12.01.2010

Nos cumes do desespero



Uma das aquisições literárias mais agradáveis dos últimos tempos foi uma tradução espanhola de Pe culmile disperării, do Cioran.

Escrito quando o velho romeno tinha ainda vinte e dois anos, o livro é um murro após o outro. As sementes do projeto filosófico mais ignorado do século XX estão já todas ali, naqueles escritos plenos de impetuosidade e ódio do jovem insone que andava pelas ruelas de Sibil trocando confidências com prostitutas, bêbados e desgraçados de sorte ainda pior. Um pensamento que aposta na filosofia como sangue -e em tempos de homens covardes, de destruição de certezas, de esfacelamento de valores e da ressignificação de conceitos e papéis sociais o pensamento de Cioran serve como um convite à destruição e também apresenta uma ótica inovadora sobre os homens em geral.

Há muito o que ser dito sobre ele, mas pela hora que já vai adiantada, pelo cansaço que domina a mente e o corpo, dois trechos da leitura de hoje:

"Gosto do pensamento que conserva um sabor de sangue e carne, e à abstração vazia prefiro muito mais uma reflexão que se origine em um arrebatamento sensual ou em um desmoronamento nervoso."

"Que sucederia se o rosto humano expressasse com fidelidade o sofrimento interior, se todo o suplício interno se manifestasse na expressão? Poderíamos ainda conversar? Poderíamos trocar palavras sem ocultar o rosto com nossas mãos? A vida seria realmente impossível se a intensidade de nossos sentimentos pudesse ser lida em nossa cara."

4 comentários:

  1. Lucas2:52 AM

    A última citação me lembrou este soneto:

    Se a cólera que espuma, a dor que mora
    N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
    Tudo o que punge, tudo o que devora
    O coração, no rosto se estampasse;

    Se se pudesse o espírito que chora
    Ver através da máscara da face,
    Quanta gente, talvez, que inveja agora
    Nos causa, então piedade nos causasse!

    Quanta gente que ri, talvez, consigo
    Guarda um atroz, recôndito inimigo,
    Como invisível chaga cancerosa!

    Quanta gente que ri, talvez existe,
    Cuja a ventura única consiste
    Em parecer aos outros venturosa!

    Raimundo Corrêa

    Minhas leituras de Cioran estão de lado, e este semestre concluo a faculdade, hehehe.

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  2. Belo soneto, Lucas.

    A conclusão desse curso há de ser comemorada, meu caro!

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  3. Já saiu em janeiro de 2012 a tradução para o português, pela editora Hedra.

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  4. Um amigo me falou, Fernando. Você chegou a comprá-la? É uma boa edição? Fui na Cultura da Paulista e não o encontrei.

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