8.14.2011

Trecho de um conto do Lovecraft


"Freqüentemente imagino se a maioria da humanidade algum dia parou para refletir sobre o significado ocasionalmente titânico dos sonhos e do obscuro mundo a que pertencem. Embora a maioria de nossas visões noturnas talvez não passe de pálidos e fantásticos reflexos de nossas experiências em estado de vigília - ao contrário do que diz Freud com seu pueril simbolismo -, resta ainda um certo resíduo cujo caráter etéreo e invulgar não permite nenhuma interpretação comum, e cujo efeito vagamente excitante e inquietador sugere possíveis vislumbres momentâneos de uma esfera da existência mental não menos importante que a existência física, embora separada desta por uma barreira quase intransponível. Por experiência própria, não posso senão concordar que o homem, quando liberto da consciência terrestre, está na verdade vivendo uma outra existência, incorpórea, de natureza muito diferente da que conhecemos, e da qual permanecem apenas lembranças das mais fugazes e indistintas, depois de acordarmos. Dessas lembranças confusas e fragmentárias podemos inferir muito, mas provar pouco. Podemos supor que nos sonhos, vida, matéria e vitalidade, tais como a terra conhece essas coisas, não são necessariamente constantes; e que o tempo e o espaço não existem tais como nossos eus despertos os concebem. Acredito, às vezes, que essa vida menos material é nossa vida mais verdadeira, e que nossa vã presença sobre o globo terrestre é o fenômeno secundário ou meramente virtual."

Primeiro parágrafo do conto "Além da barreira do sono", de H. P. Lovecraft, e que se enquadra naquele seleto grupo de leituras memoráveis, onde vemos nossa confusa visão sobre um determinado assunto assumir uma forma cristalina.

Um comentário:

  1. já que é assunto, ninguém ilustrou contos de Lovecraft como Alberto Breccia, #fikdik

    ResponderExcluir