"Os anos onde eu capturei as imagens interiores foi o mais importante período da minha vida. Todo o restante [da minha obra] derivou daquilo. Começou naquele período, e os detalhes posteriores são quase sem importância. Minha vida inteira consistiu em elaborar o que irrompeu do inconsciente e inundou-me como um fluxo enigmático que ameaçou me quebrar. Aquilo foi o tema [para minha obra] e material para mais de uma vida. Todo o restante foi apenas a classificação objetiva, a elaboração científica e a integração na vida. Mas o início numinoso, que continha tudo, foi naquele então. "
Estas foram as palavras de Jung a respeito de Liber Novus, o livro onde o autor registrou o assim chamado "confronto com o inconsciente". Mergulhando em um processo de isolamento e semi-ascetismo, Jung iniciou uma auto-exploração dos limites de sua psique, cristalizadas nas páginas desta obra inédita, escrita durante os anos 1914 e 1930.
Não é, nem de longe, um livro comum: trata-se de uma obra de arte. Jung não apenas escreveu sobre como também nos legou um registro pictórico do "confronto", com belíssimas e perturbadoras ilustrações onde motivos nórdicos, hindus e de diversas outras culturas misturam-se em uma atmosfera alucinante. Cada página é um convite para a investigação lenta e deliciosa dos detalhes da obra - ou pelo menos é isso o que posso adivinhar ao contemplar alguns excertos em PDF que a Philemon Foundation deixou disponível em seu site.
O "Livro Vermelho" foi lançado no último 9 de outubro pela editora americana W.W. Norton & Company, em uma edição fac-similada que reproduz fielmente o mais importante livro de Jung. Tudo foi preservado: cores, tamanho do livro, acabamento em couro vermelho na capa. São 404 páginas de primor editorial que custam US$ 195.
O inconsciente coletivo, os arquétipos, o processo de individuação e outros conceitos junguianos estão esboçados nas impressionantes páginas deste livro que, mesmo sem nunca ter sido publicado, já pode ser considerado um dos mais influentes do século XX.
E como no blog O Livreiro, fica no ar a questão: no Brasil, teremos uma edição digna deste livro? Pois para mim parece claro que o projeto editorial de uma obra é também parte da obra. Publicar os textos do Liber Novus sem suas ilustrações (ou com ilustrações em tamanho reduzido, ou em p&b) seria o mesmo que publicar quadrinhos do Crumb apenas com os diálogos.
Pelo valor que a edição americana tem, dificilmente veremos este livro editado por aqui. [NOTA DO EDITOR: o livro foi lançado no Brasil pela Editora Vozes em uma edição caprichadíssima, que não deixa nada a desejar comparando com a original. O preço gira em torno de R$ 480,00 e isso está longe de ser barato, todavia o primor editorial é tão alto que até é possível justiificá-lo. O restante do post segue tal e qual publiquei em 21/10/2009, porque acho que ainda permanece válido]
Os custos de produção de edições fac-similadas são muito altos, ainda mais para tiragens reduzidas - e para um livro como este, preciso dizer que a tiragem seria reduzidíssima? Segundo um amigo que trabalha no ramo editorial, a Editora Record, uma das maiores do Brasil, chega a ter tiragens de 300 cópias em alguns lançamentos. Tiragens maiores são obviamente mais caras, mas com custo individual menor. Porém, a chance de encalhar muitos livros aumenta. Assim, as editoras optam por tiragens reduzidas, que representam menos chance de encalhe, mas com preço por unidade mais alto. Resultado: em um país que lê pouco, quem quer ler paga caro.
Os custos de produção de edições fac-similadas são muito altos, ainda mais para tiragens reduzidas - e para um livro como este, preciso dizer que a tiragem seria reduzidíssima? Segundo um amigo que trabalha no ramo editorial, a Editora Record, uma das maiores do Brasil, chega a ter tiragens de 300 cópias em alguns lançamentos. Tiragens maiores são obviamente mais caras, mas com custo individual menor. Porém, a chance de encalhar muitos livros aumenta. Assim, as editoras optam por tiragens reduzidas, que representam menos chance de encalhe, mas com preço por unidade mais alto. Resultado: em um país que lê pouco, quem quer ler paga caro.
O post começou feliz pelo lançamento do Jung e terminou amargo. Não consigo concluir nada: apenas releio o que escrevi e vejo um emaranhado de problemas. E de tudo isso, fica uma nota mental: arranjar 195 dólares e um amigo legal que vá de férias para Nova York. economizar para comprar a primorosa edição nacional lançada pela Vozes.
(uma imagem do Livro Vermelho, e com certeza a única imagem em cores deste blog, em respeito ao projeto editorial da obra.)