2.10.2016

"Anarquismo, crítica e autocrítica", de Murray Bookchin - um resumo


Publicam-se muitos livros, mas poucos são aqueles que realmente são relevantes. Contam-se nos dedos aqueles que captam, ainda que migalhas, as misérias nossas contemporâneas, oferecendo-nos uma nova e instigante visão das coisas. Se essa nova visão é instigante e capaz de produzir debates e efervescentes polêmicas, estamos diante de uma obra desse tipo. Agora se essa obra não gera apenas debates, mas desavenças e convulsões; se coloca em cheque certezas solidificadas e as torres de marfim intocáveis de certos intelectuais; se essa obra não apenas enfia a faca no corpo de seu oponente (escrever também pode ser uma declaração de guerra) mas a gira diversas vezes, com a intenção de ir mais profundamente na lógica dos argumentos, então estamos diante de um livro não apenas relevante, mas de um livro necessário, cuja leitura é premente para compreender e se posicionar no mundo.

"Anarquismo: crítica e autocrítica", lançado pela Hedra em 2011, é um desses livros. Reunindo dois textos do norte-americano Murray Bookchin (1921-2006), traz ao leitor brasileiro uma série de questionamentos sobre a relevância das táticas que a esquerda (no geral) e o anarquismo (no particular) utilizam para enfrentar o capitalismo, em seu estágio de hegemonia global praticamente absoluta. Os textos - "A esquerda que se foi" e "Anarquismo social ou anarquismo estilo de vida: um abismo intransponível" - foram publicados há mais de 20 anos (1991 e 1995, respectivamente) e geraram uma enorme onda de ataques contra Bookchin, vindos sobretudo de anarquistas, que chegaram a dizer que ele estava louco e sofria de complexo de superioridade. Quando as críticas a um autor começam a se resumir a evocações de patologia, em geral vale a pena ver o que ele tem a dizer, mesmo que seja para ler absurdos. Não é o caso de Bookchin: chamá-lo de mentalmente perturbado foi uma atitude infeliz e que colocou em certa obscuridade um autor que tem muitas coisas interessantes para dizer. 

Apesar dos textos presentes no livro terem mais de duas décadas de existência, conseguem ser violentamente atuais, especialmente para nós aqui no Brasil, onde o debate político tem cada vez mais acirrado as posições ideológicas e a direita, com uma esperteza fenomenal, tem conseguido arregimentar mais e mais seguidores. Pior que isso: palavras como "revolta", "rebelião" e "dissidência", antes comumente associadas àqueles que estavam à esquerda do espectro político, estão hoje no vocabulário padrão dos defensores de intervenção militar e do slogan "Deus-Pátria-Família". Ser revoltado hoje no Brasil não é lutar contra o Estado, a polícia, o racismo e a propriedade privada: o "contestador", o sujeito "que mete a real", o que "critica o sistema" é aquele que defende a pena de morte, é a favor das privatizações e acredita que estamos em pleno regime comunista. É sintomático que o maior movimento pró-impeachment tenha o nome de Revoltados Online, algo impensável para um grupo de direita nos anos 80 e 90.

Socialmente, a primazia da revolta - vamos deixar de covardia e afirmar de vez - não está mais na esfera das forças da esquerda, mas sim com os Almeidinhas e Constantinos da vida.

Vou comentar brevemente alguns pontos que considero como os mais relevantes nos dois ensaios do livro. Lê-lo me ajudou muitíssimo a avaliar a atuação da "esquerda" em nosso país, que muitas vezes oscila do bom mocismo hippie inofensivo à inconsequência niilista espetaculosa de quebrar qualquer coisa à sua frente sob pretensas alegações revolucionárias, passando por um governismo vergonhoso que, com muitíssima boa vontade, pode-se caracterizar como centro. É uma leitura para todos os desgarrados que não abraçam os slogans fáceis da despolitização que considera todas as facções políticas como rigorosamente iguais (um caminho perigoso e mesquinho) nem muito menos os coxinhas da "nova direita" (e não nos deixemos enganar nem por um segundo: ela não tem NADA de novo, é a mesma e velha Casa Grande só que agora com iPhone na mão e trabalhando em agências de publicidade), e tampouco conseguem se imaginar ao lado de delirantes militantes do PCO ou de apalermados de centro estudantil. É necessária uma mudança, uma radical mudança, e as cartas que estão na mesa agora não são todas as que existem no baralho.

Falemos do autor e do livro, então.

Bookchin começou sua trajetória intelectual nos centros trotskistas e, portanto, sua formação tem muito do pensamento marxiano. Sua migração gradativa para o anarquismo proporcionou-lhe refletir sobre quem desempenha, no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, o papel de sujeito revolucionário. Ora, sabemos que no marxismo clássico esse sujeito é o proletariado, o trabalhador assalariado das fábricas. Seria através desse sujeito revoltado contra o capital, que lhe impunha uma existência repleta das mais horrendas privações, que se iniciaria a revolução; tomariam o poder e os meios de produção, implantando o socialismo e preparando assim o futuro para uma sociedade sem classes.

Bookchin, tiozinho simpático
Bookchin - veja, já nos anos 1950! - via essa tese como superada. Não que acreditasse que a revolução tinha se tornado impossível ou que uma sociedade sem classes fosse mera utopia. Pelo contrário: ao invés de circunscrever o papel de sujeito revolucionário somente ao proletariado, ele amplia seu espectro por um prisma ecológico, colocando o capitalismo como um sistema insustentável em si mesmo que, com sua sede faustiana de lucro infinito, não condena apenas os trabalhadores a uma situação existencial deplorável mas compromete a própria existência do planeta. A exploração capitalista dos recursos naturais com o objetivo de alcançar lucros cada vez maiores termina por esgotar esses recursos, causando desequilíbrios ambientais sem precedentes, afetando diretamente todos os seres, humanos e não-humanos. Assim, o local de trabalho perde sua validade como palco principal da opressão capitalista, espraiando-se pela vida como um todo, o que é incrivelmente mais nefasto. Tal conjuntura pede então uma atualização do sujeito revolucionário, que para Bookchin deixa de ser o "proletariado" para se tornar a "comunidade", as "pessoas". A releitura faz sentido: a mecanização do trabalho que diminuiu bruscamente a necessidade de mão-de-obra humana, o onipresente uso das tecnologias da informação, a diversificação das "profissões criativas" (designers, estilistas, redatores, etc) e o crescimento exponencial do setor de serviços transformou uma antes mais ou menos homogênea "classe trabalhadora" em uma miríade de subgrupos - todos, sem exceção, com a bota da opressão capitalista esmagando suas faces, agora mistificada por sutilezas como participações em lucros e resultados (meramente simbólicos perto dos ganhos dos acionistas), horários flexíveis (que em geral os fazem trabalhar mais) e infantilidades fúteis como doces grátis e mesa de ping-pong no escritório para criar um "clima descontraído". Somemos a isso aqueles atores do grande circo das opressões que estão à margem do trabalho, como moradores de rua, nóias, traficantes, travestis, prostitutas, etc - enfim, o velho lúmpen, agora hipertrofiado pela abundância dos grandes centros, nas beiradas da sociedade de consumo e servindo como bucha de canhão para o endurecimento dos sistemas repressivos e, ocasionalmente, realizando as piores e mais degradantes tarefas. Os capachos necessários para a polícia exercer a brutalidade que faz regozijar o morador dos bairros de elite, os corpos para as orgias festivas onde empresários de terceira idade comemoram seus acordos milionários, os fornecedores de aditivos químicos para playboys virarem a noite em boates cheia de gente branca e cafona.

Dentro dessa visão de que o sujeito revolucionário deixa de ser "o trabalhador" para ser "a comunidade", Bookchin defendeu que o sindicalismo é um modelo que deve ser superado. Para ele, as comunidades deveriam se organizar e - aí começa a sua grande polêmica com os anarquistas - participar das estruturas de poder municipais, inclusive entrando em eleições com uma plataforma que reivindicasse a democracia direta por meio de assembléias populares, de modo que as decisões dos municípios fossem tomadas em primeira mão por aqueles que diretamente vivenciam seus problemas. Segundo ele, a administração municipal é, assim como a polícia, a cara mais imediata do Estado na vida das pessoas. Muitas decisões importantíssimas que afetam nosso cotidiano passam pelas decisões da prefeitura – por exemplo educação infantil pública, uma responsabilidade municipal, que decide como e quando aplicar os recursos recebidos do poder estadual.

Obviamente a tese de Bookchin foi recebida pelo movimento anarquista tradicional com severas críticas. Como um anarquista se propõe a entrar no jogo partidário, participar de eleições e aceitar as instituições políticas burguesas, ainda que municipais? Cito integralmente o trecho onde Bookchin faz uma defesa de seu municipalismo libertário:

“[o município] constitui a base para as relações sociais diretas, democracia frontal e a intervenção pessoal do indivíduo, para que as freguesias, comunidades e cooperativas convirjam na formação de uma nova esfera pública. (...) A partir do momento em que os municípios se federem para formar uma nova rede social; que interpretem o controle local com o significado de assembléias populares livres; que a autoconfiança signifique a coletivização dos recursos; e que, finalmente, a coordenação administrativa dos seus interesses comuns seja feita por delegados – não por “representantes” – que são livremente escolhidos e mandatados por suas assembléias, sujeitos a rotação, revogáveis, e as suas atividades severamente limitadas à administração das políticas sempre decididas em assembléias populares – a partir deste momento os municípios deixam de ser instituições políticas ou estatais em qualquer sentido do termo. A confederação destes municípios – uma comuna das comunas – é o único movimento social anarquista de ampla base que pode ser vislumbrado hoje, aquele que poderá lançar um movimento verdadeiramente popular que produzirá a abolição do Estado. É o único movimento que pode responder às crescentes exigências de todos os setores dominados da sociedade para dar poder e propor pragmaticamente a reconstrução de uma sociedade comunista libertária nos termos viscerais da nossa problemática social atual – a recuperação de uma personalidade poderosa, de uma esfera pública autêntica e de um conceito ativo e participatório de cidadania.”

Bookchin curtindo uma bad vibe sinistra
Bookchin também criticou, e em termos muito duros, o que chamou de “anarquismo estilo de vida”, ou simplesmente anarco-individualismo. Seu precursor, Max Stirner (1806 – 1856), escreveu um verdadeiro programa dessa tendência em “O único e sua propriedade”. Para Stirner, a liberdade individual é um absoluto; qualquer tipo de constrangimento ao seu exercício, uma tirania. Exerceu uma influência praticamente nula no combativo movimento operário de sua época, granjeando adeptos nos meios boêmios urbanos de Londres, Paris e Berlim, com reivindicações de liberdade sexual, inovações na arte e questionamentos sobre comportamentos e opressões morais. Seus seguidores são os precursores de toda a contracultura originada com os beatniks nos anos 50, e que alcançaria seus auge magnífico no Maio de 68 para depois, de decadência em decadência, ser cooptada pelos tentáculos do capitalismo até se transformar em uma bem diversificada seção no mercado das rebeldias juvenis, cada uma com seu próprio uniforme (góticos e suas roupas pretas, punks e seus moicanos, hippies e suas saias, etc), sua coleção particular de ídolos e seu jeito “único” de ser. É sintomático, inclusive, que a ênfase na liberdade individual nas contraculturas pós-68 se manifeste justamente no momento em que os movimentos de esquerda deixam pouco a pouco as bandeiras de radical transformação social em segundo plano, quando não totalmente esquecidas. O ativismo cultural, assumindo por vezes uma tonalidade hedonista e espetaculosa, torna-se uma atividade em si mesma, não raro uma pregação para convertidos que não representa risco algum para a ordem capitalista: as demandas tornam-se exclusivamente por direitos dentro da ordem, uma acomodação de “minorias” na legalidade e no universo do consumo. As próprias táticas de luta desse tipo de ativismo inclui, muitas vezes, a prática do boicote, isto é, não consumir certos produtos/serviços sob alegação de que o seu produtor participa/colabora com atitudes que o ativismo combate (casos como Zara e trabalho escravo, Barila e homofobia, etc) – ou seja, é uma ação que se dá exclusivamente pela relação consumidor-empresa. Sua validade é altamente questionável: os departamentos de marketing dessas empresas seguem o mantra “o consumidor é rei”, que esse personagem abstrato é quem determina que tipos de produtos e comunicação devem ser empregados. O Mc Donalds já tem lanches veganos faz anos em seu cardápio, e se o consumo de carne for paulatinamente decaindo, não há dúvidas que o cardápio vegano será ampliado. A Zara, após os incidentes, fez um pedido de desculpas e criou uma linha telefônica para denúncias de trabalho escravo – atitude que mais parece um tosco veja-fizemos-a-nossa-parte para todos voltarem, com a consciência tranquila, a comprar suas caríssimas roupas.

Outra tendência contemporânea do anarquismo que recebeu golpes duríssimos de Bookchin foi o primitivismo. Essa tendência, que tem em John Zerzan um de seus mais conhecidos expoentes, tem como tese fundamental que “a civilização” é um mal em si mesmo e que deve ser superada. Assim, todas as conquistas da civilização – agricultura, linguagem, ciência, tecnologia, artes, etc – devem ser destruídas para que o homem novamente viva em seu estado primordial de caçador-coletor, sem hierarquias e não exercendo poder sobre outras criaturas humanas ou não-humanas. Os primitivistas defendem que o estágio civilizatório atual é um desvio na história da raça humana, um brevíssimo período para uma espécie que já existe há mais de 2 milhões de anos e que, nessa trajetória, viveu a maior parte do tempo em “harmonia” com “a Natureza”. Superar a civilização não é apenas desejável, mas também necessário: o estilo de vida por ela inaugurado – com produção agrícola, domesticação de animais, especialização do trabalho e crescimento tecnológico – terminará por fatalmente destruir todo o planeta.

Bookchin jogando um Counter Strike entre uma crítica e outra
Bookchin ridiculariza esse ponto de vista como sofrendo de uma nostalgia edênica que não pode ser levado a sério. Zerzan, a revista Fifth State e outros atores do pensamento anticivilização interpretam as estruturas opressivas das sociedades humanas contemporâneas como intrínsecas à civilização, obscurecendo a natureza específica dessas estruturas, que são capitalistas. Uma vez obscurecidas, não são devidamente confrontadas e, pior que isso, quase naturalizadas. Tecnologia, agricultura, linguagem, etc, enfim, todas as criações da civilização não são naturalmente opressivas, como reza o credo primitivista, mas é o uso que delas se faz, socialmente determinado, que as torna opressivas. E especificamente sob o capitalismo, a exploração do homem sobre o homem ganha cores mais fortes e uma escala e padrões globais. Tecnicamente mais avançados do que em qualquer outro período, e com um nível de consciência ecológica igualmente inédito na História, sob o capitalismo criou-se condições concretas de propiciar uma vida superior para a imensa maioria das pessoas – e é sob novas relações sociais organizando o uso da tecnologia, da agricultura, etc que isso se dará, e não com a destruição desses avanços.

Cito Bookchin:

“Crucial é que a regressão do primitivismo dos anarquistas de estilo de vida nega o mais destacado atributo da humanidade enquanto espécie e os aspectos potencialmente emancipatórios da civilização euro-americana. Humanos são muito diferentes de outros animais, na medida em que fazem mais do que meramente adaptar-se ao mundo à sua volta; humanos inovam e criam um mundo novo, não só para descobrir seu próprio poder como seres humanos , mas para fazer o mundo ao seu redor mais adequado ao seu próprio desenvolvimento, tanto em termos de indivíduo, quanto de espécie. Ainda que a capacidade de transformar o mundo esteja distorcida na sociedade irracional de hoje, ela é um dom natural e um produto da evolução biológica humana – não só um produto da tecnologia, da racionalidade e da civilização. O fato de pessoas que se dizem anarquistas defenderem um primitivismo que beira o animalesco, com sua mal-disfarçada mensagem de adaptação e de passividade, é uma vergonha diante de séculos de pensamento, práticas e ideais revolucionários; isso difama as memoráveis tentativas da humanidade de se libertar do provincianismo, do misticismo, da superstição, visando transformar o mundo.”

A proposta primitivista é cativante. Força-nos a pensar, de modo radical, a nossa relação com a Natureza. Ela direciona um olhar desconfiado perante todas as comodidades do dia-a-dia que nós, especialmente os moradores de grandes cidades, estamos acostumados a ter em tal nível que nem conseguimos imaginar como seria a vida antes de sua existência. Jamais negarei o valor de questionamentos desse tipo e sou um entusiasta ilimitado de todo e qualquer pensamento crítico em relação ao desastre da era moderna. Os que buscam modos de vida à margem do consumo e em comunidades mais ou menos isoladas, vejo-os como indivíduos de coragem exemplar, que venceram os encantos da Hidra Neoliberal e seus milhões de confortos e prazeres. A eles brindo,  hoje e sempre. Mas o supremo “não!” que eles dizem tem embutido também um certo sabor da derrota de todos os sonhos e esperanças coletivas: se a revolução se resume agora a deixar de trabalhar e viver do lixo dos outros, a negar “a civilização” mas continuar usando computadores e todas as suas facilidades, e os que não embarcam nesse jogo hedonista são vistos como parte do problema, então não falemos mais de solidariedade ou justiça, mas simplesmente de méritos e conquistas – o que tornaria os adeptos do pensamento anticivilização mais próximos do discurso empresarial do que do revolucionário.

Outras tendência que mereceu críticas ferozes de Bookchin foram os pacifistas. As atuais demandas sobre controle de armas para civis como forma de “promover a paz”, defendidas inclusive por muitos setores da esquerda, soariam como abomináveis para os anarquistas e revolucionários do século XIX. Naquele então, era mais do que claro que armar o povo, treiná-lo e capacitá-lo para atuar como milícia era vital. Isso se justificava de modo intransingente: o monopólio da violência não deveria pertencer ao Estado. O sentimento antimilitar era fortíssimo, mas jamais veríamos imagens de rifles quebrados ou posicionamentos favoráveis ao desarmamento da população. Hoje, quando surge alguma personalidade defendendo o direito de portar armas, a esquerda em geral cai matando em cima com as alegações de “fascista”, “mais amor por favor” ou algum meme engraçadinho para “lacrar” a discussão. A defesa do uso de arma é vista, sempre, como violenta em si mesma e como tendência ao militarismo, o que são – sempre foram, segundo Bookchin – coisas completamente distintas. Enquanto o berreiro antiarmas segue forte, o “outro lado” procura se armar... [ATUALIZAÇÃO de 2018: escrito há quase três anos, na época de sua concepção Bolsonaro era ainda um palerma qualquer. Sua candidatura recente deveu-se, em muito, à defesa do porte de arma, sob uma ótica completamente fascista].
Bookchin, mocosado

O livro fecha com a questão do reformismo versus revolução. Hoje em dia, a defesa de direitos trabalhistas tem muito de governismo (quando este não corta direitos, claro) ou participação de partidos que desejam abocanhar uma parcela de poder e somente isso. Era diferente com os revolucionários do século XIX, que entravam na luta por reformas como uma forma de mostrar o fracasso do sistema atual, além de garantir condições menos humilhantes para os trabalhadores de então – tudo isso sem jamais tirar do horizonte a superação do sistema capitalista. A reforma era demandada, portanto, como uma tática para um objetivo mais amplo. Faz sentido: ao invés de esperar uma revolução que tornará todos iguais (e que ocorrerá em um futuro incerto e via de regra distante) garantia-se uma situação melhor aqui e agora, especialmente para quem estava em piores condições. Entretanto a demanda por reformas, que deveria ser o preparo da corda que futuramente estrangularia o capitalismo, terminou por enroscar-se no pescoço da própria esquerda, levando-a a adotar de modo irrestrito a prática do mal menor e conduzindo-a “a um pântano liberal de humilhações e concessões infindáveis” – a imagem do Paulinho da Força Sindical é o que me veio imediatamente à cabeça quando li isso pela primeira vez.

As perspectivas para as lutas sociais em 2016 seguem sombrias. Sob pretextos de superar a crise, novos assaltos aos direitos das pessoas serão realizados. A Hidra Neoliberal, mais do que nunca, vai apertar de todos os lados. A leitura de Bookchin ajuda a refletir sobre a atuação da esquerda nesse contexto, e especialmente para nós, aturdidos por tantos batedores de panelas fãs de policiais, é um convite para repensar as táticas e estratégias. Não há respostas fáceis, mas claro está enquanto o poder de convencimento de um Bolsonaro for superior ao de um Guilherme Boulos, estaremos fodidos.