4.23.2008

Esperando o Tempo


“Eu tinha certeza que vc ia lembrar. Muito obrigada, gosto muito de vc! Bjos” – esta era a resposta que M. recebera do cartão que enviara logo cedo a L., felicitando-a pelo aniversário recém-comemorado. E mesmo que nada ali fosse mais do que palavras, procedimentos ditos protocolares para agradecer às felicitações que recebemos, M. ficou é meio enevoado com aquilo, e perdeu o início da noite lendo e relendo a minúscula resposta, jurando que ali havia sentidos ocultos que podiam ser desvendados.

Há algo a mais, eu deveria é ter ligado, queixava-se a si mesmo pela decisão agora claramente incorreta de enviar o cartão, evitando os gaguejos desajeitados que viriam ao escutar a voz dela. Pois a presença de L., mesmo a mínima presença de sua voz ao telefone, era suficiente para este homem já feito que era M. tremer igual vara-verde, nas cidades grandes não se usa mais esta comparação, o leitor urbano que imagine um pedaço de pau que não pára quieto para compreender um pouco o que acontecia. E até que M. enganava bem, a ponto que ela nem percebia, ou fingia não perceber, mulheres são sempre mais engenhosas que os homens e principalmente nas artes do engano.

Não tinha certeza como começara a paixão. Ela existia, simplesmente. Certo dizer que M. desde que ela entrou na repartição já a notava com olhos ávidos de homem, mas a paixão mesmo era difícil perceber a origem. Só sabemos que a primeira vez que conversaram foi na volta do almoço, na alameda dos cafés, aquela conversa que nem vale a pena transcrever aqui pela trivialidade de tudo que é dito, mas que para M. foi como uma orquestra dos mais belos sons que, suaves, baixinhos, saiam da boca de L. – e se nasceu antes ou logo ali esta paixão, o fato é que M. desejou ouvir aquela voz todos os dias. E se há algo com o que possamos medir este sentimento, lembremos que avalia-se a estatura de um amor pela capacidade que os amantes têm de se ouvir mutuamente, mesmo por horas, sem que a irritação ou o fastio tome o lugar do desejo e da admiração.

Para M. era claro: estava gostando da menina. Contudo, só bem tarde soube de algo importante: L. tinha um namorado, com o qual pretendia se casar. Um frio congelante para M. ouvir isso da boca de L., em uma das conversas diárias que tinham, ela que parecia já tão disposta a aceitar um convite para o cinema, convite este nunca feito mas que, se feito e aceito, é mais do que claro na terminologia do coração que o filme pouco importa, o aceite da garota significa já uma vitória. M. ficou triste por dias, mexer com mulher alheia era contra seus princípios, mesmo que as danadas se fizessem fáceis, já deu os seus escorregões adúlteros e sabe que o preço é sempre mais alto do que o produto merece. L. era um caso diferente, nunca se mostrara disponível de fato, nunca dera um mínimo escorregão moral, permanecia ao mesmo tempo intocável e, por vezes, parecia deixar claro que apenas esperava uma atitude de L. Isso colocava ainda mais confusão na sua cabeça, principalmente quando L. chegava na repartição sempre tão sorridente e passava pela sua mesa a desejar bom dia. Certa vez ela chegou e, após os cumprimentos, emendou “Nossa, M, sonhei com você esta noite” - era o fim da picada, que mulher sonha com um homem e conta assim sem estar interessada, há certos desprendimentos modernos que M. jamais entenderia, mas se a ferida dos últimos dias doeu mais depois das palavras de L., na mesma proporção uma felicidade infantil o fez quase brilhar os olhos com filhotes de lágrimas, mas segurou firme e riu um largo sorriso, acompanhando o brilho que L. lançava com sua voz algo manhosa, detalhando os acontecimentos do sonho, de como M. estava engraçado na confusão onírica e de como ele a salvava de mil monstros terríveis. Fosse um pouco mais esperto ele completaria dizendo que nas estórias o herói sempre beija a mocinha ao final, e perguntaria malicioso a L. se no sonho a história também acabava assim, mas ele é tímido como um tatu e se esconde de tudo, e inebriado ficou apenas a ouvir a voz dela e a inflamar no peito mais uma flecha de Cupido, esperando um sinal de L. que, enfim, permitisse a ele algo mais do que apenas suas sempre tão vivas palavras.