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3.07.2012

Tradução de livros no Brasil



O post de hoje é um texto publicado no site da revista Época, na editoria de cultura, com muitos bons argumentos sobre a precarização da atividade do tradutor literário no Brasil.

Talvez a melhor interpretação para o fato seja essa: de um lado editoras que desejam ter os menores custos possíveis para lançar novos títulos, e buscam tradutores que cobram pouco pelo serviço; do outro, tradutores sem formação adequada saídos de um curso de idiomas qualquer que, convencidos de suas capacidades tradutórias (e com o apoio do Google Translator), arriscam-se a verter para o idioma pátrio textos literários. 

Para além desses dois fatores – por assim dizer a superfície, os sintomas externos – há o flagrante dar de ombros para as atividades intelectuais que exigem tempo e profundidade. Tais atividades são tomadas como irrelevantes, desnecessárias, luxos para poucos. Na turbulência moderna, a produtividade é colocada como valor em si, e localizada à frente de todos os demais. Assim, não importa tanto a qualidade de uma tradução, desde que ela esteja pronta rapidamente e possa chegar às livrarias antes do concorrente; o tradutor (ele também participante do fervor moderno e portanto afetado pela premissa de que o conhecimento pouco – ou nada – vale) oferece então algo aproximado do texto de partida não como uma opção consciente, mas por incapacidade de absorver nuances culturais e linguísticas durante o processo tradutório. A longa imersão em uma língua estrangeira, ou melhor dizendo, em um cultura estrangeira certamente faz parte da formação desse tradutor ideal, comprometido em realizar traduções que aproximam-se o máximo possível das intenções do autor traduzido.

Mas é justamente a busca por exatidão, verdade e clareza que não possui mais lugar nesse mundo. A atividade tradutória de textos literários segue essa tendência, e seria insensato acreditar que seria diferente. Exceções, como em tudo, obviamente existem, mas não são suficientes para calar uma tendência.

Agora o texto:

Tradutores mais que traidores

Os livros no Brasil são tão mal traduzidos que comprometem a categoria



Uma das obrigações mais agradáveis da função de jornalista é a de ler muito e acompanhar de perto os lançamentos de livros, selecionando os bons dos maus lançamentos. O prazer, no entanto, pode facilmente se transformar em tortura, já que os maus títulos sempre superam numericamente os bons. Nós setoristas de cultura somos obrigados a lidar com obras esotéricas, romances para moças (hoje chamados de chick-lit), suspenses de quinta disfarçados de inteligência (os smart-thrillers) e biografias pretensiosas, cujo autor parece desejar loucamente ofuscar o biografado. Aproveitamos menos de 5% do total estimado de 20 mil títulos lançados anualmente no país.

Ora, dentro dessa tortura mora outra ainda mais cruel: a oferecida pelas traduções de obras estrangeiras para o português do Brasil. É cada vez menos raro encontrar traduções de baixa qualidade de obras importantes lançadas por grandes editoras brasileiras. O problema se dissemina por toda parte, do setor de didáticos e paradidáticos ao dos best-sellers e grandes obras literárias. Ninguém escapa da má tradução. A grande vítima é o leitor, prejudicado sem saber, mesmo porque não tem obrigação de julgar uma tradução.

Como leitor profissional, tenho vivido momentos de horror crescente ao me deparar com traduções literárias, aquelas que deveriam merecer um pouco mais de cuidado por parte dos encarregados do texto vernáculo. Para não ferir egos, é melhor não citar quem e que obras foram vertidas. Afinal, os problemas são recorrentes em boa parte dos títulos literários. Eles são de três ordens: técnica, educacional e cultural.

O primeiro aspecto que chama atenção está na abundância de falhas de revisão ortográfica. São aqueles erros que atrapalham a leitura, desviam a atenção e, pior, fazem a gente duvidar da qualidade do conteúdo do que está lendo. Erros tipográficos, como se dizia antigamente, já deveriam ter sido eliminados de nossas vidas. Em revistas e jornais, cometem-se muitas dessas falhas, e é uma luta cotidiana para tentar banir esses monstrengos que rebaixam qualquer texto. Quando se trata de livros, porém, essa questão já deveria ter sido ultrapassada. Com revisores competentes e corretores de texto de última geração, é possível detectar os erros. Claro que seria necessário algum tempo para o trabalho ser realizado. Esse tempo parece ter acabado.

Os erros de português são mais frequentes do que os de ortografia. Concordância, regência e sintaxe são massacradas impiedosamente, tudo em nome de vultos literários conhecidos. Ler um clássico dessa forma conspurcado irrita e muitas vezes ultraja o leitor. O tradutor atua aqui não como um traidor (de acordo com a expressão italiana clássica dada à profissão: “Traduttore, Tradittore” - tradutor, traidor), e sim como um genuíno usurpador dos tesouros da literatura. Com um mínimo de conhecimento, qualquer um percebe que oportunistas quase analfabetos se encarregam de tarefas para as quais obviamente não têm competência.

Ainda mais graves são as ocorrências de equívocos que demonstram a falta de cultura daqueles que estão fazendo tradução. Eles produzem versões desprovidas de coerência do enunciado e coesão entre as diversas partes de um texto. Isso indica que falta pensamento lógico básico em muitos tradutores. Eles usam barbarismos imundos e contaminam o idioma. Como se não bastasse, desconsideram que a tradução também deve envolver conhecimento da parte do tradutor em relação ao contexto do idioma que ele está vertendo. Em um romance que li recentemente, traduzido do espanhol, o teatro São Carlos de Lisboa está grafado “San Carlos”, como se fosse um teatro espanhol, e a região da Saxônia aparece como “Sajonia”. E assim por diante, derrapadas desse tipo desqualificam a tradução como um todo, pois evidenciam a falta de preparo e de conhecimento que o tradutor possui do assunto. É interessante que essas traduções parecem subestimar a inteligência do consumidor, como se ele não fosse capaz de distinguir o ruim do pior.

Tenho quase certeza que esses indivíduos que se dizem tradutores fazem questão de assinar seu trabalho nas páginas de rosto dos livros lançam mão dos mais pérfidos recursos para completar suas tarefas. Já li muito livro cuja tradução em português parece ter sido produzida no Google Translator.

Até aqui descrevi a situação. Chega a hora de perguntar por que todos esses erros, equívocos e bandalheiras ocorrem. Dois motivos me ocorrem de imediato: o fenômeno da vulgarização das traduções, que reflete o avanço do mercado, e a indigência cultural brasileira, que não prepara adequadamente profissionais de tradução, ou, pelo menos, desconsidera os profissionais da área e remunera mal tradutores arrivistas ou mesmo amadores.

Vamos ao primeiro motivo. Como tudo no mundo, livros não consistem em entidades perfeitas. E eles se tornam cada vez mais precários à medida que o mercado impõe uma alta velocidade de lançamentos. O mercado brasileiro de livros cresce 8% ao ano. Além disso, os livros já estão livres do papel, e chegam agora até nós no formato digital de e-books. Havia um respeito talvez exagerado pelo texto impresso em papel. Hoje o papel não passa de um subproduto do texto digitalizado. O papel traz matéria a um bem imaterial chamado texto. A dessacralização do objeto livro deixa os salteadores à vontade para fazer o que bem entenderem com as obras alheias.

O segundo motivo afeta a profissão do tradutor. A alta frequência de inexatidões acaba por prejudicar a minoria de excelentes tradutores em atividade no Brasil. Por isso, os tradutores profissionais estão se rebelando contra a situação. Sentem-se excluídos porque a tabela do Sintra (Sindicato Nacional dos Tradutores) é alta de acordo com as editoras, que querem trabalhar com orçamentos cada vez mais reduzidos. E já que os bons profissionais custam mais e levam mais tempo para entregar o trabalho, a solução encontrada é ignorá-los em benefício de amadores ou arrivistas. Criou-se uma espécie de lúmpen da tradução, que aceita pagamentos mínimos por uma tarefa da qual se safa rapidamente.

O que fazer para melhorar o nível das traduções e não comprometer a ínclita categoria dos tradutores? Não tenho resposta para isso. Talvez fosse útil criar instrumentos mais precisos para controlar a atividade. Mas quem faria isso sem medo de ser chamado de inimigo da liberdade de expressão? Melhor então seria empreender uma caça às bruxas para julgar e banir os maus tradutores do mapa. A desaparição de muitos tradutores preencheria uma lacuna em nossas vidas. A verdade é que a tarefa é mais complicada do que parece, além de exigir o longo prazo. Seria necessário investir com seriedade na formação dos tradutores, com critérios de seleção menos complacentes que rigorosos. Má tradução e a má leitura são farinha do mesmo saco de permissividade cultural em que estamos metidos.




10.10.2010

Tradução, criação e subjetividade

Embora não tenha nenhum envolvimento profissional com o tema, interesso-me bastante pelo assunto tradução (especialmente a tradução literária) e já abordei o assunto algumas vezes por aqui. A leitura de livros como "Quase a mesma coisa", do Umberto Eco, foram responsáveis por aguçar ainda mais minha inclinação pela atividade tradutória, mostrando suas possibilidades, obstáculos e imperfeições.

8.12.2009

Preconceito lingüístico: um mito

É já assunto um pouco frio, mas a matéria "Os preconceitos da pronúncia" da revista Língua Portuguesa suscitou novamente em mim aquele sono e cansaço toda vez que leio/ouço falar de uma das bandeiras de luta mais estúpidas do pensamento politicamente correto: o preconceito lingüístico.

O técnico de futebol da seleção, Joel Santana, foi alvo de piadas por seu inglês no limite do incompreensível. O vídeo do YouTube, em seus 42 segundos, pode explicar o motivo da piada muito melhor do que qualquer explicação que eu possa dar. Temos dois tipos de estupidez nesta questão: de um lado temos os chatos defendendo o fim do preconceito lingüístico, e do outro iletrados que postam comentários como "q retardado! achando q pode falar ingles!" e dispensam acentuação e outras letras que julgam desnecessárias, praticamente reinventado as normas da ortografia pela ótica da burrice.

O defensor do fim do preconceito lingüístico acredita que o mundo vai melhorar quando todos os brasileiros tiverem a chance de falar My equipe pray very naisse sem ter o perigo de alguém filmar e colocar no YouTube. O iletrado ridiculariza os Joéis Santanas e não sabe nem conjugar o verbo amar no presente do subjuntivo, mas passou as tardes após o colégio em uma sala do CCAA aprimorando seu inglês para as férias na Disney ou qualquer outro paraíso playboy para bem nascidos. Ambos, sem exceção, merecem uma surra de realidade.

É claro que quando o Joel Santana falou foi engraçado. Não há problema em rir dele. Pessoas riem umas das outras o tempo todo pelos mais diferentes motivos. Rir do outro é importante para reconhecer nele o profundo ridículo que todos nós somos. Mas a bandeira politicamente correta, quando empunhada, merece todas as formas de escárnio, assim como os imbecis que denigrem brasileiros falando uma língua estrangeira sem a pronúncia "correta" - coisa que não existe, basta para tal comparar os sotaques de Santa Catarina e Salvador.

Termino com uma citação de "A correspondência de Fradique Mendes", do genial Eça, que muito diz a respeito do servilismo lingüístico que, de um lado, proíbe o riso e, do outro, instiga o escárnio vazio:

"Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua de sua terra: - todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. (...) Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras, constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio, o Vocábulo."

5.13.2009

O Pai Nosso em Aramaico de Neil Douglas-Klotz

Jesus CristoUma suposta versão do Pai Nosso direto do aramaico tem circulado pela Internet nos últimos dias. O texto chegou em minhas mãos, e me surpreendeu pela inusitado grau de poeticidade e pelo tom orientalista de certas passagens, em especial a temática do mundo material como engano (o maya indiano).

Apesar disso, algo ali não fechava: o texto nenhuma similaridade guardava com a oração por todos tão conhecida. E não foi necessária uma extensa pesquisa em sites de aramaico para descobrir a origem da suposta tradução direta: trata-se de uma versão deliberadamente new age presente no livro Prayers of the Cosmos, do mestre sufi Neil Douglas-Klotz.

A farsa é desconstruída no blog do tradutor americano Steve Caruso. Há erros grosseiros presentes inclusive na capa do livro, com caracteres siríacos totalmente invertidos, e viagens místico-explicativas sobre as diferentes sonoridades dos fonemas aramaicos que, segundo Caruso, podem até servir "como uma criativa metáfora e até mesmo como algo para se meditar", mas de um ponto de vista tradutológico e acadêmico (e eu só posso concordar com ele), Douglas-Klotz está criando mentiras lindas e adornadas - mas mesmo assim continuam sendo mentiras. No final, Steve adverte que místicos deveriam tomar cuidado ao tratar de problemas tipicamente acadêmicos, como os que são explorados no livro de Klotz, sob risco de incorrer em graves distorções do texto.

Prayers to the CosmosComo tradutor de aramaico que é, Steve Caruso está claramente a defender seu métier. E isso não está errado, afinal a quantidade de sites que propagam a delirante versão do Pai Nosso de Douglas-Klotz como uma tradução direta do aramaico é enorme.

Independente da fraude, é muito mais interessante e refinada que a original. Agora, apreciem a versão new age de uma das mais antigas orações do mundo:

Pai-Mãe, respiração da Vida,
Fonte do som, Ação sem palavras, Criador do Cosmos !
Faça sua Luz brilhar dentro de nós, entre nós e fora de nós para que possamos torná-la útil.

Ajude-nos a seguir nosso caminho
Respirando apenas o sentimento que emana do Senhor.
Nosso EU, no mesmo passo, possa estar com o Seu, para que caminhemos como Reis e Rainhas com todas as outras criaturas.

Que o Seu e o nosso desejo, sejam um só, em toda a Luz, assim como em todas as formas, em toda existência individual, assim como em todas as comunidades.

Faça-nos sentir a alma da Terra dentro de nós, pois, assim, sentiremos a Sabedoria que existe em tudo.
Não permita que a superficialidade e a aparência das coisas do mundo nos iluda, E nos liberte de tudo aquilo que impede nosso crescimento.

Não nos deixe ser tomados pelo esquecimento de que o Senhor é o Poder e a Glória do mundo, a Canção que se renova de tempos em tempos e que a tudo embeleza.

Possa o Seu amor ser o solo onde crescem nossas ações.

Amém

10.21.2007

Saudade é a 7ª palavra mais difícil de traduzir


Navegando por acaso, eis que me deparo com este artigo. Ele é de 2004, velhinho, mas fala sobre as dificuldades de tradução de certas palavras, inclusive a nossa luso-brasileiríssima "saudade" - sentimento que devora corações e almas desde os tempos dos trovadores medievais.

Saudade "é a 7ª palavra mais difícil de traduzir"
da BBC, em Londres

Uma lista compilada por uma empresa britânica com as opiniões de mil tradutores profissionais coloca a palavra "saudade", em português, como a sétima mais difícil do mundo para se traduzir.

A relação da empresa Today Translations é encabeçada por uma palavra do idioma africano Tshiluba, falando no sudoeste da República Democrática do Congo: "ilunga".

"Ilunga" significa "uma pessoa que está disposta a perdoar quaisquer maus-tratos pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez".

Em segundo lugar ficou a palavra "shlimazi", em ídiche (língua germânica falada por judeus, especialmente na Europa central e oriental), que significa "uma pessoa cronicamente azarada"; e em terceiro, "radioukacz", em polonês, que significa "uma pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência ao domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro".

Contexto cultural

Segundo a diretora da Today Translations, Jurga Ziliskiene, embora as definições acima sejam aparentemente precisas, o problema para o tradutor é refletir, com outras palavras, as referências à cultura local que os vocábulos originais carregam.

"Provavelmente você pode olhar no dicionário e [...] encontrar o significado", disse. "Mas, mais importante que isso, são as experiências culturais [...] e a ênfase cultural das palavras."

Veja a lista completa das dez palavras consideradas de mais difícil tradução:

1. "Ilunga" (tshiluba) - uma pessoa que está disposta a perdoar quaisquer maus-tratos pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez.

2. "Shlimazl" (ídiche) - uma pessoa cronicamente azarada.

3. "Radioukacz" (polonês) - pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência o domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro.

4. "Naa" (japonês) - palavra usada apenas em uma região do país para enfatizar declarações ou concordar com alguém.

5. "Altahmam" (árabe) - um tipo de tristeza profunda.

6. "Gezellig" (holandês) - aconchegante.

7. Saudade (português)

8. "Selathirupavar" (tâmil, língua falada no sul da Índia) - palavra usada para definir um certo tipo de ausência não-autorizada frente a deveres.

9. "Pochemuchka" (russo) - uma pessoa que faz perguntas demais.

10. "Klloshar" (albanês) - perdedor.




Veja matéria original publicada na Folha aqui