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9.11.2012

A mercantilização do livro: o "manifesto dos 451"


Livros são um excelente negócio. Por mais tenebrosas que sejam as estatísticas mostrando que o brasileiro lê menos de dois livros por ano, o mercado editorial cresce (ainda que timidamente). Em números absolutos, foram produzidos no ano passado 499.796.286 unidades de livros que correspondem a 58.192 títulos (entre inéditos e reimpressões): uma oferta quase infinita de possibilidades de leituras, que transforma as livrarias em verdadeiros shopping centers, elevando algumas ao pomposo status de atração cultural de algumas cidades - é o caso da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na capital paulista. 

Amantes de livros, e de literatura em especial, tenderiam a ver esse cenário como positivo. Afinal, melhor ter  essa abundância de livros do que não alguns poucos e mirrados lançamentos. Entretanto, o que estaria nos bastidores dessa opulência editorial, fenômeno que não é restrito ao Brasil? Como a produção de e-books e  e-readers estimula esse crescimento? Que interesses ocultos (perversos?) estão presentes nos preços fabulosos oferecidos pela Amazon? As sociedades estão de fato se beneficiando desses processos? Ou tudo não passa de um sintoma da decadência cada vez mais acelerada, onde a cultura é tão somente mais um aspecto da vida a se degradar?

São questionamentos como esses que motivou a criação do grupo "Les 451", em Paris, que lançou o seu manifesto no último dia 5 de setembro nesse site e assinado por 451 profissionais do mercado livreiro (revisores, editores, escritores, bibliotecários, etc). Entre seus signatários, o filósofo italiano Giorgio Agamben, autor que já tive a oportunidade de ler/comentar alguns textos e que foi um dos motivos a colocar aqui uma tradução do manifesto, publicado de modo inédito em língua portuguesa graças à iniciativa de Bolívar Torres e Juliana Fausto. Fica aqui meu agradecimento a ambos.

Sem mais delongas, o manifesto.

O livro e a armadilha da mercadorização
Nós, o coletivo de 451 profissionais da cadeia de negócios do livro, começamos a nos reunir há algum tempo para discutir a situação presente e futura de nossas atividades. Tomados em uma organização social que separa as tarefas, a partir de um sentimento comum – fundado em experiências diversas – de uma degradação acelerada das maneiras de ler, produzir, compartilhar e vender livros, consideramos que hoje a questão não se limita ao setor, e procuramos soluções coletivas para uma situação social que nos recusamos a aceitar.

A indústria do livro vive em grande parte graças à precariedade que aceitam muitos de seus trabalhadores, seja por necessidade, paixão ou engajamento político. Enquanto estes tentam difundir ideias ou imagens capazes de mudar nossos pontos de vista sobre o mundo, outros têm entendido que o livro é sobretudo uma mercadoria com a qual é possível conseguir lucros substanciais

Sabendo tanto como se apropriar dos grandes princípios de independência ou de democracia cultural quanto praticar a avalanche publicitária, a exploração salarial e a diversidade do monopólio, as Leclerc, Fnac, Amazon, Lagardère e outros grandes grupos financeiros querem nos fazer perder de vista uma das dimensões essenciais do livro: um elo, um encontro.

Enquanto isso, quer se trate de profissionais simbolicamente reconhecidos ou de pequenos serviços indispensáveis à toda cadeia econômica, cultural e social, as profissões ligadas ao livro são desqualificadas e substituídas por operações técnicas nas quais tomar tempo se torna inconcebível.

A indústria do livro não tem de fato necessidade senão de consumidores impulsivos, de networkers de opinião e de outros temporários maleáveis? Muitos de nós se encontram então presos às lógicas do mercado, desprovidos de qualquer pensamento coletivo ou de perspectivas de emancipação social – hoje em dia terrivelmente ausentes do espaço público.

Enfraquecida pelo critério do sucesso, a produção de ensaios, de literatura ou de poesia se empobrece, os recursos de livrarias ou de bibliotecas se esgotam. O valor de um livro se dá em função de seus números de venda e não de seu conteúdo. Não será mais possível ler senão o que é bem-sucedido. Ora, enquanto o CEO da Amazon, Jeff Bezos, declara que “atualmente as únicas pessoas necessárias para a edição são o leitor e o escritor”, certas pessoas continuam a trabalhar com livros, livrarias, gráficas, bibliotecas ou em editoras em escala humana. Apesar de nossa vontade de resistir, nós somos, como a imensa maioria, cercados pela informática, pelas lógicas gerenciais e pelos finais de mês difíceis.

Embarcamos igualmente em uma pseudodemocratização da cultura, que continua a se nivelar por baixo, e se reduzir ao empobrecimento e uniformização das ideias e dos imaginários, para corresponder ao mercado e à sua racionalidade. Atônitos, tentamos nos manter atualizados: nos viramos com os programas, as encomendas on-line, os corretores automáticos, as deslocalizações, a avalanche de novidades rasas, as ameaças dos bancos, a alta dos aluguéis e as digitalizações selvagens.

Todavia, não podemos resolver reduzir o livro e seu conteúdo a um fluxo de informações digitais e clicáveis ad nauseam; o que nós produzimos, compartilhamos e vendemos é antes de tudo um objeto social, político e poético. Mesmo em seu aspecto mais modesto, de divertimento ou de prazer, fazemos questão de que permaneça cercado por seres humanos.  

Rejeitamos claramente o modelo de sociedade que nos está sendo proposto, alguma parte entre a tela e a grande superfície, com seus bip-bips, seus néons e seus fones crepitantes, e que tende a conquistar todas as profissões. Pois, pensando na atualidade das profissões, nós pensamos igualmente em todos que vivem situações similares demais para serem anedóticas.

Dessa maneira, os médicos segmentam seus atos para melhor contabilizar, os trabalhadores se esgotam preenchendo tabelas de avaliação, os carpinteiros já não podem plantar um prego que não seja ordenado por um computador, os pastores são  convocados a equipar suas ovelhas com chips eletrônicos, os mecânicos obedecem às suas ferramentas informatizadas e a mochila eletrônica nas escolas é para daqui a pouco.  

A lista é tão longa que é preciso se agrupar para parar esta máquina cega de progresso. Em vez de esperar a próxima medida europeia de rigor ou o enésimo ataque do ministério da cultura contra a cadeia de profissões do livro, preferimos nos organizar desde já.

Por exemplo, encontrando alternativas, criando cooperativas mútuas de compra, unindo-nos por melhores condições salariais, ou ainda inventando lugares e práticas que convêm melhor à nossa visão de mundo e à sociedade em que desejamos viver.

É justamente porque tomamos a medida do desastre atual que estamos otimistas: tudo está para ser construído. Antes de mais nada, queremos parar de jogar eternamente a culpa uns nos outros e cortar na raiz a resignação e o derrotismo ambientes. Lançamos então um chamado a todos aqueles e todas aquelas que se sentem interessados a se encontrar com o objetivo de compartilhar nossas dificuldades e necessidades, nossos desejos e projetos.  


Versão original em http://les451.noblogs.org/

3.07.2012

Tradução de livros no Brasil



O post de hoje é um texto publicado no site da revista Época, na editoria de cultura, com muitos bons argumentos sobre a precarização da atividade do tradutor literário no Brasil.

Talvez a melhor interpretação para o fato seja essa: de um lado editoras que desejam ter os menores custos possíveis para lançar novos títulos, e buscam tradutores que cobram pouco pelo serviço; do outro, tradutores sem formação adequada saídos de um curso de idiomas qualquer que, convencidos de suas capacidades tradutórias (e com o apoio do Google Translator), arriscam-se a verter para o idioma pátrio textos literários. 

Para além desses dois fatores – por assim dizer a superfície, os sintomas externos – há o flagrante dar de ombros para as atividades intelectuais que exigem tempo e profundidade. Tais atividades são tomadas como irrelevantes, desnecessárias, luxos para poucos. Na turbulência moderna, a produtividade é colocada como valor em si, e localizada à frente de todos os demais. Assim, não importa tanto a qualidade de uma tradução, desde que ela esteja pronta rapidamente e possa chegar às livrarias antes do concorrente; o tradutor (ele também participante do fervor moderno e portanto afetado pela premissa de que o conhecimento pouco – ou nada – vale) oferece então algo aproximado do texto de partida não como uma opção consciente, mas por incapacidade de absorver nuances culturais e linguísticas durante o processo tradutório. A longa imersão em uma língua estrangeira, ou melhor dizendo, em um cultura estrangeira certamente faz parte da formação desse tradutor ideal, comprometido em realizar traduções que aproximam-se o máximo possível das intenções do autor traduzido.

Mas é justamente a busca por exatidão, verdade e clareza que não possui mais lugar nesse mundo. A atividade tradutória de textos literários segue essa tendência, e seria insensato acreditar que seria diferente. Exceções, como em tudo, obviamente existem, mas não são suficientes para calar uma tendência.

Agora o texto:

Tradutores mais que traidores

Os livros no Brasil são tão mal traduzidos que comprometem a categoria



Uma das obrigações mais agradáveis da função de jornalista é a de ler muito e acompanhar de perto os lançamentos de livros, selecionando os bons dos maus lançamentos. O prazer, no entanto, pode facilmente se transformar em tortura, já que os maus títulos sempre superam numericamente os bons. Nós setoristas de cultura somos obrigados a lidar com obras esotéricas, romances para moças (hoje chamados de chick-lit), suspenses de quinta disfarçados de inteligência (os smart-thrillers) e biografias pretensiosas, cujo autor parece desejar loucamente ofuscar o biografado. Aproveitamos menos de 5% do total estimado de 20 mil títulos lançados anualmente no país.

Ora, dentro dessa tortura mora outra ainda mais cruel: a oferecida pelas traduções de obras estrangeiras para o português do Brasil. É cada vez menos raro encontrar traduções de baixa qualidade de obras importantes lançadas por grandes editoras brasileiras. O problema se dissemina por toda parte, do setor de didáticos e paradidáticos ao dos best-sellers e grandes obras literárias. Ninguém escapa da má tradução. A grande vítima é o leitor, prejudicado sem saber, mesmo porque não tem obrigação de julgar uma tradução.

Como leitor profissional, tenho vivido momentos de horror crescente ao me deparar com traduções literárias, aquelas que deveriam merecer um pouco mais de cuidado por parte dos encarregados do texto vernáculo. Para não ferir egos, é melhor não citar quem e que obras foram vertidas. Afinal, os problemas são recorrentes em boa parte dos títulos literários. Eles são de três ordens: técnica, educacional e cultural.

O primeiro aspecto que chama atenção está na abundância de falhas de revisão ortográfica. São aqueles erros que atrapalham a leitura, desviam a atenção e, pior, fazem a gente duvidar da qualidade do conteúdo do que está lendo. Erros tipográficos, como se dizia antigamente, já deveriam ter sido eliminados de nossas vidas. Em revistas e jornais, cometem-se muitas dessas falhas, e é uma luta cotidiana para tentar banir esses monstrengos que rebaixam qualquer texto. Quando se trata de livros, porém, essa questão já deveria ter sido ultrapassada. Com revisores competentes e corretores de texto de última geração, é possível detectar os erros. Claro que seria necessário algum tempo para o trabalho ser realizado. Esse tempo parece ter acabado.

Os erros de português são mais frequentes do que os de ortografia. Concordância, regência e sintaxe são massacradas impiedosamente, tudo em nome de vultos literários conhecidos. Ler um clássico dessa forma conspurcado irrita e muitas vezes ultraja o leitor. O tradutor atua aqui não como um traidor (de acordo com a expressão italiana clássica dada à profissão: “Traduttore, Tradittore” - tradutor, traidor), e sim como um genuíno usurpador dos tesouros da literatura. Com um mínimo de conhecimento, qualquer um percebe que oportunistas quase analfabetos se encarregam de tarefas para as quais obviamente não têm competência.

Ainda mais graves são as ocorrências de equívocos que demonstram a falta de cultura daqueles que estão fazendo tradução. Eles produzem versões desprovidas de coerência do enunciado e coesão entre as diversas partes de um texto. Isso indica que falta pensamento lógico básico em muitos tradutores. Eles usam barbarismos imundos e contaminam o idioma. Como se não bastasse, desconsideram que a tradução também deve envolver conhecimento da parte do tradutor em relação ao contexto do idioma que ele está vertendo. Em um romance que li recentemente, traduzido do espanhol, o teatro São Carlos de Lisboa está grafado “San Carlos”, como se fosse um teatro espanhol, e a região da Saxônia aparece como “Sajonia”. E assim por diante, derrapadas desse tipo desqualificam a tradução como um todo, pois evidenciam a falta de preparo e de conhecimento que o tradutor possui do assunto. É interessante que essas traduções parecem subestimar a inteligência do consumidor, como se ele não fosse capaz de distinguir o ruim do pior.

Tenho quase certeza que esses indivíduos que se dizem tradutores fazem questão de assinar seu trabalho nas páginas de rosto dos livros lançam mão dos mais pérfidos recursos para completar suas tarefas. Já li muito livro cuja tradução em português parece ter sido produzida no Google Translator.

Até aqui descrevi a situação. Chega a hora de perguntar por que todos esses erros, equívocos e bandalheiras ocorrem. Dois motivos me ocorrem de imediato: o fenômeno da vulgarização das traduções, que reflete o avanço do mercado, e a indigência cultural brasileira, que não prepara adequadamente profissionais de tradução, ou, pelo menos, desconsidera os profissionais da área e remunera mal tradutores arrivistas ou mesmo amadores.

Vamos ao primeiro motivo. Como tudo no mundo, livros não consistem em entidades perfeitas. E eles se tornam cada vez mais precários à medida que o mercado impõe uma alta velocidade de lançamentos. O mercado brasileiro de livros cresce 8% ao ano. Além disso, os livros já estão livres do papel, e chegam agora até nós no formato digital de e-books. Havia um respeito talvez exagerado pelo texto impresso em papel. Hoje o papel não passa de um subproduto do texto digitalizado. O papel traz matéria a um bem imaterial chamado texto. A dessacralização do objeto livro deixa os salteadores à vontade para fazer o que bem entenderem com as obras alheias.

O segundo motivo afeta a profissão do tradutor. A alta frequência de inexatidões acaba por prejudicar a minoria de excelentes tradutores em atividade no Brasil. Por isso, os tradutores profissionais estão se rebelando contra a situação. Sentem-se excluídos porque a tabela do Sintra (Sindicato Nacional dos Tradutores) é alta de acordo com as editoras, que querem trabalhar com orçamentos cada vez mais reduzidos. E já que os bons profissionais custam mais e levam mais tempo para entregar o trabalho, a solução encontrada é ignorá-los em benefício de amadores ou arrivistas. Criou-se uma espécie de lúmpen da tradução, que aceita pagamentos mínimos por uma tarefa da qual se safa rapidamente.

O que fazer para melhorar o nível das traduções e não comprometer a ínclita categoria dos tradutores? Não tenho resposta para isso. Talvez fosse útil criar instrumentos mais precisos para controlar a atividade. Mas quem faria isso sem medo de ser chamado de inimigo da liberdade de expressão? Melhor então seria empreender uma caça às bruxas para julgar e banir os maus tradutores do mapa. A desaparição de muitos tradutores preencheria uma lacuna em nossas vidas. A verdade é que a tarefa é mais complicada do que parece, além de exigir o longo prazo. Seria necessário investir com seriedade na formação dos tradutores, com critérios de seleção menos complacentes que rigorosos. Má tradução e a má leitura são farinha do mesmo saco de permissividade cultural em que estamos metidos.




2.27.2012

Matéria na revista Silk-Screen




Saiu uma matéria sobre a Ugra Press e o processo de confecção do Tudo o que é grande se constrói sobre mágoa na edição de fevereiro da Silk-Screen, uma revista que desde 1984 se dedica ao mercado serigráfico através de excelentes artigos técnicos e  reportagens sobre as mais diversas aplicações da serigrafia.

A matéria foi feita pela Paula Cabral, editora do Zine Qua Non. Foi uma ótima maneira de mostrar, em um veículo dedicado aos profissionais de serigrafia, que há possibilidades de utilizar o silk também em produção de livros e revistas, com resultados muito interessantes. Fica aqui o meu agradecimento público pela matéria e pelo envio de um exemplar da revista ;-)

                              

Saltan dando uma força, valeu!



4.11.2011

Mais sobre o livro


A revisão do livro, enfim, terminou. Realizada pelo talentoso Jacob Crisis, colaborador da UGRA e parte do grupo de acid neofolk Sleepwalkers Maladies, percebi de forma categórica como é importante que uma outra pessoa leia o original e aponte os erros e imprecisões. Mais do que isso: algumas camadas de significado são inatingíveis para o autor, porém perceptíveis para um leitor atento que, de fora, se debruça sobre o texto.

3.31.2011

Livro do Dissolve Coagula em andamento

Após algumas alterações nos planos, finalmente o meu primeiro livro será lançado via UGRA PRESS, uma iniciativa experimental da qual participo em conjunto com mais algumas pessoas. Não é a primeira vez que falo sobre isso aqui, mas agora as coisas caminham de fato para a concretização.

Os detalhes do projeto editorial serão apresentados aos poucos. Por enquanto, estou revisando (se não me falha a memória) pela sétima vez os manuscritos. A obsessão pelos detalhes tem se tornado um problema, no sentido de que perco horas de sono rebuscando os originais; e para que não me demore mais nisso, prometi a mim mesmo não mais revisá-los, deixando agora a tarefa para outra pessoa. A foto abaixo mostra uma página com os rabiscos realizados, indicando correções, mudanças, novas idéias, etc.

 
Os textos que farão parte desse livro são todos do Dissolve Coagula, em versões modificadas especialmente para essa edição, além de um conto inédito. Convidei um ilustrador para colaborar com o projeto gráfico do livro também. E seguindo a proposta da UGRA PRESS, será uma edição artesanal e limitada -porém com um nível de capricho e cuidado que irão muito além do amadorismo.

Obviamente que reescrever e revisar os contos tem sido uma experiência apaixonante; porém participar também da concepção do livro como um todo -os detalhes tipográficos, a encadernação, o papel utilizado, etc- está me proporcionando algumas boas horas de diversão. É cedo ainda para falar mais sobre todas essas coisas, conforme elas forem acontecendo vou escrevendo por aqui. O livro se chamará Tudo o que é grande se constrói sobre mágoa e a previsão de lançamento é para junho.

2.01.2010

Novidades sobre o livro

Terminei agora a revisão do livro que reunirá, em versões modificadas, os posts que considero os mais representativos do Dissolve//Coagula.

Serão dezenove textos que, em meu entendimento, sintetizam a produção que desenvolvo aqui desde setembro de 2006.

As mudanças empreendidas nos textos foram variadas. Em alguns, reescrevi passagens inteiras; em outros, suprimi trechos supérfluos; também inseri muitas coisas novas, principalmente nos textos mais antigos. Revisei todo o conteúdo, até onde me lembro, quatro vezes (e eu acho que ainda foi pouco, mas por fatores externa e bons conselhos de amigos mais próximos resolvi deixar a obsessão crítica de lado e entregar o produto tal como ele está).

O interessante nesse processo foi perceber como fatos vividos desencadearam textos que se distanciaram e muito das minhas vivências. Em outras palavras: por mais que experiências pessoais possam influenciar o processo criativo, elas não foram determinantes para a composição de boa parte do que escrevi até agora. A fantasia divide com a experiência direta o palco onde meus personagens vivem, sofrem e cometem atos desvairados. Talvez não ainda da forma como eu gostaria, pois sempre me sinto um enorme aprendiz do ato de escrever, principalmente quando leio os mestres de sempre (Dostoiévski, Cortázar, Cioran). Apesar disso, o resultado geral me deixou satisfeito.

Perguntaram-me quem irá lançar o livro. Será um editora nova, que estou construindo em companhia de um velho amigo. O objetivo é produzir trabalhos de uma forma especial, arrisco a dizer artesanal, e com meios próprios. Não leia nisso trabalhos-faça-você-mesmo-precários-e-toscos. Justamente o oposto: edições artesanais e únicas, mas primorosas. Feitas para serem apreciadas em uma confortável poltrona, manuseados enquanto se fuma um cigarro, levados na mochila nas viagens. Uma tentativa algo quixotesca de reavivar o impresso em tempos digitais, uma bandeira hasteada com orgulho em prol das prensas de Gutenberg.

Quando estará disponível, agora eu não sei dizer. Mas posso dizer que a parte mais complicada, que era a revisão, terminou. As novidades eu conto logo mais.

12.18.2009

Ranking das melhores livrarias de 2009

Por sugestão da companheira de trabalho Michelle, cheguei a este curioso ranking das melhores livrarias e sebos paulistas de 2009, postado no Alquimia do Verbo.

Fiquei especialmente curioso com o sebo que levou o melhor na categoria "Melhor subterrâneo frio, escuro e assustador de sebo" (?). Urge ir até lá neste sábado em busca de novas aquisições.

Abaixo, reproduzo ipsis litteris, incluindo apenas os links para as devidas lojas e sebos. E não deixem de visitar a postagem original:

1. Melhor Livraria
Martins Fontes da Avenida Paulista. Tem a maior variedade de livros na área de Humanidades - metros e metros de estantes carregadas, inclusive com obras difíceis de achar.

2. Melhor atendimento em Livraria:
Não avaliado. Poucos atendentes mostram boa vontade ou conseguem fazer alguma coisa além de olhar para a mesma prateleira que você e dizer "não tem, né?". Há exceções pontuais.

3. Melhor atendimento em Livraria Especializada:
Luís, gerente da Livraria Francesa, na Barão de Itapetininga. Sabe qual é o estoque de cor, leu metade dos livros, te chama pelo nome e não fica empurrando qualquer coisa. E é mó legal.

4. Melhor preço:
Livraria da Unesp na Praça da Sé. Dá 15% de desconto para professores em todos os livros e 20% nos livros da própria Unesp. Estudantes conseguem se explicarem sua difícil vida de estagiário.

5. Melhor programa de fidelidade:
Mais Cultura, da Livraria Cultura. A cada R$ 300 gastos você tem R$ 10 de desconto. No da Fnac, paga-se R$ 30 de anuidade para ter 2,5% de desconto nos livros. Faça as contas.

6. Melhor sebo:
Álvares Machado e o José de Alencar, um na frente do outro, na rua Álvares Machado. Pertencem ao mesmo dono, Celso, e estão com o melhor acervo. Preços camaradas com desconto à vista.

7. Melhor subterrâneo frio, escuro e assustador de sebo:
O prêmio, pelo 18o. ano consecutivo, vai para o Treze Listras, na Rua Aurora. Você está no meio de São Paulo e consegue ouvir um silêncio lancinante no subsolo.

8. Melhor sebo "o-dono-não-sabe-quanto-vale-o-que-tem"
Messias, aquele da Praça João Mendes. Garimpando dá para achar raridades a preço de banana. Mas tem que garimpar.

9. Melhor sebo "o-dono-sabe-muito-bem-o-que-tem"
Sebo Parangolé, na Praça Carlos Gomes. Tem de tudo, o acervo é ótimo, o lugar é limpo e organizado e cada centavo gasto nisso é cuidadosamente repassado no preço dos livros.

10. Revelação 2009
A Saraiva, depois de anos apanhando feio da Cultura, resolveu reagir, está com um estoque bom. Destaque para a loja do Iguatemi de Campinas, que bota a Cultura do mesmo shopping no bolso.

11.09.2009

O romance e os novos processos de leitura


Este post é uma espécie de continuidade da idéia apenas esboçada no post anterior -de que romances com uma "sintaxe cinematográfica" poderiam ser um fator de inovação da linguagem romanesca. Embora eu não tenha encontrado uma resposta definitiva, logo após a publicação do post deparei com dois artigos que me fizeram pensar mais a respeito, ampliando o escopo do problema.

O primeiro foi um artigo publicado no The New York Times, que comenta sobre "Level 26: dark origins", o novo romance de Anthony Zilker, criador da série CSI. O romance, lançado em setembro, está disponível, além da versão impressa, em formato e-book, áudio livro e também para iPhones. Mas não é só isso: os leitores do romance são encorajados a visitar um site com vídeos baseados em passagens do livro.

O NYT chama livros como "Level 26" de "hybrid books" ou, de forma ainda mais ousada, de "vooks" (neologismo de gosto duvidoso, sem dúvida). Ainda neste artigo, Judith Curr, editora da Atria Book, diz que "você não pode mais ser linear com o seu texto" e que "todo mundo está tentando pensar em como livros e informação [multimídia] ficarão melhor combinados no século 21". Esta combinação do livro com vídeos e sites, diz-se, proporcionarão uma interação maior do leitor com a obra, em uma experiência cognitiva que não se limitará mais a leitura do que está no papel.

Além da interação leitor-obra, as redes sociais e os blogs poderão ser meios de criar/potencializar um tipo de interação que nos anos passados era muito mais difícil (e na maioria dos casos impossível): a interação autor e leitor. Através destas ferramentas, o autor pode escrever um livro online e, mediante os comentários recebidos, promover (ou não) alterações. Susan Katz, editora da Harper Collins Children´s Books, aposta que no futuro será mesmo muito comum que "o autor seja visto como um líder de um grande grupo e escolherá a dedo a partir destas sugestões [dos leitores]". Isso, aliás, já está acontecendo: Kevin Kelly, desde 2004, está escrevendo um livro que conta com a participação de muitos de seus leitores. Cada post é discutido por uma série de pessoas em todo o mundo, e o próprio Kelly incentiva a prática neste texto onde explica suas motivações colaborativas.

O processo de leitura é de natureza linear. Formamos palavras através de letras, orações através de palavras e enfim textos com a (co)ordenação de tudo isso. E essa linearidade típica da leitura ocorre essencialmente no tempo. Os elementos discursivos são como que somados, colocados um na "frente" do outro, e daí se produzem os sentidos. Agora, com todas as possibilidades de interação promovidas por vídeos e redes sociais nos processos de leitura, ocorre como que uma quebra neste percurso linear. Romances como "Level 26" pretendem ampliar a experiência cognitiva, conferindo-lhe aspectos de simultaneidade. O texto "salta" do papel de uma forma muito mais concreta do que apenas na imaginação do leitor.

Esssa mescla do visual com o romance é algo ruim? Nenhuma resposta convincente pode ser dada a esta pergunta, pelo menos por enquanto. Considero até mesmo a minha pergunta um absurdo: juízos de valor sobre fatos culturais em geral deformam nossa visão sobre o fato. E o fato é que o romance, gênero literário essencialmente problemático (pois produto do zeitgeist da modernidade), está sofrendo abalos consideráveis em um contexto onde a imagem ganha espaço cada vez maior. Já em 1974 o alemão Adorno tinha dito que

"Assim como a pintura perdeu muitas de suas funções tradicionais para a fotografia, o romance as perdeu para a reportagem e para os meios da indústria cultural, sobretudo para o cinema."

E mais isso aqui:

"Noções como a de 'sentar-se e ler um livro' são arcaicas. Isso não se deve meramente à falta de concentração dos leitores, mas sim à matéria comunicada e à sua forma." (as duas citações extraídas de Notas de Literatura I, página 56, Duas Cidades/Editora 34, 2008)

As partes grifadas corroboram meu ponto de vista: a forma do romance está aquém de nosso tempo. Sua forma não corresponde mais totalmente aos anseios do homem atual. Isso já está sendo discutido há tanto tempo que me sinto idiota ao ler o que escrevi (digo isso como um alerta, para que o leitor não pense que descobri isso sozinho; sou de um convencimento absurdo, mas para certas coisas é preciso ter modéstia); e apenas para lembrar uma experiência radical de questionamento da linguagem romanesca, eu cito "Memórias sentimentais de João Miramar", de Oswald de Andrade, romance devastador que empurra os limites expressivos do romance para um pouco mais além das linhas estabelecidas naquele Brasil de 1924.

Voltemos ao mundo dos processos de leitura e das inovações promovidas por vooks e redes sociais. Neste artigo interessantíssimo do site The Frontal Cortex, discute-se como a leitura pelo computador se relaciona com os processos neurais. O que me chamou a atenção não foi saber que a dificuldade e incômodo que muitos expressam ao ler pelo computador é, neurologicamente falando, o mesmo que nos afeta ao ler um texto impresso com fonte não amigável (por exemplo, a letra gótica medieval), e que a prática contínua da leitura online elimina o desconforto da mesma forma que nos acostumamos com fontes indecifráveis (é incrível como a minha namorada, que é mais nova do que eu, lê com muita naturalidade no computador, e isso me faz pensar que há uma questão geracional ainda não devidamente estudada sobre por que as pessoas reclamam que não gostam de ler no computador). O que me suscitou interesse nesse artigo foram as palavras da neurocientista Maryanne Wolf, que acenou para a necessidade de estudar, até mesmo fisiologicamente, os processos cognitivos das novas gerações, submetidas que estão a vídeos, fotos e gifs animados que interferem no processo de leitura. Nunca se produziu tanto conhecimento e livros como hoje em dia, mas frente a tantas distrações , segundo ela será cada vez mais difícil a formação de leitores capazes de imersão profunda em textos longos e complexos.

Cortázar disse que o romance não tem leis, "a não ser a de impedir que a lei da gravidade entre em ação e o livro caia das mãos do leitor." Hoje a literatura ocorre além das páginas dos livros e se funde com vídeos, música, discussões em redes sociais. Muitas vezes, o romance que cai das mãos do leitor só faz isso para deixá-las livres e assim investigar um site onde o personagem conta detalhes da trama apenas sugerida nas páginas de papel. Se isso não é uma reconfiguração das leis do romance, então não sei o que pode ser.

10.21.2009

O Livro Vermelho de Jung



"Os anos onde eu capturei as imagens interiores foi o mais importante período da minha vida. Todo o restante [da minha obra] derivou daquilo. Começou naquele período, e os detalhes posteriores são quase sem importância. Minha vida inteira consistiu em elaborar o que irrompeu do inconsciente e inundou-me como um fluxo enigmático que ameaçou me quebrar. Aquilo foi o tema [para minha obra] e material para mais de uma vida. Todo o restante foi apenas a classificação objetiva, a elaboração científica e a integração na vida. Mas o início numinoso, que continha tudo, foi naquele então. "

Estas foram as palavras de Jung a respeito de Liber Novus, o livro onde o autor registrou o assim chamado "confronto com o inconsciente". Mergulhando em um processo de isolamento e semi-ascetismo, Jung iniciou uma auto-exploração dos limites de sua psique, cristalizadas nas páginas desta obra inédita, escrita durante os anos 1914 e 1930.

Não é, nem de longe, um livro comum: trata-se de uma obra de arte. Jung não apenas escreveu sobre como também nos legou um registro pictórico do "confronto", com belíssimas e perturbadoras ilustrações onde motivos nórdicos, hindus e de diversas outras culturas misturam-se em uma atmosfera alucinante. Cada página é um convite para a investigação lenta e deliciosa dos detalhes da obra - ou pelo menos é isso o que posso adivinhar ao contemplar alguns excertos em PDF que a Philemon Foundation deixou disponível em seu site.

O "Livro Vermelho" foi lançado no último 9 de outubro pela editora americana W.W. Norton & Company, em uma edição fac-similada que reproduz fielmente o mais importante livro de Jung. Tudo foi preservado: cores, tamanho do livro, acabamento em couro vermelho na capa. São 404 páginas de primor editorial que custam US$ 195.

O inconsciente coletivo, os arquétipos, o processo de individuação e outros conceitos junguianos estão esboçados nas impressionantes páginas deste livro que, mesmo sem nunca ter sido publicado, já pode ser considerado um dos mais influentes do século XX.

E como no blog O Livreiro, fica no ar a questão: no Brasil, teremos uma edição digna deste livro? Pois para mim parece claro que o projeto editorial de uma obra é também parte da obra. Publicar os textos do Liber Novus sem suas ilustrações (ou com ilustrações em tamanho reduzido, ou em p&b) seria o mesmo que publicar quadrinhos do Crumb apenas com os diálogos.

Pelo valor que a edição americana tem, dificilmente veremos este livro editado por aqui.  [NOTA DO EDITOR: o livro foi lançado no Brasil pela Editora Vozes em uma edição caprichadíssima, que não  deixa nada a desejar comparando com a original. O preço gira em torno de R$ 480,00 e isso está longe de ser barato, todavia o primor editorial é tão alto que até é possível justiificá-lo. O restante do post segue tal e qual publiquei em 21/10/2009, porque acho que ainda permanece válido]

Os custos de produção de edições fac-similadas são muito altos, ainda mais para tiragens reduzidas - e para um livro como este, preciso dizer que a tiragem seria reduzidíssima? Segundo um amigo que trabalha no ramo editorial, a Editora Record, uma das maiores do Brasil, chega a ter tiragens de 300 cópias em alguns lançamentos. Tiragens maiores são obviamente mais caras, mas com custo individual menor. Porém, a chance de encalhar muitos livros aumenta. Assim, as editoras optam por tiragens reduzidas, que representam menos chance de encalhe, mas com preço por unidade mais alto. Resultado: em um país que lê pouco, quem quer ler paga caro.

O post começou feliz pelo lançamento do Jung e terminou amargo. Não consigo concluir nada: apenas releio o que escrevi e vejo um emaranhado de problemas. E de tudo isso, fica uma nota mental: arranjar 195 dólares e um amigo legal que vá de férias para Nova York. economizar para comprar a  primorosa edição nacional lançada pela Vozes.

(uma imagem do Livro Vermelho, e com certeza a única imagem em cores deste blog, em respeito ao projeto editorial da obra.)