Joseph Campbell, em O Poder do Mito, resume a história do Ocidente através de uma fórmula simples: os edifícios mais altos de uma cidade indicam qual é o seu centro dominante -e desse centro emanam os seus valores e mitos.
Na Idade Média, a religião era o grande prisma, o grande ponto de contato entre os indivíduos. A Catedral de Chartres, em França, é o exemplo dado por Campbell. Nos séculos dos príncipes, com o advento das Luzes, os palácios substituíram as catedrais em grandeza e magnitude. O poder político como soberano, consagrado pela fórmula "l´État c´est moi". Na contemporaneidade, são os edifícios que abrigam as grandes corporações que se arremessam como titãs na direção dos céus. Igrejas e prédios governamentais são anões comparados a eles. O paradigma dessa nova configuração arquitetônica de poder: as Torres Gêmeas.
Da espiritualidade para o Nada econômico, temos um percurso imenso e cujos detalhes não me permito aqui listar. Há livros inúmeros que tratam disso. Inquieta-me ainda -e esse post é uma inquietação, uma pergunta feita com sofrimento- as palavras de Campbell, que diz que os mitos são como sonhos: não é possível prever quais serão os próximos. Que assim seja: abraço essa impossibilidade como uma verdade revelada. Todavia, insisto em premonições sem brilho algum, em possíveis configurações de como, enfim, serão esses mitos que ainda não existem, ou talvez existam mas não cristalizados: as novas mitologias serão cunhadas com heróis carregando cifrões em suas frontes preocupadíssimas com as variações na Bolsa. Deselegantes, vestirão seus ternos feitos em série e carregarão não mais espadas e pesados escudos, mas celulares e notebooks cheios de arquivos inúteis. Sua jornada espiritual será amparada por receitas de tarja preta, seus ensinamentos compartimentados em PDFs de MBA, sua iluminação um nada feito por frases polidas colhidas de livros de auto-ajuda. Serão heróis estúpidos, orgulhosamente estúpidos, mas julgarão a si mesmos como homens a frente de seu tempo. Experientes em produzir ilusões, serão ainda melhores em consumi-las: praticamente todo o tempo de suas vidas será dedicado a apreciar prazeres irreais. Inconscientes de que são parte do mundo, passarão os dias em um hedonismo insaciável. A vida será vista como um passeio por um parque de diversões, as noites só terão sentido se forem dedicadas ao riso e risíveis serão aqueles que se preocupam com qualquer coisa que esteja além do baixo ventre. Anatematizados pelos heróis modernos todos aqueles que se esgueiram na noite da Dúvida e do Erro, bem aventurados os que se apegam a qualquer Certeza, a qualquer Convicção -pois o apegar-se é o primeiro traço desse tipo novo de herói, e principalmente se esse apego tiver como objeto coisas sólidas e embrutecidas.
"...e principalmente se esse apego tiver como objeto coisas sólidas e embrutecidas."
ResponderExcluirAcredito que hoje em dia e daqui pra frente a maior forma de apego seja o desapego, o hedonismo insasiável é líquido, nada sólido ou bruto.
Não é uma crítica ao seu texto Leandro, é que to lendo muito Bauman.rs.
Abração.
Oi Kaska,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Quando eu escrevi "apego a coisas sólidas e embrutecidas" quis fazer um contraponto com os valores e ideais que geralmente são associados aos heróis nas mitologias: elementos como honra, bravura, coragem, sacrifício, sinceridade, ética.
Tudo isso são coisas "etéreas"; quando evocadas hoje em dia, parecem ridículas. Não se encaixam em nossos tempos. Preferimos coisas mais palpáveis, a solidez que podemos tocar e sentir rasgar a carne - e tudo o mais, tudo que remeta a algo transcendente, é, em poucas palavras, lixo. É nesse sentido que empreguei as palavras "sólidas" e "embrutecidas".
Legal o contraponto que você fez com Bauman. Não tinha pensado na oposição que meu texto fez com as teorias "líquidas" daquele senhor. Fez-me pensar e relembrar do "Modernidade Líquida".
E cara: críticas serão sempre bem-vindas. Sinta-se sempre à vontade para fazê-las aqui ;-)
abraços