4.27.2020

Além dos véus róseo-rubros


Houve um tempo que os lençóis tinham o teu cheiro, lençóis onde gozamos juntos e acordávamos com lembranças da noite anterior. Bastava virar para o lado para já te tocar e então começar de novo. As bocas então se encontravam, ávidas, quase se mordendo. O carinho que transcende a forma amena e se torna aquilo que deve ser - primitivo gesto de amor. Não do amor surrado na escritura dos poetas, que só vivem na ilusão de sofisticar aquilo que não precisa e assim parecerem mais espertos do que realmente são. Amor como ato voraz. Explosão. Tempestade. Estremecimento. Suas pernas enlaçadas em meu pescoço, bambeando. Reflexo físico que sugeria que minha língua dedicada estava no caminho certo. O labor devoto em frente ao seu altar úmido de vida. Pois é no elemento líquido que a vida se inicia. Minha devoção, fervente, então penetrava no altar, abrindo os véus róseo-rubros que o velavam. Como eram quentes as chamas que ali se ocultavam! Isso fazia minha devoção, ainda mais exaltada, transformar-se num desejo de pura conexão. E por isso eu buscava mais uma vez sua boca arfante, mas também seus olhos. O que de mais íntimo pode existir do que amantes que fodem com olhos fixos nos olhos do outro? As chamas do seu altar úmido subiam e através dos olhares cruzados uniam ainda mais os corpos já em conexão. Continuidade ígnea. Ouroboros feito apenas de desejo em exercício. Exercício ritmado em seu altar já inundado de êxtase, sua boca perto da minha, respiração que misturava ares inalados e exalados, dentro e fora, fora e dentro. Como que isso não pode ser amor? Mãos que seguravam sua cabecinha com ternura, mas também com malícia, enlaçando os dedos em seus cabelos para aumentar a sensação de controle. Gesto que eu fazia para dizer "você é toda minha". Você percebia, como ninguém sabia me ler, e então sorria em resposta. Sorriso que era como gasolina sendo jogada em um incêndio. O sorriso acontecia de modo espontâneo ou calculado? Eis o mistério da Fé. Nenhum homem jamais saberá se o sorriso feminino na hora da foda vem de Deus ou do Diabo. O melhor é assumir que ambos são uma mesma coisa. E que a Mulher, a Beleza que está no topo do mais alto pilar da Criação, tem em si a dádiva de ser filha de ambos e de nenhum. Com aquele sorriso aumentava ainda mais minha ardente devoção. O altar úmido, já quase todo feito de líquidos cujo aroma transforma o homem em animal. E nessa inundação de sucos pecaminosos eu então começava a me preparar para contribuir com um novo tipo de libação, também ela quente e aromática, e que em outras vezes você havia sorvido, ávida e devotamente. Respirações ainda mais próximas, inalação e exalação, dentro e fora, fora e dentro, em ritmo crescente. Um olhar inocente poderia julgar que era um homem maltratando uma mulher com aqueles sacolejos quase violentos. Penso que esses mesmos inocentes ficariam confusos ao ver o seu sorriso enquanto me dizia baixinho "goza, goza", sempre com aqueles olhos mágicos me encarando. Não me saem da mente especialmente seus olhos. Eram neles que fixava toda a minha atenção enquanto eu sentia o clímax se iniciar, e os gemidos se tornando mais altos até que a respiração, descontrolada, era esquecida. Luzes disformes. Nervos se contorcendo. Segundos que a percepção se alterava. Não é a toa que os franceses chamam isso de pequena morte. Jorros quentes disparados contra as paredes internas do altar úmido. Fêmea e macho unidos em êxtase único. O suor meu pingando sobre o seu. Grudados, melados, o mundo exterior poderia ser destruído, a civilização sucumbir, holocaustos se multiplicarem. Tudo isso havia perdido o sentido. Havia encontrado um novo tipo de divindade, e ela estava oculta sob os véus róseo-rubros do altar úmido que vivia selvagem entre suas pernas.

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