Gosto de buscar conexões entre os dados da Realidade e neles encontrar mensagens cifradas. Esse exercício, repetido desde sempre, está algo próximo da Patafísica, mas também da idiotice. E como nem sempre a Realidade é algo razoável, encontrar explicações, mesmo que absurdas, para os acontecimentos do cotidiano acabou por se tornar um vício, uma obsessão, uma tara que faz rir na maioria das vezes e em outras me deixa extremamente preocupado (mesmo sabendo do sabor arbitrário de todas as explicações que encontro através desse método).
Há fatos recentes cuja casualidade e similaridade, acentuadíssimas, me deixaram (deixam) em dúvida sobre a possível mensagem que contem (sim, eles tem uma mensagem, e sim, é vício, obsessão, tara). Ei-los:
- um cara meio sujo e mal vestido, mas não exatamente um mendigo, próximo da Faria Lima com a Rebouças. Ele interpela duas executivas gostosas que passavam ali na hora do almoço. Elas nem param para conversar com ele. O cara chega perto de mim falando em espanhol. Respondo em espanhol também. Ele arregala uns olhos enormes e pergunta de onde eu sou. Continuo conversando, ele me conta que veio de Rosário, na Argentina, tentar a vida aqui, mas que está difícil, tem dois filhos, não consegue emprego, as pessoas têm preconceito quando começa a falar em espanhol, etc. Pede três reais para pegar um ônibus para a Lapa, onde mora (tinha vindo andando desde a Cidade Universitária). Eu disse que não tinha (a eterna desconfiança paulistana). Ele me agradece, damos as mãos e ele segue.
- na semana seguinte, encontro o mesmo cara perto da minha casa. Ele me interpela de novo. Reavivo a memória dele. Ele fica feliz de me reencontrar. Tinha ido em uma padaria ali perto ver se consegui um emprego, por indicação de um amigo. Foi a pé, da Lapa até o metrô Paraíso. Não tem dinheiro. Mais uma vez, digo que nada tenho. Ele agradece, nos cumprimentamos, ele vai embora.
- voltando para casa (eu tinha ido ao mercado quando encontrei o argentino), vejo uma mulher parada na porta do meu prédio. A mulher chora copiosamente. Ao entrar, ela me dá bom dia. Eu não respondo. Não falo com estranhos no geral. Ela insiste: "diz bom dia pra mim, moço, com esses olhos lindos que Deus lhe deu". Isso me deixou incrivelmente puto. Fecho a porta sem falar nada.
Entro em casa e meu filho vem fazer festa e me ajudar com
as sacolas de compras. Ele fala comigo, aquelas coisas que as crianças falam. Não entendo nada. Não consigo tirar da cabeça a mulher chorando na
porta do prédio. Minha esposa, na cozinha, fala comigo também, e igualmente não consigo entender, a cabeça
em aceleração absurda tentando conectar o mendigo e a mulher que chorava
(vício, obsessão, tara).
- O interfone tá tocando, Roberto.
Atendo. Digo alô. Ouço alguém chorando. Ninguém responde. Desligam na minha cara.
Talvez tenha sido Deus, travestido de argentino maltrapilho e depois de mulher chorona, me convidando ao arrependimento. Ajude os outros e seja uma pessoa melhor: Deus me deu três oportunidades para aprender a lição. Eu neguei todas. Bem provável que era Ele ali, conversando comigo em espanhol e depois chorando e pedindo um simples bom dia. Ou antes nada disso: o argentino era só um argentino, a mulher era só uma mulher. Difícil é se contentar com aquilo que é, quando muito mais se consegue com o que poderia ser.
Já senti isso uma vez, mas não foi difícil retornar ao estado de descrença. Bastou relembrar de quantas vezes sofri, verti lágrimas e pedi ajuda e me foi negado.
ResponderExcluirOnde mesmo será que estava deus nessas horas?