Para os outros, o universo parece honesto. Parece honesto para as pessoas de bem porque elas têm os olhos castrados. É por isso que temem a obscenidade. Não sentem nenhuma angústia ao ouvir o canto do galo ou ao descobrirem o céu estrelado. Em geral, apreciam os "prazeres da carne" na condição de que sejam insossos.
Mas, desde então, não havia mais dúvidas: eu não gostava daquilo a que se chama "os prazeres da carne" justamente por serem insossos. Gostava de tudo o que era tido por "sujo". Não ficava satisfeito, muito pelo contrário, com a devassidão habitual, porque ela só contamina a devassidão e, afinal de contas, deixa intacta uma essência elevada e perfeitamente pura. A devassidão que eu conheço não suja apenas o meu corpo e os meus pensamentos, mas tudo o que imagino em sua presença e, sobretudo, o universo inteiro.
(página 58, edição da Cosac Naify de 2003)
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