda é submetido libera gradualmente estes poderes. O confronto com os aspectos individuais da consciência dá uma visão em profundidade da personalidade e fornece conhecimento sobre nós mesmos e o mundo ao nosso redor. Conhecimento e compreensão das forças que são partes de nós e do universo que nos permite viver a vida de acordo com a nossa vontade. Para isso, é essencial que passe por um processo difícil de transmutação alquímica interminável que começa no interior humano.

Um mago do Caminho da Mão Esquerda deve reconhecer e explorar o  interior obscuro para iluminá-lo com a luz do conhecimento e da compreensão. Sabedoria no Caminho da Mão Direita é em uma só via, ou seja, incompleta. De acordo com as religiões monoteístas, “ver Deus” significa experimentar a cognição de uma parte do paradigma da consciência humana. Mas a experiência completa também significa “ver o diabo”. “A união final com Deus”, a última conquista do Caminho da Mão Direita, significa a união da consciência individual com a consciência coletiva. Aquele que está apto a preservar a sua integridade e unidade, deve resistir ao poder da consciência coletiva. Como Peter Carroll disse, na morte a força da vida individual é reabsorvida pela “força da vida deste mundo que se faz conhecida por nós como Baphomet”. Para as religiões monoteístas esta experiência é a união com Deus. Para o mágicko é “ser comido pelo Diabo em sua busca deliberada de liberdade”.

De acordo com a filosofia do Caminho da Direita, não se pode opor-se a Deus/poder superior. Os seguidores do Caminho da Mão Esquerda não partilham desta opinião.

O exílio simbólico do homem do Jardim do Éden, como no mito da queda de Lúcifer, representa a busca da divindade individual, e a escuridão se torna uma metáfora que transcende além das limitações impostas por Deus. Na escuridão o homem brilha com sua própria luz, criando seu próprio mundo. A viagem através da escuridão também é a evolução espiritual do homem. O Jardim do Éden é uma fase da infância, o tempo em que o homem se sente seguro e dependente de forças superiores. Sair do Jardim do Éden é um passo em direção à maturidade, independência e liberdade, mas também um passo na direção da responsabilidade, quando o homem começa a decidir sobre sua própria vida. Por isso, entrar no Caminho da Mão Esquerda e andar por ele significa abandonar a segurança da luz e ver o desconhecido – e assim descer no abismo da escuridão e lá encontrar a liberdade e a divindade.

Asenath Mason. Lodge Magan.