É já assunto um pouco frio, mas a matéria "Os preconceitos da pronúncia" da revista Língua Portuguesa suscitou novamente em mim aquele sono e cansaço toda vez que leio/ouço falar de uma das bandeiras de luta mais estúpidas do pensamento politicamente correto: o preconceito lingüístico.
O técnico de futebol da seleção, Joel Santana, foi alvo de piadas por seu inglês no limite do incompreensível. O vídeo do YouTube, em seus 42 segundos, pode explicar o motivo da piada muito melhor do que qualquer explicação que eu possa dar. Temos dois tipos de estupidez nesta questão: de um lado temos os chatos defendendo o fim do preconceito lingüístico, e do outro iletrados que postam comentários como "q retardado! achando q pode falar ingles!" e dispensam acentuação e outras letras que julgam desnecessárias, praticamente reinventado as normas da ortografia pela ótica da burrice.
O defensor do fim do preconceito lingüístico acredita que o mundo vai melhorar quando todos os brasileiros tiverem a chance de falar My equipe pray very naisse sem ter o perigo de alguém filmar e colocar no YouTube. O iletrado ridiculariza os Joéis Santanas e não sabe nem conjugar o verbo amar no presente do subjuntivo, mas passou as tardes após o colégio em uma sala do CCAA aprimorando seu inglês para as férias na Disney ou qualquer outro paraíso playboy para bem nascidos. Ambos, sem exceção, merecem uma surra de realidade.
É claro que quando o Joel Santana falou foi engraçado. Não há problema em rir dele. Pessoas riem umas das outras o tempo todo pelos mais diferentes motivos. Rir do outro é importante para reconhecer nele o profundo ridículo que todos nós somos. Mas a bandeira politicamente correta, quando empunhada, merece todas as formas de escárnio, assim como os imbecis que denigrem brasileiros falando uma língua estrangeira sem a pronúncia "correta" - coisa que não existe, basta para tal comparar os sotaques de Santa Catarina e Salvador.
Termino com uma citação de "A correspondência de Fradique Mendes", do genial Eça, que muito diz a respeito do servilismo lingüístico que, de um lado, proíbe o riso e, do outro, instiga o escárnio vazio:
"Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua de sua terra: - todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. (...) Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras, constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio, o Vocábulo."