1.15.2012

A pressa paulistana



São Paulo: a maior cidade do hemisfério sul, a capital da locomotiva bandeirante do Brasil, a desordenada aglomeração urbana que conjuga todas as contradições do horror chamado Brasil em versões cruas e sanguinárias.

Cidade acelerada, que não tolera a vagarosidade dos velhos e aleijados, dos distraídos e confusos.  Cidade cujas escadas rolantes são mais rápidas do que em qualquer outra cidade. Sim, elas têm velocidades variáveis e em São Paulo  são programadas para a máxima aceleração. Nada deve ser lento em São Paulo, sob pena de ser vítima do ódio do paulistano, esse tipo que ama a pressa e coloca a velocidade no altar de seus afetos mais caros.

Velocidade onipresente que se choca com uma frota de veículos incompatível com o tamanho de suas ruas e avenidas – todas elas congestionadas, cinzas, dominadas pela tensão de motoristas dispostos a matar por espaço. Velocidade que domina também os pedestres, que se empurram e se trombam já sem nenhum pedido de desculpas, acostumados com a pressa que dita o ritmo de seus passos mal-humorados – e então correm na frente dos carros, desafiam os faróis vermelhos para chegar mais rápido do outro lado de uma avenida qualquer, serpenteiam entre as multidões na ânsia de chegar mais rápido, seja lá para onde estejam indo.

O efeito dessa aceleração: todos em São Paulo estão atrasados, ansiosos, perdidos. Morrem de tédio se não têm compromissos, agitam-se nos dias de folga, ficam deprimidos quando estão de férias. Precisam de aceleração o tempo todo, da sensação esmagadora dos ponteiros do relógio berrando qual será a próxima tarefa a ser cumprida.

Se vai jantar fora, o paulistano sente horror se o garçom demora dois minutos para trazer o cardápio. Aborrecido, reclama que o prato principal vai chegar muito depois de degustada as entradas. Depois, vai vociferar ainda um pouco mais, ante o congestionamento inusitado nesse sábado à noite deslumbrante.

Não é inusitado: há anos que filas imensas de carros já são parte da paisagem noturna de São Paulo. Mesmo nos finais de semana. É como se a cidade dissesse para todos: vocês não vão conseguir ficar livres da pressão. Da tormenta. Da necessidade de ir rápido para algum lugar. Vocês serão para sempre acelerados.

Para sempre correndo e sem nem saber o porquê.

O paulistano sente orgulho de sua pressa. Sente orgulho de seus engarrafamentos. Sente orgulho de seu metrô e de suas escadas rolantes que giram mais rápido. Paulistanamente crê que o mundo todo é assim, porque o mundo do paulistano é esse desastre chamado São Paulo.

Esse belo e interessantíssimo desastre abençoado pela Santa Aceleração.

Lembro-me de quantas vezes tive que fazer o amor – oh desgraça de vida – olhando para o relógio, pensando que daqui a X minutos teria que sair e ir trabalhar e encontrar pessoas no caminho e trombar nelas e sentar e esperar e almoçar e trabalhar e voltar para casa e enfim fazer o amor como se deve, sem a pressa de um relógio, apenas com a ofegante respiração de minha mulher ditando o ritmo das coisas. Quantos devem ser aqueles que amam com pressa em São Paulo, tencionando o que virá depois – o cigarro, a ida ao banheiro, o sono enfim após o dever matrimonial cumprido? A vida amorosa dos outros é rigorosamente um problema que não me pertence, e com certeza não apenas em São Paulo mas em todas as outras cidades do mundo o amor deve ser feito assim, às pressas e como qualquer outro ato cotidiano – mas quando vejo aquelas multidões de seres acelerados se empurrando e correndo e incapazes de pensar sobre o que os motiva a ser assim tão acelerados, não consigo deixar de pensar sobre que tipo de amor eles fazem, como viverão quando, enfim, nenhuma pressa precisar existir.

Ou talvez não exista uma vida sem pressa para aqueles que moram em cidades como São Paulo. Marcados pelo signo da Aceleração, só assim se relacionam com o mundo: aos trancos e solavancos, pensando agora no que farão depois. É comum ver paulistanos falando que, após um final de semana em um sítio, sentem uma vontade incrível de retornar para o caos de suas avenidas e congestionamentos. Viciados em rapidez. Dependentes da velocidade.

Nem o mais exaltado futurista imaginaria pessoas como esses paulistanos.

5 comentários:

  1. Já lhe ocorreu que talvez alguns tenham tanta pressa justamente pela falta de amor? Ao contrário da sua sorte, para outros não há ninguém em casa a se deixar ou a esperar. Existe apenas uma urgência para o vazio.

    A lentidão da solidão nos é sempre inevitável e opressora. É permanente, sempre suficiente. Então a pressa de um dia lotado compensa as horas que nos são .indesfrutíveis.

    É quase como se fosse um equilíbrio, embora seja um tanto quanto atípico.

    ResponderExcluir
  2. Não vou arriscar uma resposta porque, sinceramente, pouco me importa o motivo das pessoas estarem com pressa.

    Poderíamos supor que se trata de um condicionamento social, ou de sinais de Kali-yuga, ou, como você propõe, da falta de amor... Dessas três possibilidades, a que mais gosto é de que se trata de um sintoma de Kali-yuga. As outras duas são BOOOOORING: a primeira porque parece papo de cientista social, e a segunda porque nas pessoas falta tanta coisa que é dificil dizer que uma deficiência seja a causa de suas desgraças.

    ResponderExcluir
  3. O Marco Aurélio diria que "é lícito não formar opinião a este respeito e não sofrer atribulações da alma; as coisas em si mesmas não têm natureza capaz de criar nossos juízos".

    Parabéns pelo texto, só não devemos esquecer nosso futurista exaltado da Paulicéia Desvairada.

    Pra mim só tenho que a Indústria Automobilística bateu o quinto recorde consecutivo no país, por dia é mais e mais gente tendo a oportunidade de se mover com ligeireza (ainda que saibam que ficarão parados), mas é mais confortável e aquela velha história.

    E, aqui, fazendo horas de meditação por dia, lendo poesia sem qualquer tostão furado e ainda assim não desejando qualquer tostão, tive uma sacada genial: uma formiga não pode carregar vinte vezes o peso dela? Portanto precisamos apenas de uma formiga de quatro quilos para nos levar de um lugar para o outro, é uma opção sustentável, deve ser bem fácil criar uma formiga desse tipo em laboratório, já que a China só em 2005 clonou quinze seres humanos; enfim, a brisa vai longe.

    Tu leste o Elogio ao Ócio, do Russel?

    ResponderExcluir
  4. Um amigo comentou que fizeram uma estatística da velocidade média de um carro em São Paulo, naquele horário gostoso que vai das 18h00 às 20h00. Compararam com a velocidade média de uma mula. Resultado: em São Paulo, no horário de pico, quem vai de mula chega mais rápido em casa.

    Eu daria um rim para ter uma formiga dessas.

    Não o li. Devo parar tudo o que estou fazendo e ir em busca dele?

    ResponderExcluir
  5. Tem na internet bem fácil de achar, Leandro, é tão interessante quanto um Elogio à Solidão, que lemos há tempos, eu o julgo um excelente texto, pois qualquer perspectiva de mundo distinta da que vivemos (e, nesse em particular, há um louvor ao lazer, à cultura, à boa índole, e uma crítica à sociedade palerma que se vê) deve ser louvada.

    Em outros termos, caso estiveres trabalhando, deves parar para ir ler;

    ResponderExcluir