Vocês vieram como mensageiros, trazendo em suas gargalhadas as mensagens que precisávamos receber. Nessas mensagens as doçuras sempre estavam presentes, adicionando ao cotidiano um sabor de alegria que havia sido retirado de nossas vidas, após tantos golpes sobre nossos corpos maltratados. Golpes de formas diversas: dos botas pretas nas esquinas escuras, ocultos, que nos esmurravam enquanto deixávamos ali as velas e alguidares, profanados com a violência mundana das fardas. Golpes que também eram a necessidade de esconder a fé que nos inundava não por vergonha, mas pela crueldade de um mundo cujos valores são forjados por uma crença que vê em tudo que pulsa Vida e Desejo como algo que deve ser destruído. Tínhamos então que nos esconder muitas vezes, e ir para lugares distantes das cidades a fim de encontrar a paz necessária para receber e festejar Vossas presenças primais.
Mas cada vez mais a violência da Cruz se espalhava, e as distâncias se tornaram menores. O som do atabaque teve que se silenciar. Nós choramos escondidos, acreditando que ao silenciar nossas músicas estaríamos desonrando Vossas essências, que estaríamos envergonhando a Tradição. E que ao fazer isso a vida, já tão dolorosa, perderia de vez a dádiva de Vossas mensagens, mensagens que nos traziam a doçura, aquele sabor único que amenizava a dor de tantos golpes e de tanta humilhação. Nesse choro não havia apenas tristeza, mas revolta também, e também um grande ódio. Pois os Senhores nos ensinaram que o ódio e a revolta são também parte de nós, e que ser manso jamais será digno dos que se dizem Seus filhos. Sugar da Vida tudo que ela tem a oferecer, seja "bom" ou "mau", até os limites dos limites: é isso que os Senhores nos instigam sempre a fazer, para sermos os únicos donos de nós mesmos, os únicos comandantes de nossos Destinos.
E foi tendo isso no coração (o maior presente que os Senhores nos deram foi esse: o de aprender a pensar com o coração) que descobrimos que no silenciar do atabaque um novo ordálio estava sendo colocado. Falamos das doçuras que Vossas mensagens traziam, mas havia também, e na maioria das vezes, também o amargor no que era dito - cobranças, gritos, severas repreensões. Todas essas mensagens raivosas eram necessárias, mesmo que em um primeiro momento pouco as compreendíamos. Rasgavam nossos olhos petrificados de tantas mentiras, chutavam nossa boca até os dentes caírem, ateavam fogo em nosso Eus limitados que caíam em agonia. De tudo na vida se pode tirar ensinamentos, mas é da dor que os homens tiram aqueles que os transformam para sempre - e assim, após os Senhores conduzirem os filhos pelas Sendas da Agonia, renascíamos ainda mais sedentos, mais comprometidos, querendo ver Sóis ainda mais brilhantes e caminhar em Noites ainda mais sinistras.
Graças ao silêncio que tivemos que mergulhar, cultuando os Senhores apenas sob a luz da vela negra e nada mais, estamos aprendemos um novo valor: o da simplicidade. Enquanto os Senhores estavam aqui, sofrendo como nós os pesos da condição material, as liberdades eram inexistentes. Que ilusão achar que os servos da Cruz permitiam o som do atabaque, ou qualquer outro som! Era uma questão de morte, e assim foi selado o Destino de muitos. O silêncio está na base da fé que nos anima. O ocultamento. O ir-para-dentro-de-si. O relacionar-se com Vossas forças tendo apenas a simplicidade de uma vela, de um copo de bebida, de um fumador. As grandes festas, as belas roupas e as ricas oferendas: os Senhores nos ensinaram os valores e propósitos delas, e sempre nos corações dos filhos terá o lugar para tudo que for grande pois assim são os Senhores - mas nossos olhos não tem mais a cegueira de pensar que apenas assim que nós os agradamos. Há tantas ilusões ainda não desvendadas, mas essa não nos enganará jamais.
Seguimos então confiantes no silêncio que os Senhores nos ensinaram a valorizar como um mestre. A olhar para a chama de uma vela e nela encontrar tudo o que precisamos para conectar-se com Vossas forças, silenciosamente, através do coração. Ter na quietude a força mais poderosa de nossa fé ressignifica os fundamentos, dá um novo sentido às firmações, faz renascer a nossa compreensão da magia, dos códigos e das mensagens. Não há no silêncio desonra, não há nele a quebra da Tradição: há no silêncio um poder que ainda estamos descobrindo, há nele uma dimensão na qual mergulhamos, selvagens e sempre sedentos, em busca da essência de Exu - a essência que queremos que seja a nossa.
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