10.16.2006

O Aniversário

Lembro muito bem. Eu estava na sala quando a campainha tocou e ele foi atendido pelo meu pai. Sempre sorridente, sempre pronto para todas as brincadeiras, foi entrando na sala com aquele jeito bonachão típico das pessoas superficiais e acostumadas aos prazeres simples. Pastel com cana nas feiras dominicais, conversas sobre carros, aventuras amorosas com as meninas da rua de baixo: assim ele foi forjado, sob a tutela de divertimentos rudes, e assim ele vivia feliz aqueles novos dias, dias de entrega ao trabalho e aos cuidados com o filho recém-chegado. Vez ou outra, amigos de infância que éramos, ele escapava dos olhares ciumentos da mulher e me convidava para um passeio onde celebrávamos aquela amizade nascida anos atrás; queria liberdade, dizia, gostava e respeitava a esposa mas também queria sentir os ventos frescos da aventura soprando em seu rosto engraçado de 20 e poucos anos. Então eu saía com ele ouvindo suas histórias e novidades, ouvindo suas limitadas visões de mundo marcadas pela mesquinhez típica daqueles que nunca passaram por grandes dificuldades na vida; e como muitos iguais a ele, dedicava-se aos caminhos do vício da cocaína, a sedutora das sedutoras, isso já há anos consecutivos mas sem nunca passar por períodos críticos onde tudo parecia se transformar em agonia e caos. Posso dizer que conseguia manter-se ativo mesmo com o vício; tínhamos alguns atritos relacionados a isso, e mesmo assim éramos muito amigos, guardando em segredo um sentimento recíproco onde misturava-se a admiração e a inveja.