O retorno aos dias cinzas, previsíveis, tolos e inconscientes. A rotina é uma bênção para quem não quer mais se preocupar, a rotina é uma forma de liberdade, uma maneira de viver, ser feliz, mesmo que brincando de faz de conta, mesmo que aceitando bobagens que não dizem nada. A rotina é uma disciplina que cultivo cada vez com mais fervor. Fora dos limites da previsibilidade e do repetitivo há um universo de eventos, pessoas, cores, sons e sensações que não animam sequer uma miserável célula de meu ser. O incessante devir e seu maremoto de acontecimentos, os estímulos, os fatos a analisar, as opiniões a emitir: apenas a lembrança destas coisas me deixa cansado. O exílio voluntário na repetição, na ordem pura e repetitiva, na lentidão que é como um bálsamo para este universo de pura velocidade cada vez mais acelerado: eis a fórmula a qual consagro meus dias, é para esse reduto onde nada de novo acontece que coloco em marcha minhas forças vitais. Evito, em uma palavra, cair no pecado do desperdício -e isso pode ser compreendido de diversas formas. Falo especialmente das diversões mundanas que, por mais que não as queira, acabo delas usufruindo, porém sempre com a sensação de estranhamento; de que nada ali me diz respeito; que as expressões felizes que me rodeiam nada mais são que construções pouco sólidas, e podem ser resumidas como um encontro vulgar entre o efeito do álcool e os apetites do baixo ventre; e que estando ali, mesmo com esses pensamentos, nada me diferencia de todos ao meu redor: sou como eles, exatamente como eles, e o álcool também me deixa eufórico e também danço e me divirto como qualquer outra pessoa. Medianamente como qualquer outra pessoa. Todas as problematizações são lixo, a escritura é lixo, a extravagância é lixo, o cheiro de cigarro impregnando minhas roupas, os aromas etílicos, a roupa amarrotada, os raios de sol já deixando tudo claro, a vida começando novamente e eu ainda sem a possibilidade de dormir pelas próximas horas.
Mostrando postagens com marcador insônia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador insônia. Mostrar todas as postagens
3.13.2011
5.14.2007
E ao reler o Breviário, encontrei:

"... Até que tu vieste, Insônia, para sacudir minha carne e meu orgulho; tu que transformas o bruto juvenil, matizas teus instintos, avivas teus sonhos; tu que, em uma só noite, concedes mais saber que os dias consumados no repouso e, nas pálpebras doloridas, descobres um acontecimentos mais importante que as enfermidades sem nome ou os desastres do tempo! Tu me permitiste escutar o ronco da saúde, os humanos mergulhados no esquecimento sonoro, enquanto que minha solidão englobava a escuridão circumdante e tornava-se mais vasta do que ela. Tudo dormia, tudo dormia para sempre. Nenhuma aurora mais: velarei assim até o fim das eras: me esperarão então para pedir-me contas do espaço em branco dos meus sonhos... Cada noite era igual às outras, cada noite era eterna. E sentia-me solidário de todos os que não conseguem dormir, de todos esses irmãos desconhecidos. Como os viciosos e os fanáticos, eu tinha um segredo; como eles, havia constituído um clã, a quem tudo desculpar, tudo dar, tudo sacrificar: o clã dos insones. Atribuía gênio ao primeiro que chegasse com as pálpebras pesadas de fadiga, e não admirava nenhum espírito que conseguisse dormir, fosse ele glória do Estado, da Arte ou das Letras. Havia consagrado culto a um tirano que - para vingar-se de suas noites - proibira o repouso, castigara o esquecimento, decretara a desgraça e a febre.
E foi então que apelei para a filosofia: mas não há idéia que console na obscuridade, não há sistema que resista às vigília. As análises da insônia desfazem as certezas. Cansado de tal destruição, chegava a dizer-me: nenhuma hesitação mais: dormir ou morrer... reconquistar o sono ou desaparecer...
Mas tal reconquista não é fácil: quando nos aproximamos dela, percebemos o quanto estamos marcados pelas noites. Se amas, teu ímpeto estará corrompido para sempre; sairás de cada ´êxtase´ como de um pavor de delícias; aos olhares de tua vizinha excessivamente próxima mostrarás um rosto de criminoso; a seus arroubos sinceros responderás com as irritações da uma voluptuosidade envenenada; à sua inocência, com uma poesia de culpado, pois tudo se tornará para ti poesia, mas uma poesia da culpa... Idéias cristalinas, encadeamento feliz de pensamentos? Não pensarás mais: será uma irrupção, uma lava de conceitos vomitados, agressivos, saídos das entranhas castigos que a carne se inflige a si mesma, pois o espírito permanece vítima dos humores e fora de questão... Sofrerás por tudo, e desmesuradamente: as brisas te parecerão borrascas; as carícias, punhais; os sorrisos, bofetadas; as bagatelas, cataclismos. É que as vigílias podem cessar; mas sua luz perdura em ti: não se vê impunemente nas trevas, não se extrai delas ensinamento sem perigo; há olhos que nunca mais poderão aprender nada do sol, e almas doentes de noites das quais jamais se curarão...".
CIORAN, Emile. Breviário da Decomposição. Tradução de José Tomas Brun. Editora Rocco, São Paulo, 2000.
CIORAN, Emile. Breviário da Decomposição. Tradução de José Tomas Brun. Editora Rocco, São Paulo, 2000.
5.06.2007
Noite insone

As noites insones são as maiores delícias mortas na vida de alguém. É como se o tempo passasse sem passar, como se carro do Sol se levantasse e trouxesse um dia novo, sem parecer que o dia que foi ontem se foi para sempre. As noites insones te levam do quarto para a cozinha em busca de algo para beber e aquecer aquele frio que insiste em entrar pelas frestas da janela, e no meio do caminho ainda há uma tentativa de ligar a TV, mas logo se percebe que aquele mundo da telinha não é mais para você. As noite insones são acúmulos de horas que inquietam o espírito. Os olhos buscam leituras, letras, frases, períodos, poemas que balbuciam dores em cada verso, romances que esbofeteiam, filósofos tão incompreensíveis como as razões que te deixam desperto e com batimentos cardíacos acelerados em plena 4 horas de uma quarta-feira qualquer.
As noites insones castigam mais do que os remorsos dos velhos, aqueles remorsos de uma vida que foi perda, ruína e covardia. E não é demais pensar que o próprio Cristo teve a sua noite insone, no escuro Getsemâni, a procurar uma razão para seu sacrifício. Cristo compreende os insones. Ele conhece a agonia de querer dormir, do corpo pedir descanso e encontrar a resistência de pensamentos que não cessam de reclamar. A tolice ainda aumenta quando o cigarro é aceso, a nicotina afasta o sono como cruzes afastam maus espíritos, e ainda busca-se um café para completar o desastre, ou chá, ou os dois, mesmo o chá verde tem cafeína, um veneno a mais para a desgraça de ficar confinado entre o azedume característico das lembranças que não querem partir.
As noites insones são todas. Não lembro quando tive a última noite de sono saudável, regular noitinha gostosa envolto entre cobertas cheirosas das 22 às 7, uma delícia, acorda-se com a disposição de um conquistador, come-se pão fresquinho com um leite vaporoso de quente. Agora a minha hora é inversa a da maioria e eu estou a mil quando o mundo estaciona em letargia. Adormeço por momentos, resmungo, os sonhos são tristes e eu invejo aqueles que jamais se lembram deles. Como muito mal. Às vezes esqueço de tomar banho. Respiro o ar de um quarto que nunca está com a janela aberta, odeio vizinhos bisbilhoteiros. Sei que Deus me vê agora, este Deus absurdo que brinca com os homens em suas ironias, mas Ele eu tolero e não tenho como evitar. Penso como foi triste a agonia no Getsemâni, afinal Jesus não tinha livros, nem computador, nem café para lhe fazer companhia, e os folgados dos apóstolos estavam é dormindo. Era só Cristo com o desespero de uma noite que não se dorme. Eu sempre achei que estes infernos noturnos me seriam negados, mas eu estava errado.
E nas noites insones leio, escrevo, penso, leio mais, escrevo mais um pouco, busco uma saída e o presente de encostar a cabeça no travesseiro e simplesmente repousar - mas não acontece. Desejo que Hipnos embale meu pensamento e o deixe dócil, pequeno, envolto em nuvens etéreas - e ele não aparece. Ao contrário, tenho um coração que não pára e uma ânsia de absoluto que fica ao meu lado sugerindo planos para o próximo dia. Sou um atleta do devir. Especialista em fazer de noites inteiras um laboratório de tormentos e lágrimas, e com a sensação de estar enlouquecendo por isso sem ao menos dar importância.
Assinar:
Postagens (Atom)