4.25.2010

Narrativa Mitológica de Curitiba - Canto I


Canto I

Chegaram à cidade de Curitiba em uma fria manhã sem nuvens de Sexta-feira Santa. Lembraram-se com emoção do Nazareno que morreu na Cruz logo que deixaram o ônibus, mas essa emoção passou rápido pois foram surpreendidos por uma visão: campos sem fim com centenas de Cristos crucificados, um Cristo para cada pecado cometido pelos homens. A visão ocorreu de forma simultânea para os três: não foi preciso que comentassem um com o outro o que tinha ocorrido. Isso secretamente os alegrou pois mostrava, de forma a não deixar dúvidas, que a decisão de comemorar os Mistérios da Páscoa em Curitiba tinha sido acertada, marcando o início de dias preenchidos com cânticos selvagens, orgias lúdicas e fruição estética de objetos sem beleza.

Foram recepcionados calorosamente na rodoviária por um judeu casado com uma italiana. Moravam na cidade há algum tempo, sendo amigos do Peregrinos desde “há inúmeras gerações”, como gostavam de falar, se entendermos gerações em um sentido não vulgar e sim relacionado com a idéia de samsara. O judeu e a italiana viviam afastados do centro de Curitiba, em uma filial do Templo da Juventude Psíquica. No Templo havia 7 gatos, 23 serpentes e infinitos quartos: em cada um deles habitava um vício e uma mentira. Os Três Peregrinos resolveram acomodar-se no mesmo dormitório, que ficava defronte ao que o judeu e a italiana utilizavam. Um dos sete gatos gostava de arranhar a porta do quarto dos Peregrinos quando estava fechada; conta-se que aquele gato habitava ali desde muito antes dos Tempos Históricos, e que a presença do Templo consistia para ele uma espécie de profanação. Não se sabe que deuses eram profanados, e nem mesmo quem conseguiu descobrir isso; eram deidades para sempre esquecidas, cujos nomes permanecem codificados nos miados dos felinos.

Os Peregrinos, cansados da viagem, não resistiram ao conforto do quarto e adormeceram por algumas horas logo após o almoço. Enquanto dormiam, o judeu e a italiana desenharam um detalhado plano para a noite de Sexta-feira Santa. Estavam entusiasmados: fizeram uma enorme lista de ritos, compromissos e lugares para visitar, e sua empolgação foi tamanha que estabeleceram atividades para os outros dois dias também, tudo para que as horas fossem preenchidas, ricamente preenchidas. O próprio ato de escrever a lista lhes causou imensa satisfação. Sorridentes, foram despertar os Peregrinos de sua sesta preguiçosa, encorajando-os a se preparem para os compromissos noturnos. Sabiam: seriam dias vividos não vulgarmente como um feriado, como uma desesperada tentativa de diversão, mas sim como uma experiência de criação intensa de realidades complexas, de novos limites cognitivos, de sensibilidade paradoxais. Mesmo que tudo isso, no fundo, não signifique nada – tanto os Peregrinos como o judeu e a italiana sabem e sentem que a Vida é nulidade, engano, ilusão e traquinagens do intelecto tentando justificar que no fundo não é nada disso.

Já começava a noite quando deixaram o Templo entregue aos caprichos dos 7 gatos e das 23 serpentes. O destino dos nossos falidos heróis era o centro de Curitiba, especificamente o Largo da Desordem: espécie de último resquício do passado da cidade, cristalizado nas construções antigas, o Largo da Desordem é repleto de bares que invariavelmente estão cheios. O vulgo em peso povoa as mesas e, como não poderia deixar de ser, bebe incontrolavelmente. Contudo, a embriaguez dele esgota-se em si mesma; quando muito alguém se torna agressivo ou melancólico ou ridículo; a agressividade tem ao menos o mérito de colocar o indivíduo em uma situação de perigo, fator que o tira da normalidade sufocante que é uma verdadeira ruína para o espírito. Mesmo assim, é uma ferocidade sem brilho algum, assemelhando-se a cães que disputam um osso encontrado ao acaso. Mas de qualquer modo havia mesas e lugares para os Peregrinos e seus anfitriões se sentarem, o que fizeram sem demora nas mesas pouca iluminadas do Schwarzwald, endereço presente na lista de lugares-para-ir feita pelo judeu e pela italiana enquanto os Peregrinos dormiam e sonhavam. Escolheram o lugar por dois motivos complementares: por se tratar de Sexta-feira Santa e por ali se servir carne de onça e carne de javali. Em uma estúpida encenação ritualística (e conscientes da estupidez) pediram bebidas e os dois pesados pratos. Da carne de onça era possível ver o sangue escorrendo, já que era servida crua, e a do javali o aroma da gordura cozida chegava a ser nauseante. Mas os limites do corpo existem justamente para serem estendidos ao máximo, na busca pelo ponto onde a configuração saudável dos órgãos se encontra comprometida; os resultados não físicos do esforço se justificam, como por exemplo a visão mais ampla da realidade obtida após uma semana sem dormir, ou a sensação de superioridade espiritual fruto da escalada de vertiginosa montanha em trajes menores. Para os Peregrinos, o abuso de carnes na data em que o Nazareno morreu serviu como um ato simbólico de negação; ao mesmo tempo, comportava uma ânsia por intoxicar o sangue com substâncias mortas. Tal intoxicação ocorreu: sentiram-se pesados, gordos e incapazes de pensamentos ou ações sublimes, e preparados para uma noite sem descanso. Pouco depois do Ritual de Intoxicação, chegaram ao Schwarzwald as Amigas do judeu e da italiana: uma delas era a Loira e a outra a Morena. Trajavam provocantes vestidos negros e imediatamente despertaram a atenção dos intoxicados Peregrinos (uma delas desempenhará um importante papel nessa Narrativa Mitológica, ainda no desenvolvimento do Canto I). Suscetíveis estavam a qualquer menção de feminilidade, e a das Amigas era de uma espécie que levantava paus apenas com uma breve insinuação.


Para que uma noite de Sexta-feira Santa seja realmente comemorada em Curitiba, os Peregrinos instituíram que era necessário render homenagens a um ídolo presente nas extremidades do Largo da Desordem: a estátua do Cavalo Babão. Rodeado por jovens almas completamente imersas em um niilismo passivo que faria Nietzsche arrancar os fios do próprio bigode, nas redondezas da estátua do Cavalo Babão vagam aqueles comerciantes que vendem brincadeiras mais divertidas já vistas – ou seja, traficantes. Os Três Peregrinos os reconheceram pelas suas características universais: sempre quietos, parados nos lugares semi-escuros e pouco movimentados, sérios, compenetrados como monges. Em um determinado momento da noite foram até lá para munirem-se de ácidos, acompanhados por uma das amigas da Loira e da Morena. Essa amiga chamava-se G. e tinha se juntado ao grupo fazia apenas alguns minutos; levou os Peregrinos para falar com um tal de Traficante do Capuz, cujas pílulas eram famosas entre os curitibanos. A negociação foi breve: saíram de lá com o suficiente para uma noite. G. ofereceu as pílulas aos Peregrinos colocando-as em sua boca e beijando-os, molhada e libidinosamente. Dizia-se que ela era uma bruxa e que aprendeu a arte de beijar em cerimônias de osculum obscenum praticadas amiúde nas terras do sul. Talvez daí se explique por que os Peregrinos tenham ficado com uma sensação muito viva de que o beijo de G. continha algo fecal e demoníaco, especialmente para o peregrino mais alto e que nunca dormia, que foi favorecido com beijos de ácido mais calorosos.


Desse ponto em diante a noite dos Peregrinos entrou em seu momento de ascensão, delírio e aventura. Sempre acompanhados do judeu e da italiana, seus anfitriões, e também das Amigas, nossos heróis percorreram as ruas centrais de Curitiba. Perdidos, alheios, gozando da influência dos beijos de ácido de G., entoaram os cânticos tradicionais da Sexta-feira Santa, celebrando o assassinato ritual do Nazareno segundo a exegética da Morte do Passado, ou seja, como um momento feliz; e dentre os muitos significados de tal morte, trataram de deixar claro que, como Jesus estava morto, tornava-se ilógico falar de pecado; devido a isso, pelo menos até a Páscoa, os pecados estavam suspensos e todas as ações não poderiam ser julgadas como boas ou más, justas ou injustas, já que deus estava ausente das coisas do mundo.

O clima de licensiosidade iniciado com a Intoxicação por Carne e hipertrofiado com os Beijos de Ácido de G. levou-os ao Blood, um lugar qualquer de Curitiba que não vale a pena explicar. Ali, os fatos que merecem ser enumerados se resumem a três: a Longa Conversa sob a Árvore do Vício, que fica na região exterior do Blood, cercada por areias impuras; nessa conversa tudo o que existe no mundo foi discutido e analisado sob inúmeros pontos de vista, todos estúpidos; a irritação de alguns machos locais, que odiaram a presença dos Peregrinos no Blood, talvez por os considerarem estrangeiros em sua cidade, típico bairrismo curitibano que os próprios Peregrinos consideram correto e desprezível ao mesmo tempo; e por último o ataque sexual sofrido pelo Peregrino de aspecto vampírico, que sucumbiu aos encantos da Morena. O intercurso entre os dois foi selvagem, bêbado e indecente, sendo que a Morena, uma sucubus em estado ideal, tratou de sorver praticamente todo o vril do peregrino de aspecto vampírico, chupando-o no pescoço. A ferida daí resultante permanece lá até hoje – o que nos deixa espaço para imaginar qual seria o resultado se a ela fosse dada a oportunidade de sugar o seu pau.

Há determinadas noites que deveriam ser eternas; entre o ocaso e o resplandecer do sol há mais vida do que em qualquer outro momento do dia. Os Peregrinos sabiam disso, e na volta do Blood para o Templo, onde moravam os 7 gatos e as 23 serpentes, seus espíritos rememoravam os acontecimentos de há pouco, assim como, sem nada dizer, amarguravam o final da noite, da primeira noite em Curitiba.


p.s.: Narrativa Mitológica de Curitiba é um relato dividido em partes. Esse é o Canto I. A Introdução e o Exórdio podem ser lidos aqui.

4.19.2010

Relatório de leituras: Fante, Veyne e Goethe

Completamente doente o final de semana todo, inclusive febril na noite de sábado, meus dois últimos dias em casa foram lamentáveis. O odor acumulado de minha respiração/transpiração somou-se a tantos outros odores desagradáveis que brotavam de minhas lembranças, mas a esses odores é mais fácil se furtar: basta apenas um coquetel de remédios fortes, vem o sono e pronto, a tranqüilidade algo zen domina-me por completo e eu até sonho.

Ficar em casa curtindo uma doença, todavia, não é nem de longe algo ruim, levando-se em conta que há muito o que um homem doente pode fazer como, por exemplo, ler. E a minha leitura de convalescente foi O vinho da juventude, do Fante. Se você já leu Pergunte ao pó ou Espere a primavera, Bandini com absoluta certeza vai amar os contos desse livro. "Um de nós", o conto que na primeira orelha é indicado como um dos mais pungentes da obra, está certamente na lista das coisas mais tristes que já li, mas há momentos ainda mais tensos e poéticos, como em "Lar, doce lar" e "O Deus de meu pai". Ri muito lendo "A última jogada de Oscar" (o episódio da briga semi-xenofóbica dos garotos fala mais sobre geopolítica do que cansativos artigos de especialistas) e ri mais ainda lendo "A canção tola de minha mãe". Não me lembro do último livro que me fez rir assim, com verdadeira satisfação, e poucas páginas a frente me deixar pensativo e emocionado com as lágrimas de arrependimento de Jimmy Toscana, o alter ego que Fante deu para si nos contos reunidos nesse livro.

Algumas palavras sobre o título do livro. O vinho da juventude não é de todo ruim, afinal o vinho é quase um personagem dos contos, estando presente em praticamente todos eles. Porém o título original, Dago Red, tem um sentido completamente diferente: "dago" era o termo usado para pejorativamente designar os italianos nos Estados Unidos. O termo que em geral usa-se no Brasil (ou usava-se) é carcamano. Em uma tradução mais fiel, O vinho dos carcamanos seria mais adequado. Mas talvez as exigências politicamente corretas e/ou mercadológicas tenham norteado a decisão de suavizar o título original, se bem que eu não entendo como alguém, hoje em dia, poderia se sentir ofendido ao ser chamado de carcamano. Talvez um velhinho da Mooca fique vermelho de raiva ao ser chamado assim, mas tenho certeza que nenhum velhinho de lá lê o meu blog.

A doença que me fez recluso nesses dois dias também rendeu a redação de um novo (ou melhor, o esboço de) post para o blog da UGRA Press. Provavelmente, na próxima quinta-feira, que é o dia em que colocamos no ar as atualizações, ele será publicado. Estou ficando feliz com ele, pois me baseei em um ensaio do Paul Veyne, historiador francês que desde meu segundo ano da USP me cativou, seja pelo seu estilo elegante e debochado ao mesmo tempo, seja pelos controversos pontos de vista que ele arrisca de vez em quando. Em seu último livro, "Quando o nosso mundo se tornou cristão", por exemplo, Veyne sustenta que só nos tornamos cristãos porque Constantino se converteu. Não nega a extrema habilidade política do imperador ao levantar a bandeira dos seguidores da Cruz, mas em larga medida credita nossa herança cristã ao radicalismo de um homem só - indo contra a opinião largamente aceita de que o cristianismo, na época de Constantino, já era um culto largamente adotado no Império Romano. Para ele, a desconstrução do paganismo ocorreu de forma política, e não meramente pelo trabalho das primeiras comunidade cristãs. A diferença pode parecer sutil, mas guarda consigo uma radicalidade profunda: só falta Veyne escrever que tudo o que foi dito sobre o nascimento do cristianismo era uma bobagem.

Pausa para mais remédios. Essa semana, a leitura será Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe. Na quarta, coloco aqui o Canto II da Narrativa Mitológica de Curitiba. E aos que rezam, peço que rezem por mim, já que não tenho fé para isso.

4.16.2010

Narrativa Mitológica de Curitiba

Nota introdutória
O que aqui segue é a parte inicial do esforço que denominei Narrativa Mitológica de Curitiba, após minha visita a essa cidade na última Páscoa. Foi a forma que encontrei para registrar, da forma que me parece a mais apropriada, os 3 dias entre a morte de Nosso Senhor e sua vitoriosa ressureição entre ovos de chocolate.

Haverá ainda três partes, que serão devidamente publicadas assim que eu me sentir satisfeito. Boa parte da Narrativa Mitológica de Curitiba foi escrita por apontamentos, coletados anarquicamente durante os dias do feriado. O trabalho maior está em dar um conjunto para tudo o que está espalhado em mais de vinte páginas de anotações, rabiscos, desenhos, fotos e cheiro de vômito.

Fatos, memória e fantasia estão completamente entrelaçados não apenas no resultado final da Narrativa, mas inclusive nas anotações. Todavia, tudo o que está escrito -absolutamente tudo- aconteceu de verdade
. Deliciem-se.


Exórdio

Os Três Peregrinos decidiram que a Páscoa daquele ano seria comemorada na cidade de Curitiba. Como em geral as coisas acontecem para eles, a viagem foi decidida aos solavancos, quase de improviso, o que não quer dizer que tudo o que aconteceu já não estava determinado em algum plano além-da-matéria que não explicaremos aqui. O fato é que arrumaram suas bagagens com satisfação, colocando nelas roupas, mentiras musicais, ilusões literárias e alguns sortilégios filosóficos. Combinaram de se encontrar na Estação Paraíso logo após o Sonnenuntergang; naquele horário a cidade agitava-se na a efervescência do movimento frenético de milhões de destinos vivendo o seu limbo-nada, desesperadamente querendo voltar para casa, caos que era a delícia-pesadelo de um Demiurgo vaidoso que com certeza ri e engasga com o próprio riso ao ver os Três Peregrinos se cumprimentando, abraços e tapinhas nas costas e sorrisos estúpidos, ansiosos pelo que estava por vir, por aquela Grande Viagem de Páscoa em que desceriam para o Sul, para o frio Sul, lar da dissolução de todos os Grandes Sonhos e Projetos.

Após se cumprimentarem, desceram as escadas e entraram no metrô que liga os extremos Norte, Sul, Leste e Oeste da cidade (o simbolismo da Cruz, escancaradamente presente na vida cotidiana ). Foram até a Estação Tietê. Ali fica uma rodoviária, arquétipo do Porto em uma versão modernosa ou empobrecida, adjetivos que parecem não ter nada de semelhante entre si, embora no fundo sejam semanticamente equivalentes e cabalisticamente irmanados. O Porto sempre foi o ponto de contato entre mundos diferentes, o grande misturador dos weltanschauung, a testemunha das despedidas fatais, a conexão mística das culturas em ascensão com aquelas que também desejam os altos vôos apolíneos antes do Esquecimento; lembremos que Fernando Pessoa, esse semideus feito não um mais muitos, escreveu uma ode ao Mar e ao Porto eterno que nos habita lusitanamente, que marca nossa alma com uma herança mediterrânea de Agitação e Perda. Mas se não há mais peixes nem marinheiros no arremedo de porto que a nós resta, nas rodoviárias há porém toda a sujeira e confusão de odores que caracterizam os redutos das embarcações. Malas são arrastadas, pessoas se esbarram sem parar, avisos sonoros alertando aos atrasados que é melhor se apressar, filas monumentais para compras de passagem, choro de crianças, resmungos de velhos, últimas recomendações para os que se vão: a rodoviária Tietê é uma coleção de tudo isso acontecendo sempre e sempre, um universo incansável de Tristeza, Perspectivas, Separações e Reencontros.

Os Três Peregrinos, que embarcariam no último ônibus da Viação Itapemirim, estavam alheios a toda essa movimentação da rodoviária: sua excitação com a viagem impedia reflexões mais profundas e senso de observação apurado. A saída do ônibus sofreu um atraso de quase uma hora, cortesia do engarrafamento da cidade, que ainda é tratado como um acontecimento excepcional quando na verdade transformou-se em fato corriqueiro, isso desde há anos. Mas assim se forma a Realidade, por um ato de Vontade, que muito deve ao uso da Palavra, esse instrumento de Poder que o Demiurgo vaidoso nos deixou para, em vão, tentar explicar o Universo.

Vencido o trânsito (exercício de contrapoder em nível lingüístico: vencida a condição natural de engarrafamento da cidade) o ônibus pegou a Autopista do Sul e em velocidade crescente seguiu para a cidade de Curitiba. Os Três Peregrinos então adotaram seus comportamentos padrões. O mais velho logo adormeceu: seus sonhos eram todos sexuais e invariavelmente envolviam lambidas no de mulheres depiladas. O outro peregrino, o mais alto, não dormia nunca: passava as noites desenhando histórias em quadrinhos de continuidade infinita onde a Derrota, essa deusa incansável, era venerada em diversas formas. O peregrino mais novo também não dormia, contudo permanecendo em um estado sonambúlico: tal estado lhe conferia uma aparência vampírica, acentuada por sua predileção por roupas negras e leituras em línguas estranhíssimas. Terminamos o exórdio dessa Narrativa Mitológica vendo nosso Três Peregrinos sentados em suas poltronas no ônibus e entregues cada um às suas manias prediletas.

4.12.2010

A realidade é aquilo que eu acredito


Nesse final de semana eu tive uma overdose de trabalho tão incrível que me fez perceber que o ridículo pode de fato tomar conta da vida de qualquer um. Ontem resolvi, então, fazer uma vingança simbólica: ficar acordado durante toda a madrugada não fazendo nada. Isso mesmo, não fazer nada, como um exercício calculado de ócio. Deu certo.

A madrugada rendeu uma evolução dos apontamentos para o novo texto que estou produzindo, o Narrativa Mitológica de Curitiba, relato de minha última visita aos amigos daquela simpática cidade. É um texto bem diferente de todos os que eu já fiz, pela mescla de realidade e fantasia que surge a cada momento. De qualquer maneira, tudo o que estará ali é verdade -já que a linha tênue entre verdade e ilusão que nos quiseram fazer acreditar não existe. Tudo é discurso, construção, vontade; lembro das últimas cenas de "A Montanha Sagrada" de Jodorowsky, da câmera se afastando e mostrando a equipe de filmagem, os atores e todo o resto ao mesmo tempo. Um filme é uma mentira, um conjunto de signos que se pretende real quando, na verdade, é apenas uma história. Mesmo a nossa vida não é, ao fim e ao cabo, aquilo que queremos lembrar? Tudo são escolhas. Eu, em geral, só faço as erradas. Deve ser por isso que eu não passo um dia sequer sem rir de tudo o que me acontece.

Narrativa Mitológica de Curitiba vai pro ar na quinta-feira. Isso pode ser mentira, aviso. Até lá, ouçam Crystal Castles. É a essência da AIDS em forma de música. Funciona muito bem, principalmente quando você está há 30 horas sem dormir nenhum segundo e luzes estranhas piscam no seu campo de visão. Eu teria medo dessas luzes no passado, sintomas de uma nova crise epiléptica. Mas a realidade é aquilo no que eu acredito -e eu não boto fé que vou cair no chão e começar a babar e tremer. Pelo menos, não hoje, não agora..

4.02.2010

Histórias e características dos zines


Publicamos no blog da UGRA o primeiro trecho da tradução de um texto de Fred Wright sobre a história e as características dos zines.

O texto terá sua continuação na próxima quinta-feira, onde Fred escava o tempo em busca das raízes mais remotas dessas publicações singulares, motivadas pelo desejo de compartilhar e discutir idéias, muito antes de blogs, Twitter e afins.

Vejam http://ugrapress.wordpress.com/2010/04/01/historia-dos-zines/ . E ajude-me a divulgar isso. Prometo guloseimas para os gordos, drogas para os junkies e carinhos nos solitários.