Política é a arte do possível e no reino da vida prática a sujeira é um dos vassalos. Se a postura anarco asséptica de não fazer parte da "ilusão eleitoral" ainda cativa a alguns, isso não me interessa. Que fiquem limpos e rígidos em seus princípios, desde que conscientes que equiparar Serra à sua adversária como se fossem farinha do mesmo saco é de uma burrice admirável.
A uma semana do momento decisivo da corrida presidencial é possível concluir que a guerra suja de boatos, calúnias e fanatismo religioso que marcou principalmente o segundo turno será a pior herança dessas eleições.
Cegos para os avanços alcançados pelo país, os setores religiosos que se alinharam com o PSDB juntos radicalizaram o discurso com um show de mentiras, intolerância e mistificação. O debate político desvirtuou-se em questões religiosas, a "moral e os bons costumes" foram novamente invocados e as forças mais reacionárias da sociedade saíram das catacumbas para entrar na guerra midiática pró-Serra.
Essa verborragia difamatória que invadiu as caixas de emails e que encheu as redes sociais de declarações mentirosas é a voz desesperada de uma elite que quer manter a sociedade brasileira injusta e desigual. É a elite que apoia privatizações de empresas e estradas, que aproveita-se do sentimento religioso para ganhar votos e que em seu coquetel de medo, intolerância e ódio deixa patente sua clara tradição fascista.
Nada disso é novidade, aliás. É a mesma tática sórdida que empregaram contra Lula em 2002, dizendo que ele tomaria mansões, dividiria grandes propriedades de terra, implantaria o “comunismo”. Aquela retardada da Regina Duarte dizendo no horário nobre "eu tenho medo do PT" é o exemplo mais perfeito do clima mental daquele período.
Conheço um monte de outras Reginas Duartes que, embora não tenham o horário nobre, repetem com outras palavras esse mesmo sentimento. É possível que o leitor tenha também seus exemplos. A diferença que noto entre a Regina televisiva e as incontáveis outras Reginas anônimas é que as últimas estão mais atrevidas, mais agressivas, belicosas até. Isso está longe de ser ruim, é até importante que aconteça, que as pessoas se polarizem e fiquem cristalinamente à mostra. Teremos, após as eleições, uma debate político mais acirrado e, assim espero, mais participativo, no sentido de que a "postura neutra", que sempre foi uma impossibilidade, será cada vez menor.
Não sei se, a essa altura do texto, é ainda necessário dizer que sou a favor da candidatura de Dilma. E que repudio, com todas as letras em caixa alta, o Serra. Nunca botei fé na Marina, no sentido que a suposta "terceira via" ecológica que ela representava sempre me pareceu um discurso ao gosto de uma classe média antipopular, que preocupa-se mais com árvores amazônicas e baleias árticas do que com gente morrendo de fome a duas quadras de casa. Política como consumo, como palco para desfile de vaidades e propostas que fazem apenas suspirar: isso foi a candidatura da evangélica Marina.
Essa semana promete e muito. Aposto o dedo mindinho que terão novos golpes baixos dos jornalões serristas e, claro, do Jornal Nacional, que mentiu para todos os brasileiros de uma forma podre e desonrosa como fica claro nesse vídeo. Esperar algo diferente disso não seria razoável, assim como não o seria continuar escrevendo aqui sobre literatura, livros e música enquanto o Brasil fervilha. E chegando aos momento finais do texto, lembro de um dos meus romances prediletos, O ano da morte de Ricardo Reis. Nele, o pseudônimo pessoano se coloca a questão, às vésperas da Segunda Guerra, momento em que a Europa vivia um de seus momentos mais tensos, da possibilidade de se contentar em "assistir ao espetáculo do mundo". Tal como Ricardo Reis, podemos hoje ver o Brasil e as sujeiras próprias das eleições, ficar por dentro dos escândalos, dos dossiês encomendados aqui e das falsas denúncias acolá. Porém, contentar-se com o espetáculo é um sentimento difícil de nascer aqui no meu peito. Não há tristeza alguma ao reconhecer isso.
Acho que seus apontamentos são significativos e posso dizer que em grande parte concordo com eles, mas acho que ainda há algumas considerações a serem feitas.
ResponderExcluirA herança nefasta dessas eleições, ao meu ver, reside na afirmação de um pleito baseado em valores, como ambos candidatos defendem, colocando-os acima inclusive de projetos políticos, o que representa um retrocesso enorme, ou senão apenas uma estagnação da mentalidade do povo brasileiro que ainda insiste que se vota em pessoas e não em partidos, dando a tudo um caráter quase big brotherzístico.
Como se ainda não bastasse, a reflexão que poderia se esperar de uma postura dessas seria a real constatação que nenhum dos candidatos representa o povo brasileiro nem em sua integridade, o que seria impossível, mas também não na especificidade, não existem Serras e Dilmas por aí, mas ainda se perpetuam candidatos como estes, que são quase uma alegoria que só sobrevive na esfera política.
Enfim, tou com pressa e não sou bom discutindo isso por internet, mas como nosso pingado na padaria perto da sua casa não se realizou não sobram alternativas.
Abraços.
Pois é, isso que você falou do brasileiro votar em pessoas e não em partidos é um fato. E é inclusive um tema que demonstra a total falta de conhecimento das estruturas do poder.
ResponderExcluirPor exemplo, foram 1,3 milhão de votos no Tiririca (cito de cabeça, posso estar enganado, mas é por aí). Como deputado, o eleitor julga que é um cargo sem importância, quando na verdade é essencial. Se ele se candidatasse para presidente, seria imediatamente visto como piada e com certeza teria muitos votos, mas duvido que com essa expressividade. Como se apenas posições "de comando" fossem de fato válidas.
Concordo: nem Dilma nem Serra representam essa abstração chamada "o povo brasileiro". O discurso político cria o candidato, o marketing o embeleza e o pacote está pronto. Obviamente há diferenças, e profundas, entre um e outro. Mas chegou um ponto em que essa eleição (e principalmente o segundo turno) pelo menos para mim se transformou não mais em uma questão de quem deve ganhar, mas sim em quem NÃO pode ganhar.
E o discurso pautado em valores e não em projetos é um lixo, mesmo. Serra elevou isso ao nível máximo da patifaria. E a Dilma teve que fazer o jogo em alguns momentos, o que é lamentável; mas considero o peso estratégico de, por exemplo, fazer reunião com as corjas evangélicas. Estamos bem distantes de uma política laica, infelizmente...
E pô, esse pão na chapa na padaria demorou mesmo! Marquemos, meu caro.
Eu vejo que a abrangencia de votos do Serra entre a classe média demonstra claramente como a educação é pobre, até mesmo para a supracitada.
ResponderExcluirAs razões que considero para concluir isso são:
- Uma crença que um governo declaradamente de direita beneficiaria a classe média é um engano grotesco. Um governo de direita vai priorizar a elite oligárquica, as corporações, o dinheiro onde ele é mais concentrado. A classe média é enganada com imagens e percepções grosseiras que fazem crer no sonho de subir para a elite. Qualquer pessoa com um mínimo de estudo e bom senso sabe que isso é uma possibilidade ínfima, e a tendência do governo altera essas probabilidades de forma irrelevante. O que acontece é um aprofundamento das diferenças sociais, pois a elite se expande ao custo do decaimento da própria classe média. Resumindo, fica parecido com a Mega Sena: apostam os direitos de toda a população numa possibilidade ridiculamente pequena para beneficiarem apenas a si mesmos, pagam o preço caso não ganhem e continuam cometendo o mesmo erro.
- O envolvimento de credos e crenças para a opção de um candidato, sendo que o estado deveria ser laico. Um estado laico é justo para com todas as religiões (ou a ausência de qualquer uma delas). O Serra explora essa questão pois sabe que a baixa educação do população faz com que a mesma centre suas preferências e conceitos em cima de religiões, emoções e mecanismos de defesa emocional - e não conhecimentos, experiências e lógica. A Dilma correu atrás do mesmo recurso ao ver que perdeu eleitorado por conta disso, coisa que eu acredito que qualquer um faria no lugar dela.
Acredito que a baixa qualidade da educação num todo fundamenta-se em um aspecto: o foco da mesma.
A classe média educa seus filhos para passarem em vestibulares difíceis e arrumarem bons empregos, a classe pobre educa seus filhos para arrumarem empregos de baixa a média qualificação, e com isso, fazer faculdade. Quando o foco do estudo é a cidadania e o conhecimento, o pensamento crítico e as escolhas políticas são melhor fundamentadas pois são feitas de forma consciente. Um exemplo disso seria com o que o PSDB fez com o ensino público em SP, adotando a progressão continuada, remunerando pessimamente os professores (e quase metade deles são temporários), aparelhando mal as escolas. Isso apodrece o ensino público, impossibilitando a ascenção da classe pobre e consequente derrubada das oligarquias presentes no poder, eleitas por pessoas que se consideram estudadas e conscientes, mas na verdade são tão sabidas quanto cones de trânsito.
A discussão política é muito importante, infelizmente conversar com pessoas com bons argumentos entre a classe-média é raro, principalmente entre os jovens, que na maioria dos casos, seguem apenas os ideais impostos por seus pais.
ResponderExcluirEm um país onde se fazem um filme "contra o governo", mas, a favor de um golpe militar e todos gostam e é um recorde de bilheteria, não é de se
esperar que as pessoas pensem.
Enfiar problemas na vida das pessoas é um modo de desviar a atenção e fazer que achem a política uma besteira e uma piada (diria o sr. Tiririca).
E esta eleição, foi uma eleição de espetáculo e continua sendo. Quem tem interpretar o personagem mais simpático ganhará a eleição, infelizmente!
Mas, concordo que as propostas da Dilma, que ficaram em segundo plano, nas campanhas eleitorais, ainda é muito superior ao do candidado Serra.
Talvez tenha ficado um pouco confuso!!!!
V. e Paulo: estou devendo uam resposta aos comentários de vocês. Farei isso hoje à noite ;-)
ResponderExcluirV.
ResponderExcluirConcordo com tudo o que você falou. E quero enfatizar a questão do estado laico. Os compromissos com a Igreja e com os evangélicos me embrulharam o estômago de tão ridículos. Na "guerra" por votos parece valer tudo. Mas em um exercício tosco de futurologia, acho que esses grupos vão ser um calo no próximo governo. Veremos.
Paulo,
Essas eleições foram um nojo. Tudo de mais ordinário e ridículo e atrasado ganhou o centro das atenções. Um grande circo, sem dúvida alguma, e que já me deixou em diversos estados de espírito, de irritado a indiferente. Agora, só estou querendo que essa desgraça termine.
Leandro, contentar-se em ver o espetáculo do mundo é como se define simploriamente a visão de mundo estóica, por vezes a epicurista. Espetáculo, como quase aprendemos na faculdade, vem de spectare, que é só o verbo olhar, contemplar, a frase no melhor sentido da ideologia estóica, ao meu ver, seria algo como contentar-se em ver o que pode ser visto do mundo. Digo isto pois espetáculo depois tomaria o sentido de "atração teatral", "evento digno de nota", e temos o sentido bem vulgar hoje de "aquilo foi um espetáculo", ou seja, foi uma maravilha.
ResponderExcluirHá dias terminei de ler o Ano da Morte e achei um bom livro, idéias interessantes, escrita esperta, já havia aí parte do que mereceria o Nobel, sem dúvida, mas não se deve esquecer que o Saramago por ter toda aquela visão política, não conseguiria realmente viver de modo neutro no mundo, viver contemplando-o apenas, e aí explicitamente afirma que o Ricardo Reis também não o conseguiria, face à Segunda Guerra. Mas é necessário lembrar que o estoicismo foi, de certo modo, a religião dominante do império romano, que vigorou por uns 600 anos, e que nesses 600 anos houveram muitas batalhas mundiais (roma versus cartago, por exemplo) e que muitas pessoas contentaram-se em ver o espetáculo do mundo. Há casos bem famosos sobre isso, há também casos, como o do Marco Aurélio, que dizia em se contentar com o mundo mas, sendo Imperador, ia lá dá batalha aos bárbaros.
Vale citar que o Cioran prefere o Marco Aurélio, "um vulcão resfriado", ao Niesztche, "muito inspirado".
Não digo nada mais específico sobre política pois, além de treinar meu alheamento, de tentar minha neutralidade, o assunto iria bem longe. Digo somente que a única coisa útil a se fazer nesse assunto, ou seria "dar meu voto" (uma coisa inútil), ou pôr fogo no corpo em praça pública, como o monge do Tibet na década de 50, creio, e muitos atualmente que se auto-imolaram. Se não se tiver coragem de se atear fogo, qualquer palavra é dispensável.
Lucas
Grande Lucas,
ResponderExcluirSeu comentário fez-me revisitar um texto escrito há pouco mais de um ano atrás, no calor dos acontecimentos da última eleição para presidente.
O nojo que sempre senti por política, naquele então, arrefeceu. Creio que até hoje se mantem assim, um nojo menor, um nojo domesticado.
Pergunto-me: para quê?
"Para nada", é a resposta que costuma soar em meus ouvidos.
De qualquer modo, o nojo é ainda uma forma de contemplar o mundo, sentir-se enojado é também uma forma de ver o espetáculo. O ideal seria então ter o desprezo do monge Bo Tat, esse desprezo que cada vez mais invejo. Acho que é esse o exercício dos dias atuais: viver na excitante contradição de exercitar o nojo e o desprezo. Oscilar na polarização entre a convulsão endereçada aos horrores do mundo e ao total alheamento perante eles - porque no final nada importa, e como em uma noite de embriaguês com amigos, um deles formulou, de modo espetacular, esse ensinamento poderoso: que o mundo é muito maior e mais maravilhoso do que todas as nossas vontades, opiniões e decisões.
É, meu caro, não tiraria uma só vírgula disso tudo, mas acrescentaria só que quão grotesco e humano às vezes esse maravilhoso sói parecer...
ResponderExcluir...seja como for, antes que algum viciado em Noise e Sade diga que o grotesco pode ser maravilhoso, já confesso logo que ser uma partícula infinitesimal boiando no Caos deve ser a benção mais esperada.