M. andou por muitas horas. Era sua terapia quando estava ansioso. Comprou para ela um lindo colar que há tempos prometera. Nem pensou em embrulhar: colocou no bolso da bermuda e fez o caminho de volta. Tinha ido muito longe, o caminho de volta seria fatigante. Mas era um daqueles dias onde fazemos coisas idiotas, e M. sabia disso mais que ninguém.
Por que dar um presente desses quando tudo agora é cinzas, pensou. Era uma pergunta importante, mas M. sabia que a resposta poderia ser qualquer uma, até mesmo uma resposta dada em forma de engano: saudade, desejo de criar uma fantasia, dívida com o passado que insiste em voltar. Ela nunca acreditara nele mesmo. Se não acreditasse na sinceridade daquele presente, era apenas mais uma incredulidade de mulher. Afinal, ele era um homem, e segundo o catecismo feminino homens são seres que mentem usando palavras cobertas com açúcar. Saber que ela pensava assim o fazia sofrer, e ela, quietinha, também ao seu modo sofria. Mas quando M. mirava aqueles olhos cheios de brilho e falava "gosto de você, menina", a sua alma era só emoção e nas suas palavras só existia verdade.
E era a verdade deste sentimento que o fazia mexer no bolso da bermuda e apalpar o colar. Ansioso como nunca, ia mais rápido para a casa dela. Queria entregar o presente, queria beijá-la mais uma vez, sentir o calor de um abraço que já conhecia, mesmo que fosse para nunca mais. Era um dia comum em São Paulo, com seu ar tórrido de rush e buzinas e gente cheirando a estresse - mas graças à ansiedade de M. as avenidas eram como corredores de um sonho e as pessoas desfilavam em harmonia abrindo-se em seu caminho.
E na casa dela, M. tira o colar do bolso e mostra cheio de orgulho. Demorou pra achar um do jeito que você falou, mas enfim encontrei. Ela agradece, voz baixinha, misturando um pouco de timidez com uma dose generosa de alegria. Aproximam-se, pé ante pé, parece que vão se beijar pela primeira vez, assim é o beijo dos apaixonados, carregam os mistérios de Vênus na tensão que o antecede. Mas enfim não se beijam, apenas se abraçam, e é um abraço que parece poesia, o rosto de M. mergulhado no perfume dos cabelos dela, e a face de menina-mulher brilhando feliz ao sentir o másculo amplexo. Minutos infinitos eles ficam ali, absolvidos na emoção do reencontro, afogados no momento que querem a todo custo reter e fazer gelar, e sabem que não vão conseguir, que terão que se soltar e encarar-se; e a vida, que em momentos atrás parecia um sonho vivido, vai esbofetear o rosto destes dois apaixonados e fazê-los acordar. Mas até lá, M. ficará mergulhado naqueles olhos feitos do mais doce brilho, e vai dizer novamente “gosto de você, menina” - e ela, desta vez, vai acreditar.
Le, são seus textos não sei ao certo se são para serem comentados. São para serem absorvidos e sentidos.
ResponderExcluirVocê diz que a sensibilidade está sempre presente nas coisas que eu faço. Este seu último texto, tranborda-a.
Beijinhos
Ah, e respondendo seu comentario
ResponderExcluir"pula, sai do chão é o bonde da ocupação..."
heheheh