8.12.2009

Preconceito lingüístico: um mito

É já assunto um pouco frio, mas a matéria "Os preconceitos da pronúncia" da revista Língua Portuguesa suscitou novamente em mim aquele sono e cansaço toda vez que leio/ouço falar de uma das bandeiras de luta mais estúpidas do pensamento politicamente correto: o preconceito lingüístico.

O técnico de futebol da seleção, Joel Santana, foi alvo de piadas por seu inglês no limite do incompreensível. O vídeo do YouTube, em seus 42 segundos, pode explicar o motivo da piada muito melhor do que qualquer explicação que eu possa dar. Temos dois tipos de estupidez nesta questão: de um lado temos os chatos defendendo o fim do preconceito lingüístico, e do outro iletrados que postam comentários como "q retardado! achando q pode falar ingles!" e dispensam acentuação e outras letras que julgam desnecessárias, praticamente reinventado as normas da ortografia pela ótica da burrice.

O defensor do fim do preconceito lingüístico acredita que o mundo vai melhorar quando todos os brasileiros tiverem a chance de falar My equipe pray very naisse sem ter o perigo de alguém filmar e colocar no YouTube. O iletrado ridiculariza os Joéis Santanas e não sabe nem conjugar o verbo amar no presente do subjuntivo, mas passou as tardes após o colégio em uma sala do CCAA aprimorando seu inglês para as férias na Disney ou qualquer outro paraíso playboy para bem nascidos. Ambos, sem exceção, merecem uma surra de realidade.

É claro que quando o Joel Santana falou foi engraçado. Não há problema em rir dele. Pessoas riem umas das outras o tempo todo pelos mais diferentes motivos. Rir do outro é importante para reconhecer nele o profundo ridículo que todos nós somos. Mas a bandeira politicamente correta, quando empunhada, merece todas as formas de escárnio, assim como os imbecis que denigrem brasileiros falando uma língua estrangeira sem a pronúncia "correta" - coisa que não existe, basta para tal comparar os sotaques de Santa Catarina e Salvador.

Termino com uma citação de "A correspondência de Fradique Mendes", do genial Eça, que muito diz a respeito do servilismo lingüístico que, de um lado, proíbe o riso e, do outro, instiga o escárnio vazio:

"Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua de sua terra: - todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. (...) Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras, constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio, o Vocábulo."

8 comentários:

  1. Concordo plenamente contigo, hermano. E com esse trecho realmente genial do Eça, que eu não conhecia. Ele diz exatamente o que penso sobre falar uma língua estrangeira.

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  2. Não creio que exista perfeição em falar uma outra língua que não seja a sua nativa. Existe uma curiosidade, as vezes a comunicação como sobrevivência, uma fuga, uma adaptação, muitas das vezes a soberba vaidade e outras , a consciente imposição. A essência não se perde nem se desmistifica. A negação de uma raíz pode querer se exaltar mas não substitui, seria uma metamorfose impossível de ser realizada, ao menos que, durma e acorde em outro corpo fixando-se como uma esquizofrenia.
    Alegorias, meu caro Uótsón...

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  3. Ouvi algumas críticas dizendo que o texto do Eça pode ser uma desculpa para preguiçosos ou incompetentes que não conseguem aprender uma língua estrangeira. Mas considero esta crítica defeituosa: Eça critica o servilismo cultural daquele que pouco se importa com a própria língua e coloca em supremos altares a do Outro. Como aqueles que criticaram o Joel Santana.

    Mas confesso: há casos de bilingüísmo (ou até mesmo multi) notáveis. Seres que conseguem níveis de profundidade discursiva tanto no português quanto no norueguês, como é o caso de um ex-professor meu (brasileiro filho de pais noruegueses). Ou de um tradutor de Juan Carlos Onetti, que tive o prazer de assistir há pouco nas comemorações do centenário do escritor uruguaio, que é catalão mas vive no Brasil há anos, e fala um português perfeito, sem nenhuma espécie de sotaque. E não só traduz espanhol, catalão e português, mas também inglês. Há algum tradutor mais pós-moderno que esse?

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  4. Vemos ai nesta questão o quão difícil é Ser...princpalmente se você tem orgulho do seu jeito de ser, do país onde mora e da lingua que fala!!
    O fato de falar uma lingua estrangeira de modo correto não precisa ser considerado como subserviência , muito pelo contrário pode ser motivo de orgulho em nossa capacidade!!!

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  5. Falar inglês com um sotaque a la Oxford é algo que devemos colocar em um pedestal e dizer "Nossa, conseguimos! Somos fodas, falamos inglês como um legítimo inglês!"?. Ora, se isso não for uma lambida de cú e bolas cultural eu não sei mais o que é.
    Além de que esta história de brasileiro se orgulhar se traduz em jogos da seleção, samba e uma frivolidade que é vendida como inerente ao nosso "caráter nacional". Nada mais mercadológico para fomentar a multiblaster milionária indústria turística tupiniquim.

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  6. Abaixo ao nacionalismo, suas bandeiras e o mercantilismo,não é?
    concordo e ponto final.
    Dizer negar as raízes não quer dizer defendê-las a punho como num protesto de rua e sim como uma consequência pra aqueles que buscam em outros países o seu berço de ouro. Sem julgamentos a terra é livre e entregue aos homens não covardes ,mas continuo afirmando que a essência percorre nas veias, nas bocas, nos olhos... pelo menos foi o ocorrido no meu caso e em tantos outros que conheci mesmo vivendo 25 anos do lado de lá, PHDS na língua estrangeira e o caralho a quatro.A essência permanece lá, sem orgulhos ou preconceitos, só é de fato , assim como o mar foi feito para os peixes. simples, nautral e de certa forma primitivista( imprevisivelmente sempre caio nesse conceito)

    Talvez as palavras tenham sido imponentes demais numa tarde de reflexões sobre meu próprio viés.
    ..e continuemos com as visões turvadas, pelo menos permanecem as dúvidas e os questionamentos sem acreditar em uma verdade absoluta e sim nos caminhos que são abertos e trazidos..ser comidos pelo lobo-mau ou entregar doces para a vovózinha, ou comer todos os doces e voltar pra casa tarde, qual seria o melhor ponto de vista pra vc?

    teste pág. 56 do livro de um pé pregado numa sala quadrada.

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  7. ê lelê! Isso é saudade de conversar com vc. Sentar, engordarmos juntos e elocubrações.

    eu me rendo...rsrs.

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  8. Coisa bonita mesmo é inglês sendo falado por um russo, carregadíssimo de sotaque.

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