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7.03.2017

Dos latidos dos cães negros


Fazer emergir, do mais profundo dos desertos, a fonte primeva que apazigua a Sede Infinita que empurra nosso espírito fáustico rumo aos confins da Criação. Aeons futuros feitos de Gozo e Grandiosidade, nascidos sobre os ossos esmagados de gerações de humanos que cimentaram as pontes do Porvir. Aventura feita de escolhas indizíveis, de histórias secretas que não são mais ouvidas por ninguém. Ósculos trocados entre delícias e profanações, e de cada um nascerá uma nova revelação, uma nova gnose deixada aos pés do Mais Alto, daquilo que nos impele, a nós corações totalitários, que não cedemos nunca frente a todas as paixões feitas de ardor infinito, de incêndios sentimentais que transformam todos os amantes - mesmo os mais indecentes - em simples personagens de inofensivas historinhas eróticas para senhoras bem comportadas. 

Ladram os cães negros da noite, como sempre trazendo novas mensagens vindas dos mundos mortos, onde até mesmo o Amor é infecundo; nós lemos nos latidos as cartas que vem destes mundos longínquos, cartas com cheiro de incenso e sangue grafadas com estranhas letras que enlouquecem os homens ponderados, os homens cuja vida é rotina e apequenamento. Nós entramos nas casas dos homens com a Boa Nova dos Aeons Futuros, sussurramos poesias pervertidas e os convidamos a participar em júbilo das orgias com suas mulheres e lindas filhas. Eles negam o prazer e nós rimos do medo que exala de suas palavras covardes; envergonhados, choram como bebês seus cornos frescos nascidos da devassidão que embala o cavalgar indecente de suas esposas no falo que levantamos ao ar como um culto a tudo que é feito em nome da Beleza e da Eternidade. E é isso que faz pulsar o nosso desejo: Beleza nas Formas! Eternidade na Indulgência! A tudo isso sorvemos um último gole nos lábios úmidos das sorridentes filhas dos homens covardes. E extasiados morremos em um vórtex escuro que reluz, e no seu brilho secreto que apenas poucos podem ver toda a escuridão é feita de ouro.

(experiência de escrita automática após imersão meditativa em "The Book of Pleasure", de Austin Osman Spare)

9.04.2016

Introdução à Filosofia do Caminho da Mão Esquerda



Encontrei o texto desse post no Sabedoria Subersiva, excelente blog dedicado ao Caminho da Mão Esquerda em suas mais diferentes manifestações. A autora é a polonesa Asenath Manson, fundadora do Temple of Ascendig Flame, quem tem como objetivo ser "a gate to the Draconian Current, arising from inspiration received from Lucifer and Draconian Gods, and in response to inquiries and expectations of those who wished to walk the Path of the Dragon".  O texto, intitulado "Introdução à Filosofia do Caminho da Mão Esquerda", é um resumo conciso do significado da Via Sinistra, demonstrando o que a diferencia do Caminho da Mão Direita. Além desse aspecto educacional, é também um texto inspirador que pode inflamar os corações dos adeptos a trilharem essa Senda.


Introdução à Filosofia do Caminho da Mão Esquerda

O Caminho da Mão Esquerda é muitas vezes definido como “o caminho interno”, a jornada espiritual de introversão para encontrar o poder e o conhecimento no interior humano. É também uma viagem para a escuridão, o desejo de contato com as forças das trevas que, de acordo com as tradições do Caminho da Mão Esquerda, estão intimamente ligadas com os antigos cultos à natureza, e também conhecidas como correntes lunares.

Mas o que é a “auto-deificação”? É a maior conquista do Caminho da Mão Esquerda.

O desejo de contato com as forças criativas e primordiais do universo foi preservado durante séculos por algumas religiões e tradições mágickas. Nas tradições ocultistas ocidentais, o Caminho da Mão Esquerda é conhecido como satanismo, mas na verdade seu alcance é muito mais amplo. O Caminho da Mão Esquerda, ou a Via Sinistra, é um fluxo que estende as suas raízes em antigos cultos dos deuses das trevas e da natureza, como Dionísio. Acima de tudo, refere-se a cultos femininos, como Hécate, a divindade de noite, da lua e da magia.

O termo Caminho da Mão Esquerda não existe só no ocultismo ocidental, mas também no tantrismo hindu, onde o vama-chara ou Vama Marg (“Caminho da Mão Esquerda”), que é um caminho direto para a divindade muito mais poderoso do que dakashina-chara (“Caminho da mão Direita”). Julius Evola escreve sobre isso em seu livro “The Yoga of Power”:

“Há uma diferença significativa entre os dois caminhos tântricos dos graus superiores, entre o da Mão Direita e da Mão Esquerda (onde ambos estão sob a égide de Shiva - shaivachara), indicada pelo fato de que enquanto na suprema realização, siddhi, própria do primeiro caso, o adepto sempre experimenta “algo acima dele”, na siddhi do caminho da Mão Esquerda ele “torna-se o próprio soberano” (chakravarti, que significa “o que governa o mundo”)”.

A filosofia do Caminho da Mão Esquerda existe em outras tradições. Na Cabala, é o caminho das Qliphoth – que está ligada com os princípios da Árvore da Morte, a meia noite da Árvore da Vida. Na tradição nórdica é o Seid , a arte mágicka de transe para a libertação da alma. Também nos elementos da tradição do vodu o Caminho da Mão Esquerda tem sobrevivido, especialmente nos ritos Petro ou seitas também chamadas de vermelho (thomazos cabrit), baseado em um sistema semelhante ao qliphótico. É semelhante o caso do hinduísmo, onde tais grupos são conhecidos como Aghori. Todas estas tradições contém um processo de iniciação que leva à imortalidade e à divindade através da reafirmação das energias primordiais relacionados com a ideia de escuridão, as correntes lunares femininas e a recriação consciente em harmonia com o universo. Ao mesmo tempo, é o desenvolvimento de uma consciência única e poderosa que existe acima e além da consciência de todos os seres vivos.

O processo de iniciação no Caminho da Mão Esquerda e da Direita.
O caminho da iniciação assumido pelo Caminho da Mão Direita é chamado de Via Sacra. Seu objetivo é a aniquilação dos aspectos do homem (microcosmo) e do Universo (macrocosmo) que são considerados “sombrios”, ruins e indesejáveis, e que separam o homem de Deus. O Caminho da Mão Esquerda, Via sinistra, não evita esses problemas: ao contrário, incentiva a enfrentá-los e a usar o seu poder para a recriação do seu próprio universo. O Caminho da Mão Direita é o caminho da “fuga” para a luz, para longe da escuridão. É um caminho que se concentra apenas em um aspecto: a negação do fato de que a luz não pode existir sem a escuridão. O caos primordial, a partir do qual o universo surgiu, era um amálgama de todos os opostos,: de luz e escuridão, fogo e água, terra, ar e outros elementos que foram determinados e divididos pelo “ato da criação” para se tornar realidade que temos à nossa volta. Isto ocorre por meio da polarização dos opostos e está baseado na dualidade cósmica, que precisa reunir todos esses elementos para refazer a divindade. Para o Caminho da Mão Direita isso não é possível, uma vez que visa aniquilar o indesejado macro / microcosmo ao invés de buscar um equilíbrio entre estes aspectos. É diferente no caso do Caminho da Mão Esquerda, caminho iniciático com base na fórmula de alquimia “solve et coagula” (“dissolver e preservar”) e o confronto inclusive com aqueles aspectos que são reconhecidos como “negativos” pelo Caminho da Mão Direita. Em termos cabalísticos, os seguidores do Caminho da Mão Direita escolhem caminhar em uma “escala” para os mais altos níveis da Árvore da Vida (em cujo cimo está Kether). O mago do Caminho da Mão Esquerda escolhe o caminho das qliphoth da Árvore da Noite. Enquanto os adeptos do Caminho da Mão Direita trabalham só com um lado simbólico da Árvore da Vida, os praticantes do Caminho da Mão Esquerda trabalham com ambos.

Quando o mago do Caminho da Mão Esquerda atinge o nível de Kether, ele também alcança Thaumiel, a qliphoth gêmea representando os altos níveis de desenvolvimento alquímico (divindade), ao mesmo tempo. O Caminho da Mão Esquerda é o caminho do equilíbrio entre forças opostas de existência, do claro e escuro, extáticos e dinâmicos, forças destrutivas e criativas, entendidas como complementares e não podendo existir sem a outra. O equilíbrio entre elas é fonte de sabedoria e poder. A luz representa nascimento e criação, enquanto a escuridão representa morte, destruição e retorno à matriz da criação. Juntas, essas forças são a fonte de todas as formas de vida e de todo o tipo de energia que precisa de duas forças opostas para existir. A negação de uma é a negação da própria vida:

“O mago pretende tornar-se o centro da criação e destruição, uma manifestação viva das forças do caos no reino da dualidade, um microcosmo completo, um deus.”
É por isso que um dos principais símbolos do Caminho da Mão Esquerda é o Dragão ou Serpente, que representa a unidade de todos os opostos como Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda. E contem os elementos tanto do sexo feminino e masculino, ativos e passivos, criando e dando vida e devorando a si mesmo. Ouroboros representa o famoso princípio hermético “Assim como acima, assim está abaixo”. Esta regra refere-se à relação entre o homem e o mundo que nos rodeia. À medida que o mundo contém muitos princípios diferentes, o homem não é uma unidade. Peter J. Carroll escreveu que o ego do homem não é homogêneo, mas uma parte composta de inúmeras partes da consciência de outros seres. A psique não tem um centro; não algo único, mas sim uma mistura de variados elementos. Alguns deles tendem a ficar juntos, criando um senso de ego. Muitas outras tradições mágicas vêem o homem de uma forma similar. A síntese das partes, a criação de um ser humano, a principal conquista do processo alquímico conhecido como Opus Magnum.

Antinomianismo
Antinomianismo é uma atitude de oposição às normas e valores comumente aceitos e é um importante elemento do Caminho da Mão Esquerda.

Antinomianismo é a única maneira de rejeitar os valores da massa que cresceu no mundo em que vivemos. O Caminho da Mão Esquerda refere-se ao antinomianismo do caminho espiritual, é a oposição a/os deus/deuses dominantes dos sistemas religiosos e a busca da divindade individual. Para magos do Caminho da Mão Esquerda, os deuses são principalmente seres arquetípicos, relacionados com diferentes aspectos do universo e da consciência humana. Um praticante pode sair do paradigma aceito que reconhece essas forças como superiores. É essencial sair do quadro estreito estabelecido pelas religiões de massa que são o obstáculo para o progresso espiritual individual. A aceitação passiva da ordem imposta leva à estagnação. O Caminho da Mão Direita busca a integração com este fim, e é caracterizada pela extroversão (exposição ao mundo exterior). No entendimento religioso e místico, significa união com o Deus transcendente que está acima de todos os seguidores. Neste caso, a pessoa tem que ter como aspiração individual se tornar um escravo completo de forças superiores. É completamente diferente para o Caminho da Mão Esquerda, uma vez que é caracterizada por uma profunda introversão (uma viagem iniciática pela psique em busca da divindade).

A auto-deificação.
Uma das questões mais duvidosas ainda deve ser respondida: o que faz o homem se tornar um Deus? “Divindade” pode ser entendida de formas diferentes. Deve ser lembrado que a realidade que nos cerca é uma questão de como se percebe as forças existentes no universo. O mundo está fora de controle para o homem, seu inconsciente e seus poderes ocultos. O processo alquímico de iniciação que o adepto do Caminho da Mão Esquerda é submetido libera gradualmente estes poderes. O confronto com os aspectos individuais da consciência dá uma visão em profundidade da personalidade e fornece conhecimento sobre nós mesmos e o mundo ao nosso redor. Conhecimento e compreensão das forças que são partes de nós e do universo que nos permite viver a vida de acordo com a nossa vontade. Para isso, é essencial que passe por um processo difícil de transmutação alquímica interminável que começa no interior humano.

Um mago do Caminho da Mão Esquerda deve reconhecer e explorar o  interior obscuro para iluminá-lo com a luz do conhecimento e da compreensão. Sabedoria no Caminho da Mão Direita é em uma só via, ou seja, incompleta. De acordo com as religiões monoteístas, “ver Deus” significa experimentar a cognição de uma parte do paradigma da consciência humana. Mas a experiência completa também significa “ver o diabo”. “A união final com Deus”, a última conquista do Caminho da Mão Direita, significa a união da consciência individual com a consciência coletiva. Aquele que está apto a preservar a sua integridade e unidade, deve resistir ao poder da consciência coletiva. Como Peter Carroll disse, na morte a força da vida individual é reabsorvida pela “força da vida deste mundo que se faz conhecida por nós como Baphomet”. Para as religiões monoteístas esta experiência é a união com Deus. Para o mágicko é “ser comido pelo Diabo em sua busca deliberada de liberdade”.

De acordo com a filosofia do Caminho da Direita, não se pode opor-se a Deus/poder superior. Os seguidores do Caminho da Mão Esquerda não partilham desta opinião.

O exílio simbólico do homem do Jardim do Éden, como no mito da queda de Lúcifer, representa a busca da divindade individual, e a escuridão se torna uma metáfora que transcende além das limitações impostas por Deus. Na escuridão o homem brilha com sua própria luz, criando seu próprio mundo. A viagem através da escuridão também é a evolução espiritual do homem. O Jardim do Éden é uma fase da infância, o tempo em que o homem se sente seguro e dependente de forças superiores. Sair do Jardim do Éden é um passo em direção à maturidade, independência e liberdade, mas também um passo na direção da responsabilidade, quando o homem começa a decidir sobre sua própria vida. Por isso, entrar no Caminho da Mão Esquerda e andar por ele significa abandonar a segurança da luz e ver o desconhecido – e assim descer no abismo da escuridão e lá encontrar a liberdade e a divindade.

Asenath Mason. Lodge Magan.

8.22.2016

Documentário "The Mindscape of Alan Moore"


Acabei de assistir ao documentário "The mindscape of Alan Moore", de 2003, onde o mago de Northampton fala sobre sua origens proletárias, sua paixão pelos quadrinhos - nascida da necessidade de ir além do seu cotidiano de precárias possibilidades - e, claro, sobre magia. 

Retomando uma das denominações mais antigas para designar as práticas ocultas - o sintético "A Arte" - Moore demonstra que o parentesco entre magia, quadrinhos e literatura é muito maior do que se imagina. Para ele, magia é a arte de promover alterações na consciência das pessoas através de certas fórmulas. Os grimórios dos antigos feiticeiros são, nesse contexto, nada mais do que gramáticas exuberantes, que manipulam linguisticamente códigos verbais  ("nomes bárbaros de invocação", para retomar uma expressão de Kenneth Grant). A linguagem é portanto dotada de uma grande potência transformadora das consciências humanas - disso o sabiam os xamãs e bardos de todas as culturas do passado. Na modernidade, esse poder ou é esquecido (e aí temos a literatura dos best sellers, entendidos como simples entretenimento) ou utilizado para fins comerciais (a publicidade é magia na sua forma mais tosca e vulgar, capaz de fazer multidões agirem & pensarem da mesma forma). 

Pensando em todos os livros que li, vejo que muitos deles de fato conseguiram promover alterações na forma que eu percebia certas coisas na vida. Podemos simplesmente ver isso como um processo normal de qualquer leitura ou então assumir que se trata, como Moore propõe, magia. A segunda opção me parece muito mais divertida. 

8.10.2016

O Renascer da Magia, de Kenneth Grant



O texto a seguir nasceu de apontamentos da leitura de "O renascer da magia", de Kenneth Grant, obra que inicia as Trilogias Tifonianas e apresenta de modo sintético as idéias que serão desenvolvidas, com pormenores, nas demais obras da série. Originalmente publicado em 1972, a minha edição é a lançada pela Penumbra Livros em 2015 - que por sinal é uma edição muito boa de capa dura e, cuidadosas notas adicionais que jogam luz em passagens que, se literalmente traduzidas, perderiam o sentido original do texto em inglês (Kenneth Grant usa e abusa de aliterações e jogos de palavras em todo o livro) e 16 lâminas coloridas com fotos e ilustrações de Aleister Crowley e Austin Osman Spare, figuras centrais do livro. Não sei dizer se essas lâminas estão presentes na edição original, mas com certeza fazem deste lançamento da Penumbra algo bastante especial. As indicações de páginas presentes nesse post referem-se a essa edição.

De modo extremamente resumido, pode-se dizer que "O renascer da magia" pretende, através de uma espécie de história das idéias mágicas, estabelecer o vínculo existente entre o sistema crowleyneano e o culto a Shaitan, cuja origem se perde nos aeons passados e remonta a períodos incrivelmente longínquos, anteriores mesmo aos acádios e sumérios. Esse culto antiquíssimo originou, milênios mais tarde, o culto egípcio a Set, onde a invocação preliminar da Goétia do Rei Salomão tem sua origem e, através desta, a Goétia medieval. Crowley e Thelema representam, portanto, o renascimento de uma corrente mágica tão (ou mais) antiga que a própria humanidade.

Esse renascimento ocorreu, segundo Crowley, em 1904, na assim chamada Operação do Cairo. Durante os dias 8 a 10 de abril daquele ano, entre o meio-dia e uma hora da tarde, o Sacerdote e Escriba dos Príncipes Ankh-af-na-Khonsu (o Sagrado Anjo Guardião de Crowley) recebeu da entidade praeter-humana Aiwass os três capítulos que resumem o Liber Al Vel Legis, iniciando assim uma corrente oculta de magnitude cósmica que seguiu ao equinócio dos deuses e o fim da castradora Era de Peixes. A operação do Cairo é o marco do advento da Era de Aquário e o resgate da liberdade e da sexualidade mágicas.

Os símbolos das divindades empregados por Crowley ao se referir a esse renascimento são praticamente todos do panteão egípcio. O sistema thelêmico tem como essência a ação recíproca e equilibrada entre "o puxão demoníaco para baixo e ascensão espiritual", utilizando majoritariamente métodos de Mão Esquerda e, talvez por isso mesmo, promoveu a subversão de todos os sistemas mágickos, preparando o terreno para o sucumbir de todas as verdades cristalizadas. Por tal razão, embora os termos egípcios prevaleçam, o uso dessas formas-deus tem relação direta com a filiação draco-tifoniana que se pretendia dar a Thelema, mesmo sabendo que essas forças ancestrais tenham assumido muitos e diferentes nomes ao longo dos aeons e culturas. Dentre os nomes recorrentes em todo o livro estão:

Nuit: a consciência e subjetividade absolutas. A imensidão do cosmo, infinito, noite sem fim, nada absoluto, ausência de pensamento;

Hadit: é a manifestação da consciência, a objetividade concreta, o impulso criador. Seus símbolos são o falo e a Besta;

Ra-Hoor-Khuit: o reflexo de Hadit na forma do universo objetivo. Filho de Hadit e Nuit;

Babalon: Lua, Mulher Escarlate, a escuridão da matéria, o mênstruo lunar, fertilidade;

Hoor-paar-kraat (Hipócrates ou Harpócrates): Aiwazz, Set;

Aeon: palavras com diversos sentidos em todo o livro. Significa ciclo de tempo (sempre muito longo) e também é nome do deus fálico-solar dos illuminati. É empregado intercambiavelmente com Abrasax, divindade com corpo de serpente e cabeça de leão dos gnósticos, e também com Harpócrates. De Abrasax se desenvolveu a palavra ABRAHADABRA, que resume todos esses conceitos.

Esses nomes simbolizam forças e tendências que no aeon atual – o Aeon de Hórus – atuarão como pólos restauradores das antigas tradições sumérias. Desses nomes, o principal é Set:

“No aeon anterior (de Osíris), Set ou Satã era considerado maligno, pois a natureza do Desejo era mal compreendida; ele era identificado com o diabo e o mal moral. No entanto, este diabo, Satã, é a verdadeira fórmula da iniciação. Chamado de maligno para esconder sua santidade, é o desejo que incita o homem a conhecer a si próprio – através de outrem (ou seja, através de seu próprio duplo ou “diable”). Quando a necessidade é voltada para dentro ao invés de para fora, como normalmente ocorre, o ego morre e o universo objetivo se dissolve. À luz dessa iluminação, a realidade, a gnose, é tudo o que resta” (página 26)

Kenneth Grant
Set, Shaitan, Satã: nomes diferentes, mesmo significado ancestral. Sua raiz etimológica remonta ao simbolismo – antiquíssimo, perdido nas umbras da pré-história e do mito – do número 7. Os cálculos mais antigos do tempo não eram baseados no tempo solar, mas sim na movimentação das estrelas e especialmente a revolução da serpente (Draco ou Nuit) em torno da Canícula (Hadit). Set, a estrela de Sothis, é o nome do número sete, número de Sevekh ou Vênus, que muito mais tarde se transformou no correspondente planetário dos conceitos estelares originais. A estrela de sete raios de Babalon se filia a essa mesma simbologia, assim como a Besta de Sete Cabeças (as setes estrelas da Ursa Maior). Nota-se que essas luzes não eram nem o Sol nem a Lua, mas conceitos estelares anteriores. Set e Hórus, antes considerados como poderes iguais brigando pela supremacia das águas do espaço, começaram a se tornar cada vez mais dissociados entre si, conforme ocorria a migração dos homens rumo ao norte africano. Antes cíclico, o poder entre os deuses pendeu para Hórus, como supremo e ressurgente Sol/Filho da Mãe (Nuit) enquanto Set ficou abaixo da linha do horizonte como senhor dos Infernos. Os deuses gêmeos se atomizaram em aspectos excludentes, com a “vitória” de Hórus. Set, considerado no Sul o deus do Verão, com a migração dos povos ao norte associa-se ao inverno e transforma-se em sinônimo de escuridão e morte. Passa-se de uma concepção de tempo estelar para uma solar-lunar que, posteriormente, com a descoberta de que o brilho da Lua provinha na verdade do Sol, foi aniquilada, com a preponderância desse último. Assim, a Lua foi degradada e ignorada como as estrelas anteriormente, e anatemizada como um repositório de forças malignas e incontroláveis. No Livro dos Mortos, Set é descrito como tendo um rosto avermelhado; tal característica o fila ao sangue menstrual e lunar como fonte de criação. Nuit diz que a cor de Set “é negra para o cego, mas azul e ouro são vistos pelo vidente” (azul é a cor de Júpiter, ouro se relaciona com o Sol). Os cultos solares – neles incluídos o cristianismo – atribuem ao lado negro das forças espirituais uma coleção infinita de simbologias negativas, como forma de instigar o medo e impedir que os homens tenham acesso ao saber que dali emana. Mais de uma cultura já retratou isso em suas mitologias: que um conhecimento vasto, antigo e superior se encontra interdito aos homens comuns, protegido pelos mais mortíferos perigos. Esses perigos advém de fontes distintas, sendo que uma delas é a pesada carga simbólica que os cultos dos deuses ressuscitados, alimentada por milênios de culpa e preces motivadas por pensamentos amedrontados, reuniu ao redor de si: um amontoado de forças malignas e seres de baixa frequência que arrastam os homens aos seus labirintos de agonia. O pentagrama invertido de Set-Shaitan, cuja ponta para baixo indica o Sul – sua morada ancestral no solstício de inverno – é o símbolo do Grande Iniciador, daquele que promove o acesso ao conhecimento oculto que, vencidos os perigos que o circundam, permite ao homens realizar sua essência divina.

A realização da centelha divina passa, portanto, pela iniciação, experiência transfiguradora que desperta as potencialidades silenciadas no homem. J. W. Parsons, citado por Grant, é brilhante na explicação de seu significado:

“Para ir fundo é necessário rejeitar cada fenômeno, cada iluminação, cada êxtase, indo sempre para baixo, até chegar aos últimos avatares dos símbolos que também são os arquétipos raciais: neste sacrifício aos deuses abismais está a apoteose que os transmuta em beleza e no poder que é a sua eternidade, e na redenção da espécie humana. Neurose e iniciação são a mesma coisa, exceto que a neurose não prossegue além da apoteose, e as forças tremendas que moldam toda a vida estão conquistadas – curto-circuitadas e feitas venenosas. A psicanálise transforma os falsos símbolos do ego e os exterioriza em falsos símbolos sociais; é uma confusão de conformidade e cura em termos de comportamento de grupo. Mas a iniciação deve prosseguir até que a barreira seja ultrapassada, até que os nebulosos bastiões dos infantis Trawenfells se tornem as rochas e penhascos da eternidade” (52)

Iniciação como experiência radical para além de toda segurança emocional/social/pessoal. Experiência limite, apaga as fronteiras entre o eu e o outro, não para nos arremessar em uma amorfa comunhão hippie com o cosmo, mas para evidenciar que não somos nem Isso nem Aquilo mas um elemento antigo e novo ao mesmo tempo, imutável e também em constante transformação. Dos destroços da Personalidade Tirânica criada pela demência demiúrgica brota, através da iniciação, a Vontade Única que eleva os iniciado a um patamar onde começa a caminhada para o além-do-humano. Dentro da esfera de influência das religiões dos deuses ressuscitados (Osíris, Jesus, Odin, etc) não há formas de se alcançar tal nível de evolução espiritual. As religiões do Livro são as piores nesse sentido: castradoras em sua essência, condenam a sexualidade e maculam a mulher como um poço de desejos irracionais e animalescos, colocando uma interdição fundamental ao maior dos portais para a prática mágica e realização do divino – o sexo.

detalhe de uma das lâminas do livro, na edição da Penumbra

Convém agora falarmos um pouco sobre a figura feminina e seu papel no sistema mágicko de Crowley. Como dito anteriormente, a Era de Aquário representa a restauração da liberdade e da sexualidade mágickas, perdida aeons atrás, e objeto de interdição pelas religiões dos deuses ressuscitados. Nesse contexto, a mulher tem um especial valor, como repositória da voluptuosidade potencialmente mágicka. O símbolo da Mulher Escarlate é marcante nesse contexto. Segundo Crowley, determinadas características indicam na mulher a aptidão para a prática mágicka, tanto físicas (formas avantajadas, olhos brilhantes, cabelos volumosos) como morais (comportamento libertino e independente). Nas palavras de Crowley:

“Como a Mulher Escarlate, cavalgando a Besta, está indo, bebendo o sangue vital dos santos; adúltera; senhora da mudança, da energia, da vida; enquanto a “mulher modesta”, “Maria inviolada”, é fechada, estagnante; impotência e morte (...) Assim a mulher modesta, a mãe, é para mim um símbolo da derrota e da morte; a mulher escarlate que cavalga a grande besta selvagem, que drena o sangue dos santos em sua taça, que é adúltera, que exige a mudança, é a vitória e a vida”

A mulher liberada e dona do próprio prazer aproxima-se do conceito da prostituta, entendida aqui como veículo da lascívia que, canalizada magickamente, proporciona transformações na consciência e gnose espiritual. Entretanto, tal conceito também tem uma outra acepção, que vincula a prostituta com a magia negra e a feitiçaria envolvendo entidades como Equidna, Melusina, Lâmia e certos aspectos destrutivos e viciosos de Kali e Kundry. Nessa rubrica, a prostituta se configura como portal para um tipo de lascívia exclusivamente carnal e estéril. O sexo, portanto, é uma via de acesso poderosa, mas também perigosa, onde o magista deve aprender a canalizar sua vontade para além do Desejo, sublimando-o (o Caminho da Mão Esquerda é sempre assim: iluminação poderosa, mas que se conquista através de provações extremas). É essa sublimação que Austin Osman Spare alude ao dizer: “Ao desvincular-se de concepção a crença e o sêmen, estes se tornam simples e cósmicos”. Somente quando se torna cósmico o êxtase, que caracteriza Kia, é capaz de despertar a consciência individual; nesse ponto não se trata mais de consciência personalizada (e por isso limitada) mas sim cósmica e livre para desfrutar-se eternamente. O desejo deve abraçar tudo, até esquecer a si mesmo e tornar-se nada.

É por isso que na busca spareana de “insaciedade de desejo, autoindulgência valente e sexualismo primevo”, a figura da bruxa é colocada de modo bastante, digamos, interessante: para Spare a bruxa precisa necessariamente ser “mundana e libidinosamente entendida” mas também “tão sexualmente atraente quanto um cadáver”. Justamente por suas características abomináveis, ela se torna o veículo completo da consumação, destruindo toda e qualquer cultura estética pessoal, tornando a mente e o desejo amorais, liberando o sexo do desejo mundo e o ego de suas prisões demiúrgicas. Nesse sentido, Spare se distancia de Crowley na forma de sublimação do desejo.


4.09.2016

Nexion 913 - Vendendo o Sinistro


Estou acostumado a ver a Magia e, especialmente, as tradições ligadas ao Caminho da Mão Esquerda como uma cultura onde noções como superioridade, elitismo, misantropia e auto-superação estão sempre presentes. É uma senda "para os fortes", para os que ousam sair dos caminhos da Luz Demiúrgica - claridade que cega o espírito e o mantém em uma imbecilizante passividade vampírica - e adentrar o campo aberto das Trevas - onde, alquimicamente, nasce o Sol mais brilhante do que todos os sóis.

Justamente por ser um caminho "para os fortes", será um caminho para poucos. Somos uma espécie que preza pelo comodismo em todos os aspectos, não é difícil concluir e aceitar, sem grandes dramas, que as coisas são e serão assim para a maioria. Soma-se a isso que os materiais de estudo de tais tradições sinistras são ou difíceis (alguns, mesmo impossíveis) de serem encontrados ou, quando os encontramos, tem preços inacreditáveis. Os melhores exemplos são os livros da editora finlandesa Ixaxaar, cujas edições básicas ficam na faixa dos 50 euros (sem frete), o que já é bem caro mesmo para os padrões de consumo europeus; e como as edições da Ixaxaar são sempre limitadíssimas, alguns de seus títulos esgotados são vendidos a pequenas fortunas no eBay. Para se ter uma idéia, o livro de Sitra Achra (veja uma resenha dele) está sendo oferecido hoje, enquanto escrevo esse post, por R$ 31.745,33 nesse link aqui.  Nem é preciso dizer que isso, fatalmente, impede o acesso dessa literatura a muitos.

Foi com o propósito de corroer o comercialismo que domina o mercado editorial de magia de Mão Esquerda que surgiu a  Nexion 213 https://nexion913.wordpress.com. Colocando dezenas de materiais para donwload gratuito (lista aqui), o site tem sido alvo de críticas avassaladoras em fóruns e redes sociais nos últimos dias.  Resolvi traduzir - de modo livre e bastante irregular, já alerto - o texto "Vendendo o Sinistro", que é onde a visão crítica do fundador da Nexion 213 sobre o comercialismo  fica mais clara. Eu não sei até que ponto concordo com exatamente 100% dos pontos de vista que ele defende, especialmente quando ele coloca, taxativo, que qualquer Ordem que venda seus materiais e não os publique gratuitamente deve ser combatida. Isso me parece bastante excessivo, pois escrever, editar, contatar gráficas, editoras, etc não se faz sem o emprego de uma boa parcela de tempo e energia, e muitas pessoas vivem, exclusivamente, de seu esforço como escritor. Não deveriam ser recompensados por isso? 

Apesar dos excessos, a visão dele sobre o Sinistro faz uma interessante cópula com um sentimento anti-capitalista cheio de fúria, levando o leitor a refletir se discurso sobre elitismo e força, próprios do caminho da Mão Esquerda, contaminou-se com o comercialismo barato que infecta cada partícula da vida em Kali-Yuga,

Vamos ao texto.

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Vendendo o Sinistro

Ao longo dos últimos dias tem havido algo em minha mente que pertence a fenômenos para os quais eu cunhei a frase "Vender o Sinistro". Ter instigado algumas pequenas discussões nas redes sociais, várias vozes têm surgido que apoiaram minhas opiniões e outras que os atacaram, e alguns outros poucos tentando distorcer as minhas opiniões. As respostas que minhas declarações iniciais receberam são diversificadas o suficiente para que eu sinta ser necessária uma declaração oficial, antes que a conversa recaia caia em um diz-que-me-disse que é típico das redes sociais. Em última análise, independentemente de como os outros no Kollectivo pensam sobre esta questão, a posição 913 deve postada aqui, se não por outra razão, a não ser para estabelecer e documentar a minha linha original de pensamento em um ambiente livre de fraudes que só querem publicidade, na tentativa de distorcer a minha posição filosófica real. Vamos deixar a Posição 913 ser exposta de maneira absolutamente clara.

"Tradições satânicas, esotéricas e ocultistas de todos os tipos devem permanecer Open-Source e wetware, ou seja, livre de encargos, limitações próprias, limitações de produção e de distribuição, e disponível para serem livremente alteradas para usos específicos, únicos e diversos, além dos limites de quaisquer sistemas legais de qualquer Estado-nação, além de quaisquer sistemas monetários, além de quaisquer direitos autorais e corporações e, certamente, para além de quaisquer pessoas egoístas que desejam fazer com que qualquer tradição esotérica seja não-livre, mantida sob direitos autorais e marcas patenteadas, monopolizando o Sinistro a fim de satisfazer o seu ego, ou para seu próprio lucro monetário pessoal."- Nexion 913

Como já afirmei em outro lugar, colocarei a minha dignidade pessoal de lado por enquanto, não por causa de vergonha, mas no contexto de que vou me isolar e revelar-me como um exemplo, e direi abertamente que sou pobre, inicialmente devido à minha origem e circunstância e, na idade adulta, por uma opção de recusar em entrar no esquema da escravidão Magian e da infraestrutura econômica.

É realmente uma merda querer estudar ou desfrutar de um novo livro ou álbum lançado pelo Kollectivo, mas a única maneira de obtê-lo é através de mendigar, aço, corte, ou com parte do dinheiro das contas, da gasolina ou das compras do mês. Eu adoraria possuir as obras impressas completas da Ordem dos Nove Ângulos (ONA), a biblioteca do Temple of the Black Light (TOTBL), mas isso custaria milhares de dólares, que eu não tenho e nem mesmo quero ter em nenhum momento.

Muitas vezes, aqueles que afirmam ser anti-sistema estão emulando diretamente e apoiando o complexo econômico-industrial com os seus "trabalhos sinistros”, colocando suas obras no esquema do sistema monetário, o que limita seus trabalhos para aqueles que estão dispostos e capazes de pagar em dinheiro para a honra de ver ou ouvi-los...

Nexion 913 toma como preceito liberar nossas publicações em formatos PDF e impressos, o que significa que tudo que nós vendemos também é totalmente gratuito em formato digital. Por que isso não pode ser um padrão do Kollectivo?

Se todos são ricos o suficiente para pagar 20, 30 ou 50 dólares em cada livro ou um álbum que deseja, bom para quem pode. Muitos de nós não somos. Pare de fazer da ONA, THEM,TOTBL e outros a porra de uma livraria, e concentre-se na luta contra ordem e abstração magian e demiúrgica. Deixe o seu material disponível em formatos digitais gratuitos. Se o seu nexion não deixará, você deixou mais do que claro qual é o seu verdadeiro propósito...

Eu sou um escravo da indústria americana, nascido no mais branco dos trailers park rednecks. Eu cresci com um bando de crianças em situações semelhantes, e fazia "o que tinha de ser feito" a fim de obter as coisas que precisava ou queria. Era comum e esperado, e posso lhe dizer que gangues de rua e prisões são maiores educadores do que qualquer faculdade de prestígio. Estas experiências formadoras, que eu, sem dúvida, compartilho com outras pessoas aqui, serviram para iniciar e desenvolver minha compreensão sobre as abstrações chamadas Estado-nação e religião, através dos quais os adeptos do Magian realizam seu ataque implacável e bem sucedido em nossa liberdade espiritual e intelectual, com todos os tipos de perversão para tentar escravizar todo e qualquer ser humano com débitos e escravidão assalariada, conduzindo-os como gado para um estado de entorpecimento mental e espiritual, para pastar estupidamente sobre os ditames da moda e de um status social artificial. É a ISSO que nós nos opomos quando dizemos Sinistro, é ISSO que nós rejeitamos quando dizemos honra, e é ISSO que nós destruímos quando nos recusamos as abstrações Magian, e optar pelo caminho Open-Source wetware mimético como a ONA, TOTBL e as suas muitas variações .

No núcleo de cada tática Magian está a escravidão monetária. Dinheiro controla todos os recursos que você precisa, porque você não pode mais obter muitos recursos em seu próprio país, incluindo sua comida, a sua mobilidade, e suas comunicações. Quase todos os habitantes do primeiro mundo já não podem plantar, criar ou cozinhar as suas próprias refeições, ou eles são muito gordos e preguiçosos para andar a pé ou de bicicleta, e suas comunicações e informações são limitados ao que eles podem comprar com créditos de escravos. O sistema monetário é um meio de controlar o seu conhecimento e ditar o seu tempo. Dívida, custos e impostos são as armas através do qual os adeptos Magian escravizaram nossas respectivas populações, roubando nossas terras e recursos, destruindo e dividindo nossas culturas e criando mercadorias de nossos sistemas espirituais. Na verdade, estas são as armas com as quais todas as nações não-ocidentais estão atualmente sob ataque e sendo forçadas a se adaptar com a lei abstrata e impessoal que se autodenomina Nações Unidas. Ele estupra a própria essência da humanidade com o mercantilismo.

Se o Sinistro é verdadeiramente perturbador, subversivo e evolutivo, então certamente ele deve perturbar este sistema monetário, e subverter esse sistema que negocia nossas expressões e paixões humanas por um punhado de dólares, cujo valor é mais precioso para eles do que a paixão ou a própria expressão. Se alguma vez evoluímos, individualmente ou coletivamente, é quando nos tornamos livres dos entraves do sistema das dívidas, dos custos e dos impostos. Desse modo, que tipo de luz pode brilhar daqueles que fazem marketing de si mesmos como Sinistros, mas estão aderindo aos sistemas jurídicos e monetários? O que pensamos daqueles que fazem copyright dos livros que escrevem contra o uso do copyright? O que devemos fazer com aqueles que escrevem livros sobre o quão destrutivo é o sistema monetário para a evolução humana, só para em seguida dizer que você não pode ler seu livro até que lhe pague 10 ou 20 dólares? Este tipo de padrão duplo e hipocrisia não podem ser tolerados, porque faz com que todos nós pareçamos tolos e hipócritas.

Código abertoOpen-source software ((OSS) or free and open-source software (FOSS) ) is computer software with its source code made available with a license in which the copyright holder provides the rights to study, change, and distribute the software to anyone and for any purpose. Open-source software may be developed in a collaborative public manner. Open-source software is the most prominent example of open-source development. The open-source model, or collaborative competition development from multiple independent sources, generates an increasingly more diverse scope of design perspective than any one company is capable of developing and sustaining long term. A report by the Standish Group (from 2008) states that adoption of open-source software models has resulted in savings of about $60 billion per year to consumers. – Wikipedia

Como você pode ver a partir da citação acima, liberando o desenvolvimento de tal software da ganância monetária e uso exclusivo, não só permite uma maior evolução do software, ele também permite para qualquer pessoa possuí-lo com facilidade e usá-lo como entender, e isso está em oposição completa com o sistema de Magian. Um executivo da Microsoft afirmou publicamente em 2001 que "Open source é um destruidor de propriedade intelectual. Eu não posso imaginar algo que poderia ser pior do que isso para o negócio de software e os negócios de propriedade intelectual”. Bem, foda-se a Microsoft!. Esta analogia se adapta à ONA e TOTBL pelas mesmas razões. As pessoas, em posse de uma boa compreensão da natureza da consciência, o código-fonte humano por assim dizer, com uma licença para estudar, modificar e distribuir a nós mesmos e as nossas ideias em qualquer lugar e para qualquer finalidade, desenvolvido de forma colaborativa, pública e competitiva, a partir de vários ângulos independentes, gerando um âmbito cada vez mais diversificado de evolução e perspectiva do que qualquer nexion, cultura ou política é capaz de desenvolver e sustentar em longo prazo. Claro, a evolução pessoal, Kollectiva e nexional dos nossos sistemas e ideias, bem como software proprietário, só podem se desenvolver verdadeiramente uma vez libertados do sistema monetário, do contrário eles continuam a ser a "propriedade" de um indivíduo, que controla os limites individuais e o desenvolvimento daqueles que empregam disse ideias ou tradições.


Closed-Source Non-Free – Proprietary
Proprietary software, non-free software (in the sense of missing freedoms), or closed-source software is software that fails to meet the criteria for free or open-source software. Although definitions vary in scope, any software which places restrictions on use, analysis, modification, or distribution (unchanged or modified) can be termed proprietary. A related, but distinct categorization in the software industry is commercial software, which refers to software produced for sale, but without necessarily meaning it is closed-source. Most software is covered by copyright which, along with contract law, patents, and trade secrets, provides legal basis for its owner to establish exclusive rights. A software vendor delineates the specific terms of use in an end-user license agreement (EULA). The user may agree to this contract in writing, interactively, called clickwrap licensing, or by opening the box containing the software, called shrink wrap licensing. License agreements are usually not negotiable. Software patents grant exclusive rights to algorithms, software features, or other patentable subject matter. Laws on software patents vary by jurisdiction and are a matter of ongoing debate. Vendors sometimes grant patent rights to the user in the license agreement. Proprietary software vendors usually regard source code as a trade secret. Free software licenses and open-source licenses use the same legal basis as proprietary software. Free software companies and projects are also joining into patent pools like the Patent Commons and the Open Invention Network. – Wikipedia

Se alguém em nosso Kollectivo satânico e oculto realmente acredita no conteúdo do material que está produzindo (como faz Nexion 913) ele deveria disponibilizá-lo gratuitamente (como faz a Nexion 913). Aqueles que afirmam ser o mais sinistro da ONA são as mesmas pessoas que tentam fazer da ONA uma maldita livraria. Eles poderiam facilmente produzir uma versão gratuita em PDF das suas publicações (fazer da sua nexion um open source), e vender uma versão impressa como uma opção (fazendo da sua nexion comercial também), porém muitos nexion recusam-se a fornecer uma versão digital gratuita (fazendo sua nexion um closed-sourced proprietário), deixando claro que é mais importante que a nexion obtenha lucro monetário do que espalhar a informação, avançar a dialética ou a evoluir a nossa recusa Kollectiva da infraestrutura Magian, a qual a sua nexion closed-source proprietária, agindo assim, na verdade apoia. Pergunte a si mesmo a seguinte pergunta:

Quanto do que você aceitar como ONA tem elementos de propriedade?

1. A sua "marca" da ONA têm características maliciosas ou restrições?

2. Há um pagamento exigido?

3. A sua conta bancária ou do Paypal é exibida?

4. o seu endereço de IP ou endereço de correio é exibido?

5. A transação é informada ao seu governo e/ou provedor de Internet quanto ao que você está vendo, podendo assim adicioná-lo à lista de observação?

Tradições esotéricas genuínas são Open-Source wetware miméticas que usam código que é livremente distribuído e disponível para qualquer um usar livremente. Aplicação Sinistra genuína é sempre open source, o que significa que se você tem a habilidade e tempo, você tem uma excelente vista em cada aspecto de como a aplicação de um sistema funciona, e você está disposto a compartilhá-lo com aqueles com uma capacidade de empregá-lo.

A fraude do "Vender o Sinistro" é feita por microempresas closed-source que vendem produtos marqueteiramente assustadores para consumidores crédulos, e que mantêm suas produções em segredo para impedir a sua utilização por outros nexion, porque ao invés de evolução da tradição esotérica, seu objetivo é gerar lucro financeiro. A maior desvantagem disso é que esta “livraria da ONA" de código fechado força todos a pagar $$$ para ter acesso aos conhecimentos e determinar a sua opinião sobre ele. O indivíduo precisa assim aceitar a palavra do nexion em questão, que na verdade é o próprio vendedor do produto, a respeito da qualidade do material vendido. Claro, alguém precisa apenas tirar uma foto do livro ou produto em questão, e postá-lo no Facebook. Em seguida, todos vão pensar que você é "sinistro" (o que eles provam com o uso de um botão Like) e o comprador não precisa nem ler muito menos entender produto qualquer porque, como para tantos outros mundanos no Shopping Home da Internet , o importante é gerar estupidamente publicidade gratuita para a sua microempresa Onaísta.

Junte-se a 913 na era digital e acabe com a moda e monetização do satanismo. Estas livrarias sinistras não têm espaço para zombar de Anton LaVey ou as COS quando os seus métodos e propósitos são os mesmos. A próxima coisa que você sabe: sites da ONA serão do tipo "pague para ver" com cartões de sócio caros. Digital é gratuito. Foda-se livros e pagamentos de merda. Se um Nexion não partilhar o seu trabalho livremente, recuse suas obras. PDF e OogV são os meios intelectualmente honestos e filosoficamente consistentes de produção Sinistra. 


3.16.2014

"A voz do fogo", de Alan Moore


Eu estava comprando uma pilha de livros com a Ugra Press que já consumiria uma soma considerável de dinheiro quando vi que eles também estavam distribuindo o romance "A voz do fogo", de Alan Moore - e então entrei naquele looping de contas e avaliações, de perguntar a mim mesmo se deveria fazer a extravagância, já repetida tantas vezes, de comprar mais livros do que seria o razoável, posto que há uma coleção deles aqui em casa esperando a chance de serem lidos (e agora parece que ouço os resmungos chorosos desses livros de páginas virgens, ainda não devidamente percorridos, alvo apenas de um breve folhear breve, e parece que estão pedindo, quase implorando, para serem retirados das estantes e enfim compartilharem seus segredos). E depois de dois amigos me recomendarem entusiasticamente a leitura, não houve como agir de modo diferente e agregar, a um pedido já bastante volumoso, esse primeiro romance do Alan Moore, publicado em 1995, e que o público brasileiro pode conhecer graças à editora Veneta, em tradução lançada em 2012.  [Errata: eu tinha dito aqui que a Veneta foi a primeira a lançar o livro em território brasileiro. Um amigo me alertou que isso estava incorreto: foi a Conrad que, em 2002, lançou o livro por aqui, chegando a duas edições. Essa da Veneta, então, é a terceira edição da obra no Brasil.]

Alan Moore é um inglês nascido em 1953 na cidade de Northamptonshire, e que ficou mundialmente conhecido por sua prolífica produção de quadrinhos, principalmente com "V de Vingança", "Watchmen" e "Constantine". Um relato breve e consistente de sua trajetória pode ser lido nesse link. Moore também é um bruxo, e seu primeiro romance, objeto desse post, só pode ser compreendido/degustado tendo como plano de fundo essa sua afiliação ao universo da magia e dos quadrinhos. Explicações mais consistentes sobre isso virão a seguir,


"A voz do fogo" é um romance cujo personagem central não é uma pessoa, mas sim uma cidade - Northamptonshire. Não bastasse o inusitado de ter a cidade como personagem central, a história que se desenrola em suas 335 páginas compreende o período histórico de 4.000 a.C. até os dias atuais, em 1.995. Cada um dos doze capítulos, narrados em primeira pessoa, possui um tom particular, e de certa forma podem ser considerados narrativas independentes - o que parece um paradoxo, em se tratando de um romance. E é justamente nesse paradoxo que está um dos aspectos mais legais do livro: qualquer capítulo pode ser lido de modo independente (com exceção do último, por suas características meta-narrativas) e o leitor não terá nenhuma dificuldade de compreendê-lo; entretanto, para que a estrutura se aflore e perceba-se que o personagem é, na verdade, Northampton, é necessário percorrer o livro do início ao fim e perceber certas sutilezas, que se repetem ao longo do livro: o bruxo tatuado do primeiro capítulo, em 4.000 a.C., com seu adorno de galhos e terríveis pinturas corporais, surge nos sonhos do homem louco do capítulo 11, que se passa em 1.841 d.C.; a ponte sobre a qual surge o cadáver que incriminará Ulin, no segundo capítulo, é testemunha de diversos outros acontecimentos ao longo do livro; os shagfoals, cães de olhos flamejantes, aparecem desde o primeiro capítulo e incessantemente até o final, com configurações bastante distintas - e esses são apenas três exemplos de diversas outras sutilezas intertextuais que percorrem toda a narrativa que, quando percebidas, são saborosíssimas, e um dos elementos que tornam a leitura de "A voz do fogo" uma experiência estética fantástica. Mais do que isso: as intertextualidades mostram que a cidade, as suas ruelas e montes, suas esquinas e pontes, seus moradores e histórias, tudo isso se funde em um amálgama que nos desafia, que coloca em cheque as certezas da praticidade e da razão, e mostram que há vozes incessantes, longínquas, cristalizadas até mesmo na memória viva das paredes que julgamos apenas um amontoado de tijolos envelhecidos. É o próprio Moore que fala sobre isso no fantástico capítulo final, explicando sobre do que trata o livro:


"É sobre a mensagem vital que os lábios rijos de homens decapitados ainda exprimem. O testemunho de cães pretos e espectrais escritos com xixi em nossos pesadelos. É sobre ressuscitar os mortos para que nos contem o que sabem. É uma ponte, uma passagem, um ponto gasto na cortina entre o nosso mundo e o submundo, entre a argamassa e o mito, o fato e a ficção. Uma gaze puída mais fina que uma página. É sobre a capacidade sobrenatural das bruxas de falar línguas desconhecidas e a sua revisão mágica dos textos nos quais vivemos. Nada disso é exprimível em palavras."(página 321)
Índice dos capítulos

Um homem ocidental, se chegasse ao Ártico, enxergaria uma vasta paisagem branca que se repetiria tediosa para todos os lados, enquanto que um esquimó é capaz de reconhecer mais de trinta tonalidades de neve, o que é vital para sua sobrevivência naquelas condições extremas. As pesquisas mais recentes da neurociência já conseguiram mostrar, por exemplo, como o cérebro não faz simplesmente o registro do que é captado pelo globo ocular, mas sim cria a imagem. Há muito tempo que a "verdade objetiva" e o "discurso isento" deixou de ser levado a sério.  Moore sabe disso, sabe que a Realidade com r maiúsculo é só mais uma invenção, que Maya e seus véus nos enganam cotidianamente e atrás deles há mundos ainda mais fantásticos, e que a ficção, a arte romanesca, é uma forma de criar realidades (posto que é um discurso, e portanto palavra, e toda magia nasce de um Verbo).  "A voz do fogo" é um romance que assume a dimensão mágica do discurso e busca, através da ficção, romper "aqueles pontos fracos nos limites entre o fato e invenção, onde o véu entre o que é e o que não é se rasga facilmente" (página 325).



Outro ponto que gostaria de comentar e que é marcante em todo o livro: as descrições extremamente vivazes de Moore. Percorrer as páginas de "A cabeça de Diocleciano", por exemplo, não permite apenas que o leitor consiga visualizar, com riqueza de detalhes, as tavernas repletas de saxões bêbados olhando com ódio e desdém o romano invasor, mas também que chegue a imaginar o odor que emana daqueles ambientes infectos. Em vários momentos mergulhei tão profundamente na riqueza das descrições que o mundo exterior parece ter se transformando em um vago borrão. Esse trecho, o final do terceiro capítulo, parece suficientemente ilustrativo:

"A escuridão invade o quarto. Não posso suportar essas trevas, que encobrem qualquer tentativa de definição. Levanto e cambaleio, tal como num sonho, primeiro descendo as escadas. Depois, atordoado, erro pelas ruas. As celebrações já estão começando, as ruas carregadas do fedor de uma vida brutal. Eles mijam nas entradas das casas, dão com remos nas cabeças uns dos outros, e riem, e se ajoelham no próprio vômito. Fornicam pelos muros dos becos feito prisioneiros. Peidam e gritam, são tudo que resta, tudo que existirá. Com movimentos lentos, escapo de seus empurrões obscenos. Um jarro de cerveja é colocado com força em minha mão. Com sorrisos vis, me pegam pelo braço, beijam meu rosto marcado pelas lágrimas e me atraem para que eu me junte a eles." (página 158)

Antes de terminar esse post, impossível não destacar o primeiro capítulo, "O porco do bruxo". No ano de 4.000 a.C., um adolescente que pertence a uma tribo nômade vê sua mãe doente morrer. Considerado pelos demais um estorvo, é expulso da tribo, e então começa sua saga em busca de comida; depois de dias caminhando, encontra abrigo junto à cabana de um bruxo, sendo mantido ali em segredo pela jovem garota que servia ao misterioso homem. Entretanto, não é a história em si que merece destaque, mas à forma adotada por Moore: o capítulo todo é narrado praticamente com verbos não flexionados e períodos com poucas conjunções, na tentativa de emular a voz de um contemporâneo do Neolítico. Algumas ações e objetos não são representados pelos termos que conhecemos (e você só consegue descobrir do que se trata pelo contexto). Assim, por exemplo, a ação de pensar é representada pelo verbo "juntar" ("o meu pensamento" aparece no texto como "o juntar de eu", na linguagem do menino); o órgão sexual masculino é denominado "vontade" ou "osso". Uma construção narrativa ímpar, de onde destaco o trecho abaixo, que é magnífico ao retratar poeticamente o momento em que o adolescente tem o primeiro orgasmo de sua vida, após ser masturbado pela menina:

"Ela é faz inclinar, e encosta cabeça ela que comprido cabelo brilhante de ela é cai como cordas-de-árvores lá todo por vontade de eu. Agora em mão ela é pega um comprido e grosso de cabelo de ela, para enrolar em dedo de ela por osso quente de eu. Oh, ela é esfrega eu com cabelo ela, todo para cima e para baixo, todo rápido e forte que é puxa como para machucar cabeça ela, mas não faz ela um barulho, mas só esfrega e esfrega, e esfregar de isso é bom, juntar isso é mais bom ainda, cabelo ela assim macio e brilhante com sol, forte de ele mexe para cima de osso de eu, devagar como minhoca de costas-de-cabana, de traseiro, por grosso de vontade para ponta onde é espetar bom. Agora é fica uma pequena roda de leite-de-barriga em ele, como olhos de chuva que fica em grama enquanto é primeiro brilho, ela é esfrega mais rápido, mais forte, eu é junto que esse não é esfregar de cabelo em mão, mas esfregar de cabelo por toda fêmea de ela, e, oh, e juntar isso é vai rápido descendo barriga de eu, subindo vontade de eu e, oh, e menina é segura mais forte ainda, para parar leite-de-barriga de eu, mas é agora, e agora, e agora, um fio de leite cai em rosto de ela, em cabelo, e molha em pele de boi-de-pelo de cabeça ela, e mais, e mais, em pernas de eu e baixo de dedos ela, molhado em grama e branco em olho sangrento de flores e, oh, e Mãe. Mãe." (páginas 54/55)


Leitura das mais deliciosas dos últimos tempos, "A voz do fogo" é um livro que nos convida a ver a realidade como ficção e ficção, como real, para mostrar que no final das contas essa divisão é apenas uma pegadinha que fizeram conosco. Fãs antigos irão se apaixonar pelo livro, e quem nunca leu nada de Alan Moore (pecado imperdoável, mas ninguém é perfeito) será conquistado pelos sortilégios do bruxo de Northampton.

"Somos todos, cada um de nós, os fragmentos sangrentos e pungentes de um Deus que foi rasgado em pedaços pelo choro de nascimento da Eternidade. Quando todos os dias se acabarem, Ela que é Noiva e Mãe de todos nós juntará cada migalha de ser espalhado num só lugar, onde voltaremos a saber o que sabíamos no início das coisas, antes da terrível divisão. Todos os seres se dividem entre aqueles que são e aqueles que não são. Entre eles, o segundo tipo é o maior, e tem mais importância. Conhecer o pensamento é estar em outra terra. Tudo é verdadeiro. Tudo." (página 254)