2.24.2012

Igreja do Livro Transformador


Desde a infância gosto de igrejas católicas. Formado em um lar onde as imagens de Jesus e Maria estavam (ainda estão) presentes, a admiração por templos do catolicismo conviveu pacificamente com o ateísmo militante que nutri durante anos. Deve ter sido por isso que o nome Igreja do Livro Transformador causou em mim uma sensação de imediata admiração e curiosidade.

Imaginei a princípio que se tratasse de uma dessas novas acefalias evangélicas, que inventam 14778 novo nomes diariamente para seus ridículos cultos que agigantam contas bancárias na exata proporção em que diminuem mentes. Para minha surpresa o livro em questão não era a Bíblia, a transformação não era pela fé, a igreja não era divina: era um convite para as pessoas darem testemunhos sobre o livro que, após lido, proporcionou alguma importante mudança em suas vidas.

A Igreja do Livro Transformador começou como uma brincadeira do escritor Luiz Ruffato, e terminou se espalhando em sites e eventos literários pelo Brasil todo. Novos convertidos ao credo do Livro Transformador ajudaram a espalhar a boa nova, que tomei contato através do site InterrogAção. Lá, eles convidam os novos adeptos a algo muito simples: gravar um depoimento em vídeo sobre o livro que transformou sua vida. 

Eu até gostaria de ter coragem de me filmar falando algo sobre isso, mas todas as vezes que apareço frente a uma câmera o resultado é desastroso, então prefiro a covardia da escrita para fazer isso e dizer que o meu Livro Transformador - assim mesmo, com letras maiúsculas, pois se trata de algo para se venerar - foi Noites Brancas, do Dostoiévski. Essa diminuta novela me ofereceu a oportunidade de mergulhar, profunda e completamente, na desgraça que é experimentar um amor não correspondido. É na primeira juventude que a decepção amorosa acontece como se fosse uma experiência do absoluto, e eu tinha dezesseis anos quando isso aconteceu. Se não me engano, comprei Noites Brancas em um sebo no centro de Santo André, onde eu morava na época, e o li em apenas uma tarde. A dor do personagem era a minha dor, a Nastienka que vai embora e deixa o narrador sozinho em uma rua deserta era a minha Nastienka, para sempre longe e distante. Acho que nunca me envolvi emocionalmente em tão alto grau com um livro, a ponto de a imagem de Nastienka acompanhar-me por longos e longos anos como um arquétipo pessoal do amor sexual não realizado, da promessa impossível de uma felicidade sem limites. 

Mas não foi apenas a produção de fantasmas que esse livro gerou: ele também me ensinou que a literatura pode servir como ponte para experiências internas extremas. O sofrimento intensificado pela leitura de Dostoiévski foi a primeira dessas experiências, e talvez sem a leitura de Noites Brancas, exatamente naquele momento, eu jamais teria me relacionado com a literatura da maneira como faço hoje em dia. 

Abaixo um vídeo de Luiz Ruffato, explicando melhor os preceitos da Igreja.

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