9.30.2008

de la polifonía del que siempre suele decirlo todo antes que yo


Soledades


Ellos tienen razón
esa felicidad
al menos con mayúscula
no existe
ah pero si existiera con minúscula
seria semejante a nuestra breve
presoledad

después de la alegría viene la soledad
después de la plenitud viene la soledad
después del amor viene la soledad

ya se que es una pobre deformación
pero lo cierto es que en ese durable minuto
uno se siente
solo en el mundo

sin asideros
sin pretextos
sin abrazos
sin rencores
sin las cosas que unen o separan
y en esa sola manera de estar solo
ni siquiera uno se apiada de uno mismo

los datos objetivos son como sigue

hay diez centímetros de silencio
entre tus manos y mis manos
una frontera de palabras no dichas
entre tus labios y mis labios
y algo que brilla así de triste
entre tus ojos y mis ojos

claro que la soledad no viene sola

si se mira por sobre el hombro mustio
de nuestras soledades
se vera un largo y compacto imposible
un sencillo respeto por terceros o cuartos
ese percance de ser buenagente

después de la alegría
después de la plenitud
después del amor
viene la soledad

conforme
pero que vendrá después
de la soledad

a veces no me siento
tan solo
si imagino
mejor dicho si sé
que mas allá de mi soledad
y de la tuya
otra vez estás vos
aunque sea preguntándote a solas
que vendrá después
de la soledad.

Mario Benedetti, poeta, contista e ensaísta uruguaio nascido em Paso de los Toros, em 14 de setembro de 1920. Sua extensa obra foi traduzida em mais de 20 idiomas diferentes. No Brasil, seus livros são encontrados com razoável facilidade.

9.23.2008

Da sutileza de certos desejos

Não sabia como tudo aquilo começara mas de repente viu-se metido dentro do bolso de uma calça. Acuava-lhe um muro feito de jeans escuro, o corpo levemente espremido em tão diminuto espaço, os desesperados bracinhos empurrando a parede-tecido, enquanto esperneava desajeitado para iniciar a escalada e descobrir do bolso de quem se tratava. Os dedinhos-grãos-de-arroz agarravam com firmeza a borda do bolso, fez força incrível, e a minúscula cabeça eleva-se lentamente daquela curiosa toca, mostrando ao mundo olhinhos medrosos que espantados miram a tudo maravilhados, aturdidos, quase lacrimando, pontinhos verdes aqueles olhos arregalados num rosto lívido-leitoso.
E via um mundo enorme de coisas enormes que se espalha sem fim para todos os lados. Carros do tamanho de caminhões, caminhões do tamanho de prédios, prédios que não cabem nas ínfimas medidas de M., que forçado por fortuitas forças passeava pela cidade naquele bolso anônimo tomado por um sentimento de confusão.
É como se agora cronópio fosse mas, disso tinha certeza, não era um personagem, e havia mil lembranças que o abasteciam com provas muitas. Era um homem, oras bolas, e não aquilo, curiosa micromutação cujas razões desconhecia. E enquanto a perplexidade perante seu novo estado atormentava-lhe o espírito, M. continuava com a cabecinha para fora do bolso, atento ao mundo enorme que com seus olhos-pontinhos via, tremendo de medo quando um novo transeunte passava perto de sua morada-prisão: desagradava-lhe a idéia de após uma desajeitada trombada, destas que na Paulista ocorrem aos montes, sucumbisse tal como inseto esmagado, a manchar com uma pasta de sangue e ossinhos partidos a calça que o carregava cativo. Era preciso sair dali, ir embora daquela cela-tecido. Curvou o pescocinho para baixo, óculopercorrendo o trajeto que no bolso começava e ia até a barra da calça. A uma altura daquelas, pular seria um suicídio. Mas ali permanecer também seria, e embora não tenhamos notícias de casos de encolhimentos súbitos como o de M., não é possível que alguém receba com simpatia um homem de cinco centímetros no bolso da calça. O previsível gesto de boas-vindas é um grito acompanhado de uma mão nervosa dando tapas naquela coisa sem nome que ali apareceu; talvez, controlando o medo inicial, o proprietário do bolso quisesse inspecionar a curiosa coisinha e ter certeza de que seus olhos não se tinham colocado em engano; traria para perto do rosto aquela criatura diminuta que se debate agitada, então capturada por dedos em pinça; ainda mais assustado o observador do que o observado, só minutos depois dessa tortura visual decidir-se-ia a fazer algo, por exemplo guardar o monstrinho em um pote para exibir aos amigos. Se fosse ainda mais vulgar, esqueceria as leituras de Debord e investiria no espetáculo, expondo o seu achado em noite bizarra no Gran Rex. Os donos da casa hábeis seriam em alimentar no público o interesse para ver a prova viva-vivíssima de que Cortázar falava sério, en esta noche el Gran Rex hará Corrientes brillar aún más con la primera presentación de catala nunca vista por ojos humanos, bailada por un auténtico cronopio Seria obrigado a sapatear e balançar o débil corpinho a noite toda, sob ameaças de um mata-moscas bem seguro nas mãos do dono do bolso, que seria seu algoz ou empresário, palavras sinônimas. Vendo por este lado, a trombada fatal com um transeunte mostra-se uma alternativa menos sofrida, bastaria um encontrão para a rápida morte, como um atropelamento de um cão por um ônibus cheio. Torna-se-ia a citada mancha de sangue e ossinhos partidos, uma meleca rubra, uma coisinha à-toa que não se sabe de onde veio, apenas está ali, sujando e sendo impertinente.
É importante o leitor saber que no momento em que olhou do alto de seu bolso-prisão, M. pode ver os pés de quem o levava clandestino consigo - pés que calçavam sapatos femininos, delicados sapatos femininos. Isso o deixou mais contente, afinal partilhar da intimidade de um bolso de mulher é mais agradável do que fazê-lo em qualquer outro bolso; ressalva apenas para a ingenuidade de M., já que o uso de sapatos femininos, nos tempos atuais, não é exatamente uma exclusividade das fêmeas. E a este pensamento estranho, o julgar-mais-agradável-um-bolso-de-mulher, deve ser creditado unicamente ao irreparável espírito conquistador de M., sempre pronto a arremessar-se em aventuras, mesmo as mais irresponsáveis, aquelas que exigem sacrifícios, longas esperas por longos invernos, cartas molhadas de lágrimas e todos os ridículos expedientes dos que insistem em amar, mesmo que abundem os exemplos a comprovar o quão ingrato tem sido o Amor com aqueles que o servem. A fuga do bolso-prisão, de repente, tornara-se um plano esquecido, antigo; a curiosidade, mãe do Progresso, mas também da Desgraça, em M. acendia um absurdo desejo; e se segundos antes queria ir embora dali, agora tencionava saber quem era aquela que o carregava consigo. E ainda apoiando-se na borda do bolso, virou o pescocinho para cima. Mas impossível definir desse modo o rosto dela: o leitor que, ao andar, mire o bolso da própria calça e imagine a visão que dali se tem. O que conseguiu apenas foi vislumbrar uns fios de cabelos dourados, um pedacinho do queixo, as sinuosas curvas dos seios que despertavam mais atenção do que qualquer cabelo ou queixo, previsíveis os homens e suas vontades, mesmo quando reduzidos a cinco centímetros. Seja como for, sentiu-se mais tranqüilo, e deixou-se ficar naquele bolso, com os olhos-pontinhos ainda mais atentos, sem temer os transeuntes, os barulhos sem fim, as portas das lojas, as árvores, o caos da cidade em suas horas luminosas. Quantas mil possibilidades de penetrar no universo secreto de uma mulher teria com aquela sua nova nano-estatura. No momento oportuno escaparia de seu cela-tecido, vasculharia as bolsas dela, aprenderia seus segredos, comeria as balas deixadas ali por precaução. Organizaria as moedas, preciosos discos de metal, e passaria muitas horas lustrando-as, magníficas seriam as moedas dela. A recompensa seria os passeios clandestinos em um bolso da calça, a comunhão secreta dos enigmas femininos, desvendados um a um por uma cautelosa invasão de privacidade, feita de artimanhas e jogos, sem tréguas. Deixaria bilhetinhos secretos, pequenos poemas de cronópio apaixonado, entre as cédulas da carteira dela. Cheia de surpresa ela sorriria, ainda sem saber o que pensar a respeito daqueles papeizinhos marotos que se multiplicavam, e ainda mais intrigada com as rosas vermelhas colocadas vez por outra nos bolsos de suas roupas preferidas.
**********
Assistiam a um filme na sala. Ela acabou dormindo sobre as coxas de M. Passeou as mãos sobre os lisos cabelos dourados dela. Com cuidado, a carregou adormecida para o quarto. Colocou-a na cama, sentando-se ao lado. Ela despertou, olhos confusos.
- O filme acabou?
- Sim. Você dormiu. Te trouxe pra cá.
Ela estendeu os braços, puxando-o lentamente para si. M. curvou-se. Ela falou baixinho:
- Por que não me acordou?
- Não quis, você dormia tão profundamente.
Beijou-lhe o rosto, bocejando sonolenta.
- Teve uma hora que você riu
- Ahn?
- Quando você dormia. Você riu. Lembra?
- Não muito bem... Sonhei com várias coisas, inclusive você.
- O que eu fazia?
- Não sei bem, mas tinha algo a ver com minha calça.
- Gosto delas, principalmente quando não estão em você.
Ela riu do gracejo cafajeste, dando-lhe um tapinha de reprovação no braço. Disse a M.:
- Se eu pudesse, te carregava sempre comigo, como um chaveiro.