Lí essa notícia e, na hora, lembrei-me desse trecho do Germinal:
"Era a visão vermelha que arrastaria a todos, fatalmente, numa dessas noites sangrentas desse fim de século. Sim, uma noite, o povo em torrentes, desenfreado, correria assim pelos caminhos, gotejando o sangue burguês, exibindo cabeças, semeando o ouro dos cofres arrombados. As mulheres gritariam, os homens abririam suas queixadas de lobos, prontos para morderem. Sim, seriam os mesmos farrapos, o mesmo matraquear de tamancos grosseiros, a mesma turba assustadora, suja, de hálito fétido, varrendo o mundo caduco com a sua irresistível avalancha de bárbaros. Arderiam incêndios, nas cidades não ficaria pedra sobre pedra, regredir-se-ia à vida selvagem das florestas após o grande cio, o grande rega-bofe, e, que os pobres, numa só noite, extenuariam as mulheres e esvaziariam as adegas dos ricos. Não sobraria nada, as fortunas e os títulos das situações adquiridas desapareceriam, até o dia em que talvez desabrochasse uma nova sociedade. Sim, eram essas coisas que estavam passando pela estrada, como uma força da natureza, e vinha delas o vento terrível que lhes açoitava os rostos."
Zola, esperançoso, é também cauteloso: diz que "talvez" desabrocharia uma nova sociedade. No incêndio que assola a Zona Norte de São Paulo, parece-me que dos destroços pouca coisa sobrará, que a ânsia de destruição minará todas as possibilidades de renascimento.
O niilismo em sua mais crua cristalização. O vento terrível da revolta popular. Os sintomas claros - e cada vez mais evidentes - do fim de um ciclo. Sigo como um observador curioso, procurando ler nas entrelinhas dos noticiários as mensagens ocultas e tentando compor um cenário mais abrangente de tudo.
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