12.25.2009

Feliz dia de Mitra

25 de dezembro é e sempre será para mim o dia de Mitra, mesmo que cantem neste dia parabéns ao Nazareno.

Pode ser tão contraditório ver o 25 de dezembro como o dia de Mitra quanto colocar renas finlandesas com pisca-pisca coreanos em um país tropical, mas em geral as contradições e as mentiras, mais do que as certezas e as verdades, movem os destinos do mundo.

Mas deixemos as teorizações de lado, pelo menos por enquanto. Beba a Mitra na noite de hoje e seja feliz entre os seus.

Mithras, Lord Of Ages, below you we march!
Invincible sun, the flame of life, you dwell within our hearts!
(refrão de Lord of Ages, do Blood Axis)

12.18.2009

Ranking das melhores livrarias de 2009

Por sugestão da companheira de trabalho Michelle, cheguei a este curioso ranking das melhores livrarias e sebos paulistas de 2009, postado no Alquimia do Verbo.

Fiquei especialmente curioso com o sebo que levou o melhor na categoria "Melhor subterrâneo frio, escuro e assustador de sebo" (?). Urge ir até lá neste sábado em busca de novas aquisições.

Abaixo, reproduzo ipsis litteris, incluindo apenas os links para as devidas lojas e sebos. E não deixem de visitar a postagem original:

1. Melhor Livraria
Martins Fontes da Avenida Paulista. Tem a maior variedade de livros na área de Humanidades - metros e metros de estantes carregadas, inclusive com obras difíceis de achar.

2. Melhor atendimento em Livraria:
Não avaliado. Poucos atendentes mostram boa vontade ou conseguem fazer alguma coisa além de olhar para a mesma prateleira que você e dizer "não tem, né?". Há exceções pontuais.

3. Melhor atendimento em Livraria Especializada:
Luís, gerente da Livraria Francesa, na Barão de Itapetininga. Sabe qual é o estoque de cor, leu metade dos livros, te chama pelo nome e não fica empurrando qualquer coisa. E é mó legal.

4. Melhor preço:
Livraria da Unesp na Praça da Sé. Dá 15% de desconto para professores em todos os livros e 20% nos livros da própria Unesp. Estudantes conseguem se explicarem sua difícil vida de estagiário.

5. Melhor programa de fidelidade:
Mais Cultura, da Livraria Cultura. A cada R$ 300 gastos você tem R$ 10 de desconto. No da Fnac, paga-se R$ 30 de anuidade para ter 2,5% de desconto nos livros. Faça as contas.

6. Melhor sebo:
Álvares Machado e o José de Alencar, um na frente do outro, na rua Álvares Machado. Pertencem ao mesmo dono, Celso, e estão com o melhor acervo. Preços camaradas com desconto à vista.

7. Melhor subterrâneo frio, escuro e assustador de sebo:
O prêmio, pelo 18o. ano consecutivo, vai para o Treze Listras, na Rua Aurora. Você está no meio de São Paulo e consegue ouvir um silêncio lancinante no subsolo.

8. Melhor sebo "o-dono-não-sabe-quanto-vale-o-que-tem"
Messias, aquele da Praça João Mendes. Garimpando dá para achar raridades a preço de banana. Mas tem que garimpar.

9. Melhor sebo "o-dono-sabe-muito-bem-o-que-tem"
Sebo Parangolé, na Praça Carlos Gomes. Tem de tudo, o acervo é ótimo, o lugar é limpo e organizado e cada centavo gasto nisso é cuidadosamente repassado no preço dos livros.

10. Revelação 2009
A Saraiva, depois de anos apanhando feio da Cultura, resolveu reagir, está com um estoque bom. Destaque para a loja do Iguatemi de Campinas, que bota a Cultura do mesmo shopping no bolso.

12.16.2009

Ausência

Estou afastado do blog pelo menos até o final da próxima semana. O motivo: meu computador, meu amado Dell foi para o espaço. Devido a isso, tenho que permanecer longe daqui.

Em contrapartida, não deixei de escrever. Terminei um conto na última sexta-feira e estou em processo de construção de um outro. Ambos, contudo, não pretendo publicar aqui: fazem parte de um projeto mais ambicioso, que é um livro. É uma desgraça falar de publicação de livros em um país que não lê, como Olavo Bilac já tinha dito há décadas atrás. Mas em geral eu faço coisas estúpidas, como as demais pessoas em geral, e eis que passo dias e dias escrevendo. Veja a dimensão da tortura que me imponho, e da forma mais gratuita possível.

De mais a mais, relí Borges e o novo do Crumb. O primeiro me levou para seus universos fantásticos, para sua narrativa aristocrática e atemporal, para seu estilo envolvente que dispensa comentários. O outro foi capaz de transformar o texto bíblico em algo grandiosamente visual, conferindo ao gênero da história em quadrinhos um status que -assim espero- seja reconhecido em ampla escala (ter esperanças é tolo e vão, mas continuo tendo esperanças e em geral para causas perdidas).

"Gênesis" vale também pela saborosíssimas notas de Crumb, que trazem para a superfície as camadas subterrâneas do texto bíblico e mostram o embate nele retratado: o embate entre o matriarcado e o patriarcado, que saiu vencedor e funda a religião que enformou todo o Ocidente. Abraão, Isaac e Jacó, assim, surgem não apenas como homens religioso, mas cristalizações ideais do sistema patriarcal; suas mulheres e, principalmente, suas muitas vezes atitudes estranhas surgem como resquícios de um passado patriarcal, consciente e paulatinamente apagados pela constante reescritura dos textos bíblicos ao longo dos séculos. Qual a outra forma de explicar senão como uma referência ao poder matriarcal o fato de que "mulheres estéreis" ocupem muitas páginas do Gênesis? Se eram estéreis, por que dar a elas tanta imporância? Para Crumb, isso só se explica de uma forma: estas mulheres não eram estéreis, mas sacerdotisas do antigo culto que não procriavam por opção. Eram mulheres sagradas, possuídoras de extremo prestígio nas comunidades hebréias de então. A vitória do patriarcado tratou de escamoteá-las sob o anátema da esterilidade.

Enfim, a estas discussões estúpidas me dedico. Espero que meu "computador novo" chegue logo (na verdade, o computador emprestado da namorada gentil). Hasta, chicos.

12.07.2009

A literatura de Horácio Quiroga


Ontem terminei a leitura de uma seleção de contos do escritor argentino (ou uruguaio, para alguns) Horacio Quiroga. Este autor chamou-me a atenção pelo título de um dos seus livros, "Cuentos de amor de locura y de muerte" (assim mesmo, sem vírgulas). E pelo que conheci através desta seleção de contos, o título é bem apropriado para sintetizar a obra de Quiroga.

É discutível considerar a vida de um autor para tecer considerações sobre sua obra, mas no caso de Quiroga, cujos escritos são permeados por mortes violentas e inesperadas, é elucidativo: seu pai morre acidentalmente em um expedição de caça, quando Quiroga ainda tinha 3 meses(nasceu em 3/12/1878); anos mais tarde, seu padrasto morre vítima de um tiro; já adulto, após retornar de uma fracassada tentativa de se tornar escritor em Paris ("no tengo alma de bohemio", reconheceu), seus dois irmãos morrem; pouco depois da morte dos irmãos, Quiroga mata acidentalmente com um tiro de pistola seu melhor amigo; sua primeira esposa, vítima de constantes crises depressivas, se suicida em 1915; a segunda o abandona, em Missiones, deixando o já adoentado Quiroga sozinho; e em Buenos Aires desde 1936, toma uma forte dose de cianureto ao descobrir, em 19 de fevereiro de 1937, que seu câncer é terminal.

Um outro elemento fundamental para sua prosa é a selva e as terras das fronteiras. Sua primeira visita a Missiones, no nordeste argentino, ocorreu em 1903, quando acompanhou como fotógrafo uma expedição até as ruinas jesuítas do local. O episódio fez com que nascesse em Quiroga uma paixão por aquelas terras inóspitas, onde a Natureza se mostra uma mãe implacável e que distribui desafios constantes aos seus filhos.

Em seus contos a imagem do rio Paraná emoldura uma realidade onde os homens são testados pelo rigor do clima, pela constante ameaça das cobras, pelo isolamento. Neste ambiente, a morte é vista como inevitável e os homens, impotentes, a vislumbram quase incrédulos quando ela se faz presente. Assim, não é a morte o tema central de seus contos -interpretação que uma primeira leitura autoriza- mas sim "la perplejidad del hombreal enfrantarse con ella; más aún, es la resistencia tenaz del hombre a reconocer que muere, el rechazar esa idea, la no aceptación de esta conciencia", como bem percebeu Pedro Luis Barcia.

É justamente esta perplexidade que torna o texto de Quiroga, em muitos momentos, de uma leitura assaz desagradável. E desta seleção que tive a oportunidade de ler, o conto "El almohadón de plumas" está no topo da lista. Deixo para vocês o conto, em sua versão original:

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El almohadón de plumas

Su luna de miel fue un largo escalofrío. Rubia, angelical y tímida, el carácter duro de su marido heló sus soñadas niñerías de novia. Ella lo quería mucho, sin embargo, a veces con un ligero estremecimiento cuando volviendo de noche juntos por la calle, echaba una furtiva mirada a la alta estatura de Jordán, mudo desde hacía una hora. Él, por su parte, la amaba profundamente, sin darlo a conocer.

Durante tres meses -se habían casado en abril- vivieron una dicha especial.

Sin duda hubiera ella deseado menos severidad en ese rígido cielo de amor, más expansiva e incauta ternura; pero el impasible semblante de su marido la contenía siempre.

La casa en que vivían influía un poco en sus estremecimientos. La blancura del patio silencioso -frisos, columnas y estatuas de mármol- producía una otoñal impresión de palacio encantado. Dentro, el brillo glacial del estuco, sin el más leve rasguño en las altas paredes, afirmaba aquella sensación de desapacible frío. Al cruzar de una pieza a otra, los pasos hallaban eco en toda la casa, como si un largo abandono hubiera sensibilizado su resonancia.

En ese extraño nido de amor, Alicia pasó todo el otoño. No obstante, había concluido por echar un velo sobre sus antiguos sueños, y aún vivía dormida en la casa hostil, sin querer pensar en nada hasta que llegaba su marido.

No es raro que adelgazara. Tuvo un ligero ataque de influenza que se arrastró insidiosamente días y días; Alicia no se reponía nunca. Al fin una tarde pudo salir al jardín apoyada en el brazo de él. Miraba indiferente a uno y otro lado. De pronto Jordán, con honda ternura, le pasó la mano por la cabeza, y Alicia rompió en seguida en sollozos, echándole los brazos al cuello. Lloró largamente todo su espanto callado, redoblando el llanto a la menor tentativa de caricia. Luego los sollozos fueron retardándose, y aún quedó largo rato escondida en su cuello, sin moverse ni decir una palabra.

Fue ese el último día que Alicia estuvo levantada. Al día siguiente amaneció desvanecida. El médico de Jordán la examinó con suma atención, ordenándole calma y descanso absolutos.

-No sé -le dijo a Jordán en la puerta de calle, con la voz todavía baja-. Tiene una gran debilidad que no me explico, y sin vómitos, nada... Si mañana se despierta como hoy, llámeme enseguida.

Al otro día Alicia seguía peor. Hubo consulta. Constatóse una anemia de marcha agudísima, completamente inexplicable. Alicia no tuvo más desmayos, pero se iba visiblemente a la muerte. Todo el día el dormitorio estaba con las luces prendidas y en pleno silencio. Pasábanse horas sin oír el menor ruido. Alicia dormitaba. Jordán vivía casi en la sala, también con toda la luz encendida. Paseábase sin cesar de un extremo a otro, con incansable obstinación. La alfombra ahogaba sus pasos. A ratos entraba en el dormitorio y proseguía su mudo vaivén a lo largo de la cama, mirando a su mujer cada vez que caminaba en su dirección.

Pronto Alicia comenzó a tener alucinaciones, confusas y flotantes al principio, y que descendieron luego a ras del suelo. La joven, con los ojos desmesuradamente abiertos, no hacía sino mirar la alfombra a uno y otro lado del respaldo de la cama. Una noche se quedó de repente mirando fijamente. Al rato abrió la boca para gritar, y sus narices y labios se perlaron de sudor.

-¡Jordán! ¡Jordán! -clamó, rígida de espanto, sin dejar de mirar la alfombra.

Jordán corrió al dormitorio, y al verlo aparecer Alicia dio un alarido de horror.

-¡Soy yo, Alicia, soy yo!

Alicia lo miró con extravió, miró la alfombra, volvió a mirarlo, y después de largo rato de estupefacta confrontación, se serenó. Sonrió y tomó entre las suyas la mano de su marido, acariciándola temblando.

Entre sus alucinaciones más porfiadas, hubo un antropoide, apoyado en la alfombra sobre los dedos, que tenía fijos en ella los ojos.

Los médicos volvieron inútilmente. Había allí delante de ellos una vida que se acababa, desangrándose día a día, hora a hora, sin saber absolutamente cómo. En la última consulta Alicia yacía en estupor mientras ellos la pulsaban, pasándose de uno a otro la muñeca inerte. La observaron largo rato en silencio y siguieron al comedor.

-Pst... -se encogió de hombros desalentado su médico-. Es un caso serio... poco hay que hacer...

-¡Sólo eso me faltaba! -resopló Jordán. Y tamborileó bruscamente sobre la mesa.

Alicia fue extinguiéndose en su delirio de anemia, agravado de tarde, pero que remitía siempre en las primeras horas. Durante el día no avanzaba su enfermedad, pero cada mañana amanecía lívida, en síncope casi. Parecía que únicamente de noche se le fuera la vida en nuevas alas de sangre. Tenía siempre al despertar la sensación de estar desplomada en la cama con un millón de kilos encima. Desde el tercer día este hundimiento no la abandonó más. Apenas podía mover la cabeza. No quiso que le tocaran la cama, ni aún que le arreglaran el almohadón. Sus terrores crepusculares avanzaron en forma de monstruos que se arrastraban hasta la cama y trepaban dificultosamente por la colcha.

Perdió luego el conocimiento. Los dos días finales deliró sin cesar a media voz. Las luces continuaban fúnebremente encendidas en el dormitorio y la sala. En el silencio agónico de la casa, no se oía más que el delirio monótono que salía de la cama, y el rumor ahogado de los eternos pasos de Jordán.

Alicia murió, por fin. La sirvienta, que entró después a deshacer la cama, sola ya, miró un rato extrañada el almohadón.

-¡Señor! -llamó a Jordán en voz baja-. En el almohadón hay manchas que parecen de sangre.

Jordán se acercó rápidamente Y se dobló a su vez. Efectivamente, sobre la funda, a ambos lados del hueco que había dejado la cabeza de Alicia, se veían manchitas oscuras.

-Parecen picaduras -murmuró la sirvienta después de un rato de inmóvil observación.

-Levántelo a la luz -le dijo Jordán.

La sirvienta lo levantó, pero enseguida lo dejó caer, y se quedó mirando a aquél, lívida y temblando. Sin saber por qué, Jordán sintió que los cabellos se le erizaban.

-¿Qué hay? -murmuró con la voz ronca.

-Pesa mucho -articuló la sirvienta, sin dejar de temblar.

Jordán lo levantó; pesaba extraordinariamente. Salieron con él, y sobre la mesa del comedor Jordán cortó funda y envoltura de un tajo. Las plumas superiores volaron, y la sirvienta dio un grito de horror con toda la boca abierta, llevándose las manos crispadas a los bandós. Sobre el fondo, entre las plumas, moviendo lentamente las patas velludas, había un animal monstruoso, una bola viviente y viscosa. Estaba tan hinchado que apenas se le pronunciaba la boca.

Noche a noche, desde que Alicia había caído en cama, había aplicado sigilosamente su boca -su trompa, mejor dicho- a las sienes de aquélla, chupándole la sangre. La picadura era casi imperceptible. La remoción diaria del almohadón había impedido sin duda su desarrollo, pero desde que la joven no pudo moverse, la succión fue vertiginosa. En cinco días, en cinco noches, había vaciado a Alicia.

Estos parásitos de las aves, diminutos en el medio habitual, llegan a adquirir en ciertas condiciones proporciones enormes. La sangre humana parece serles particularmente favorable, y no es raro hallarlos en los almohadones de pluma.