A vida humana é um poço sem fundo feito de decepções e desencontros. Decepção com os outros e com nós mesmos, desencontros com outros e principalmente com nós mesmos. Buscamos o prazer da companhia alheia apenas porque tememos a solidão - não há o amor, o amor que os poetas cantaram é uma ilusão adocicada que nunca existiu. Em outras palavras, o que nos move para os braços uns dos outros é um desejo de se perpetuar, seja com a insanidade do nascimento, seja com a produção do sentimento de saudade - não importa, o substrato é o mesmo, a vontade de continuar existindo, seja no corpo da criança, seja nos pensamentos de alguém que chora. Vaidade das vaidades, estamos sempre ajoelhados frente a algo que nos deixa em polvorosa, em uma contraditória atitude de contemplação feita de uma matéria inquieta, incessante, até que o nosso olhar encontre um deus diferente, que nos faça sentir tédio de ali estar, e não sem esforço - porque a natureza complexa de nosso íntimo mistura ambos os venenos da agitação e do comodismo - levantamos para ir em direção ao templo de um novo deus que faça a nossa vaidade pulsar em um ritmo mais instigante. Somos isso, um amontoado de paixões cruas que não merece sequer uma lágrima quando enfim deixarmos o universo livre de nossa desnecessária presença. Entretanto, gostamos de acreditar na nossa importância que é nenhuma, nos esforçamos para continuamente provar algo que não somos, até chegar ao nível do mais completo ridículo. É esse o ponto em que me encontro agora, com os olhos bem abertos, com esse sorriso falso mostrando ao mundo a alegria que me exigem, para mostrar aos outros que tudo está bem, não se preocupem, se estou rindo é porque afinal não há nada de errado, que me deixem em paz com meu sorriso, nada peço a não ser o vosso perpétuo e imediato virar de costas para meu sorriso, onde observarei o seu corpo indo para cada vez mais longe de mim e então meu sorriso aumentará, será um enorme e vitorioso sorriso, será quase sincero, e já estarei esquecido do motivo que me fazia sorrir falsamente, serei apenas uma vaga lembrança de um ser que perdeu voluntariamente o contato com o mundo, que junto aos homens encontrou apenas um motivo para sorrir, e esse já se foi há tanto tempo que é risível agora lembrar, mas antes eu o estreitava contra meu peito como a coisa mais preciosa de todas, e então me lembro de que eu dizia ser capaz de matar em seu nome, para defender a beleza daquele amor, e percebo agora que o que me movia não era o enganoso sentimento, mas a impossibilidade de concretizar aquela felicidade sempre colocada no futuro - pois no fundo não quero ser feliz, é carregar comigo o sorriso satisfeito do homem comum, a vazia pretensão de pureza que vive em seus corações, a sensação de pertencimento a um nome de família. Por isso meu sorriso é feito de uma matéria enganosa que ludibria até a mim mesmo e me creio - ilusão das ilusões - o mais feliz de todos os homens. Não é motivo para a mais alta das vergonhas confessar isso diante de todos vocês? [Não, quem me ouve não é ninguém a não ser eu mesmo, mas imagino que tenho um público, que falo com alguém, quando na verdade estou sozinho em meu imundo apartamento, sem comer decentemente, rodeado de incertezas tão estúpidas quanto qualquer outro humano que detesto tão veementemente, imerso em meus delírios de falsa grandeza, desejos que são o testemunho de minha infeliz condição subalterna, desnecessária, tola e vulgar. Vejo a vida como um poço sem poço sem fundo porque estou dentro desse poço, regurgitando maldições que jamais serão ouvidas, rezando a deuses para sempre mortos...]
Nota: o texto acima foi escrito para a imagem que ilustra essa postagem. A autoria da imagem é de Guilherme Henrique Frammer Nahes Alonso, membro do grupo musical Sleepwalkers' Maladies e medalha de prata na Olimpíada de Hemp Tycoon. Alguns rabiscos e efeitos adicionais foram inseridos na imagem original por mim, mas devido ao meu estado semi-entorpecido no momento acabei por estragar algumas partes do texto, que ficaram ilegíveis. A postagem é uma tentativa de resgatar o texto original.